15 dezembro 2011

CONTINUAÇÃO DE UM CONTO DE NATAL ( 3 )

Há que dizer desde já, procurando responder a observações de algumas perspicazes leitoras, que o espectro do castelo de Elsenor não aparece nesta história por mero acaso nem por simples capricho do seu autor. Autor é (autor)idade, como muito bem se sabe, sucedendo que não lhe cabe explicar ou prestar satisfações a quem quer que seja, apenas dar a ler ou a tresler, e cada um ou cada uma que se arranje como muito bem puder, se não gostar da comida que deixe na borda do prato, que aquilo que uns não querem estão outros mortinhos por saborear – haja vista aquele caso do jantar de bucho no conto “Os Sinos de Ano Novo”. Só que, condescendendo com a curiosidade manifestada, por vir de quem vem e não de pessoas quaisquer, aproveita o autor para esclarecer que o espectro do castelo de Elsenor aparece neste texto, digamos, por arrasto, visto fazer parte da história de Scrooge logo desde a segunda página da mesma, não sendo de estranhar, pois, que vendo tantos fantasmas à volta do desgraçado protagonista, ele próprio que já ali estava preparado para o que desse e viesse como uma espécie de fantasma residente, se tenha disposto a entrar também em cena. O que isto tem a ver ou não com o Natal, é o lado para que melhor dorme este autor.
Dito isto, e já lá vai quase metade do fascículo de hoje, saiba-se que o espectro do castelo de Elsenor, pronunciadas que foram aquelas suas últimas palavras, desapareceu, súbita e inexplicavelmente, da presença de Ebenezer Scrooge. Ora o prestamista, que nunca tinha ouvido falar de Hamlet nem do dito castelo, ficou a arder de curiosidade, sem possibilidade de saber mais sobre a assombração que o visitara, a qual, depois do terror inicial que lhe causara, até começara a despertar-lhe alguma simpatia. A sua primeira ideia foi a de que poderia ser a alma penada de algum importante senhor das highlands da Escócia, região do reino com bastantes castelos assombrados e grande cópia de espectros dentro deles. Seria, não seria?
Como nenhuma personagem da sua história lhe parecia à altura de o esclarecer, resolveu procurar o Sr. Fish, secretário de Sir Joseph Bowley no conto “Os Sinos de Ano Novo”, conto que estava ali à mão de semear no mesmo livro da história em que ele é protagonista. À pesca do Sr. Fish, fisgou-o naquela parte do conto em que ele está na biblioteca a receber a carta do recadeiro Toby Veck. Pediu licença para lhe falar à parte, alegando ser assunto de família.
- Scrooge, meu velho! – exclamou o Sr. Fish mal o viu, aproveitando logo para pedir notícias de Charles Dickens, o criador de toda aquela gentalha, ao que Ebenezer Scrooge disse nada saber, que até estava um bocado ressentido por causa da caterva de espíritos que ele tinha criado para a sua pessoa, mas que, enfim, tudo tinha já passado, e que ultimamente até havia conhecido um espírito interessante, que se dizia pai de um tal Hamlet e pairava habitualmente num castelo chamado de Elsenor, que ele não sabia onde ficava, mas que agora ardia de curiosidade por saber.
O Sr. Fish deitou-lhe um olho de goraz sabichão, entendido, conhecedor das fossas abissais da alma das personagens, e disse num latim frouxo e arrastado, mal aprendido no curso de bacharel que não chegara a concluir em Oxford:
- Tu quoque, Brute, fili mi !

2 comentários:

Joca disse...

Manuel, de repente a história virou para Júlio César! Também tu? Mas afinal em que Reino estamos ? :)

Manuel Nunes disse...

No puro reino da fantasia, Minha Amiga, que a realidade é demasiado feia.
Camilo Pessanha, na abertura de "Clepsidra":
"Eu vi a luz em um país perdido./ A
minha alma é lânguida e inerme./ oh!Quem pudesse deslizar sem ruído!/ No chão sumir-se, como faz um verme..."