24 abril 2012

OS MENINOS À VOLTA DA FOGUEIRA



Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade

Serra do Marão, Abril 2012

21 abril 2012

"Espingardas e Música Clássica" de Alexandre Pinheiro Torres, 27 de Abril, 21h00

Mosteiro de S. Gonçalo, Amarante, Abril 2012

"...
Padre Francisco olha pelas janelas. A natureza encontra-se reduzida às lágrimas que escorrem no rosto dos vidros. Mas logo, ao capricho da ventania, são cabeças de velhos, andrajos, uma multidão liliputiana, trapenta, desbragada, que enche as naves laterais da igreja, onde não há, nem assentos, nem espaldares. Ali se refugia a outra gente de Frariz, os que nunca tiveram terra, e trabalham à jeira ou à jorna, por um dia de alguns escudos, e, com sorte, um pedaço de pão e vinho..."

in "Espingardas e Música Clássica" de APT. Capítulo 60. As naves laterais .

17 abril 2012

A Comunidade foi a Amarante


Pouco passava das sete horas da manhã de Sábado, 14 de Abril, quando a Comunidade de Leitores embarcou rumo a mais uma aventura cultural, desta vez por terras amarantinas, adormecidas em torno do Rio Tâmega e envolvidas no abraço protector da Serra do Marão. Do programa cuidadosamente elaborado pelas já célebres OP, destacaram-se: a visita à Igreja e Mosteiro de S. Gonçalo, onde ficámos a conhecer em rigoroso detalhe a história do monumento e do Beato que lhe deu o nome; a Sessão na Biblioteca de Amarante, onde fomos gentilmente recebidos, e onde decorreu uma bela conversa, a propósito das “Espingardas e Música Clássica” de Alexandre Pinheiro Torres; a visita guiada ao Museu de Amadeo de Souza-Cardoso, onde descobrimos mais um pouco da vida do pintor; a visita à Casa de Pascoaes em Gatão, onde a actual proprietária e herdeira da família, nos franqueou as portas do seu belo jardim e por último a subida das voltinhas do Marão em busca do Parque Florestal da Serra, onde fizemos um dos mais memoráveis pic-nics dos últimos tempos. Tudo isto envolvido em muito riso, muita conversa e sobretudo muita harmonia.
Lanço um repto aos nossos leitores com mais inspiração para a escrita, para nos deixarem as suas impressões de mais um fim-de-semana inesquecível.

12 abril 2012

Rocco Granata - MARINA (Na morte de António Manuel Azóia Pederneiras, Coronel dos Fiambres, Presidente da Câmara de Frariz do Tâmega e herói dos Dembos)



O contraste, confesso, é banal. Vida e morte, ora bolas! Quando queremos ser realistas o que se descobre é sempre a trivialidade. No tasco do Manel Madraço, a cinquenta metros da igreja, a máquina automática de tocar discos já berra, histérica, o "Marina, Marina, Marina". Crianças enroupadíssimas correm umas atrás das outras. O céu está carregado mas não chove. As crianças, claro, riem-se.

ALEXANDRE PINHEIRO TORRES, Espingardas e Música Clássica, Lisboa, Editorial Caminho, 1987, p. 235.

06 abril 2012

Atentai meus Amigos, atentai!

Da nossa Cláudia!

Ide lá ver o que esta menina anda a fazer e terão uma agradável surpresa. E o que é bom mas muito bom mesmo, é que ainda tem tanto para crescer...

Em exposição aqui!

Exaltação

Viver! Beber o vento e o sol! Erguer
Ao céu os corações a palpitar!
Deus fez os nossos braços pra prender,
E a boca fez-se sangue pra beijar!

A chama, sempre rubra, ao alto a arder!
Asas sempre perdidas a pairar!
Mais alto até estrelas desprender!
A glória! A fama! Orgulho de criar!

Da vida tenho o mel e tenho os travos
No lago dos meus olhos de violetas,
Nos meus beijos estáticos, pagãos!

Trago na boca o coração dos cravos!
Boêmios, vagabundos, e poetas,
Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

03 abril 2012

À SOPHIA DE MELLO BREYNER

A história que hoje te trago, ouvi-a eu contar num país tão distante que não penso lá voltar nunca mais. É uma narrativa sem lugar nem tempo definidos, capaz de passar-se no eterno presente da vida. Poderás compreendê-la melhor se te acontece por vezes abrires uma janela, ou até uma gaveta, para nada, e pensares num amigo, sabendo, com uma certeza irredutível, que está triste, ainda que ele nada te tenha dito de si mesmo.
O protagonista desta história é um poeta amargurado pela perda do Amor. O seu desgosto é tão intenso e a sua tristeza tão profunda, que tudo à sua volta, montanhas e vales, lagos e rios, cidades e estradas, se encontra mergulhado numa persistente e soturna obscuridade.
Ora o Génio do Lugar, conhecedor da situação e farto de ouvir as reclamações dos outros habitantes, resolve propor ao Poeta uma solução para o seu problema. Para lhe devolver a alegria, ele vai convocar os representantes mais notáveis dos elementos da Natureza, que lhe podem oferecer, à escolha, os Dons mais preciosos da Criação, de que são portadores.
O Poeta, no seu desalento, aceita o desafio, e logo a Montanha se ilumina dos mais espantosos cambiantes das cores da terra, das cintilações douradas e verdes dos maçiços florestais que modelam harmoniosamente as onduladas e suaves encostas, serpenteando até aos afloramentos rochosos dos escarpados cumes, onde cintilam as neves eternas.
­— Compreendo, Montanha— diz o Poeta, vencido o fascínio do primeiro instante— que me ofereces o teu abrigo, com todas as prodigalidades de que foste dotada. A paisagem de que posso usufruir é a coisa mais bela que existe na Terra. Nunca me cansaria, pois a mudança faz parte do teu carácter. No entanto, tenho de recusar a tua oferta, porque não podes, com todo o teu poder, substituir o meu Amor.
Então, escuras e espessas nuvens, trazidas pelo vento, ocultam a Montanha, que desaparece, desgostosa, da vista do Poeta.
O mesmo vento, de início impetuoso, acalma-se e transforma-se numa brisa suave, que murmura, numa música envolvente e irresistível, poemas maravilhosos: Dá-me rosas, rosas, e lírios também...
O Poeta chora, quereria, sim, até aceitava ficar para sempre mergulhado no inefável murmúrio poético, Mas por mais rosas e lírios que me dês, / Eu nunca acharei que a vida é bastante. / Faltar-me-á sempre qualquer coisa, / Sobrar-me-á sempre de que desejar, / Como um palco deserto.
Assim rejeitada, a brisa retira-se e uma grande calma cai sobre a paisagem em transformação.
É a vez do Sol se apresentar em todo o seu esplendor de fogo.
— O que tenho para te oferecer é único e irrecusável— diz o Sol— pois eu tenho o poder de afastar todas as trevas, de acabar com o frio, de fazer renascer da morte as sementes da terra. Prometo aquecer-te o corpo e a alma para sempre, e devolver-te à vida, à alegria.
O Poeta hesita, porque sob a luz irradiante e o calor ameno, a paisagem transfigura-se numa promessa de fecundidade e o seu coração parece querer expandir-se.
Entretanto, o tempo passa, o Poeta não é capaz de responder. O Sol impacienta-se, o calor aumenta e a paisagem transforma-se num deserto de terra calcinada a perder de vista. O poeta percebe que a situação é sem apelo, a sede começa a ser insuportável e ele caminha a custo sob o calor inclemente em busca de um abrigo. Passam-se horas; as condições físicas do poeta tornam-se insustentáveis e ele desfalece sobre a areia ardente.
De um delírio intrincado de luzes e escuridão surge um rosto amável. O Poeta não sabe se sonha ou se é a realidade que lhe sorri, que o reconforta, que o trata.
Tudo ali é desconhecido; mas é nova, acima de tudo, aquela sensação de ser objecto de dedicação, de ser alguém que importa de forma especial para o outro, que nada pede em troca.
— O meu nome é Mariana, e tu és o Simão, lembras-te? Sei o que perdeste, e também sei que nada até agora pôde restituir-te a alegria do Amor.
Mariana, tu salvaste-me do deserto, noite após noite tens velado à minha beira, dás-me tudo o que tens, mal me conheces e eu reconheço, porque o sinto, que me amas. Mas, Mariana, nunca poderei dar-te mais do que gratidão e reconhecimento, porque tu não és o meu Amor.
Mariana e Simão choram, irmanados na dor da realidade irredutível dos sentimentos. Fora, chove torrenciamente: também a natureza chora uma infinita tristeza.
A torrente de água forma um pequeno dilúvio, que transforma em rio caudaloso aquela porção de deserto. De Mariana e Simão nada mais se virá a saber. Mas no eterno presente, quem contemple o mar pelo fim da tarde, numa qualquer foz de rio, ou simplesmente abra uma janela sem pensar, pode ficar cativo de uma paisagem interior, onde os rios de lágrimas alimentam para sempre o mar sem destino da ilusão e do amor desencontrado.

S. Domingos de Rana, 2 de Abril de 2012


Nota: Lê-se Espingardas e Música Clássica, de Alexandre Pinheiro Torres, nosso guia para Amarante, e que nos permite, de muitas formas, continuar a influência camiliana, alimentada na recente leitura de A Brazileira... Entre outras, temos ainda e sempre a presença de Fernando Pessoa, ainda que através de Álvaro de Campos, o qual veio a lume a propósito de uma visita ao navio Sagres... Acreditem: não há coincidências. Há outra coisa qualquer.