03 dezembro 2012

CLARICE, AINDA

JOANA
(no capítulo “O Encontro de Otávio”)

                      A todos os que não compreendendo, compreenderam

A noite dobrava-se inquieta sobre o dorso dos pássaros,
o luar e a sombra estalavam nos móveis do quarto
e as asas do sonho trespassavam de verbos o poliedro
infinito das sensações. Pensou: “Sou a onda leve
que não tem outro campo senão o mar” – mas talvez
nem chegasse a acreditar no que pensava… Cercava-a
uma auréola de ínvia maldade, o poder desmedido
de se sentir mulher e conhecer o futuro das palavras
muito antes de elas se tornarem presente e passado.
Do amor, intuía que era um lugar de onde se podia fugir
pela porta dum livro ou duma grande ideia, enquanto
na cama, a seu lado, frágil como uma folha ou um fruto,
o homem soprava a lenta respiração do sono: insciente
e inerme, pronto para morrer e ser esquecido. 

JOSÉ RAFAEL

2 comentários:

Paula M. disse...

Ora lá está... o poliedro infinito das sensações...

Maria Amélia disse...

Paulinha, muito mais que isso...