18 janeiro 2013

JÚLIO DINIS NA ILHA DA MADEIRA

Estátua de Júlio Dinis numa rua do Funchal: o cumprimento dum nosso amigo. (Novembro de 2011)

O livro a que tenho recorrido ultimamente (JÚLIO DINIS, Cartas e Esboços Literários), contem várias cartas escritas do Funchal durante os períodos em que por lá estanciou, em busca de alívio para a sua doença, o autor de Uma Família Inglesa. Há cartas marcadas por uma grande tristeza, próprias de quem sentia contrair-se o tempo de vida a que podia aspirar. Algumas, porém, ultrapassam o registo melancólico e chegam a ser sarcásticas na apreciação que fazem da sociedade funchalense e da vida dos “doentes do peito” na ilha.
É o caso deste excerto duma carta para Custódio Passos, datada de 5 de Maio de 1869:
“Eu imaginava que a Ilha da Madeira teria costumes novos para mim, que haveria nesta sociedade uma feição especial. Nada disso; os mesmos cavacos políticos nas praças, as mesmas cerimónias nas salas de partidas, as mesmas bisbilhotices nas lojas, onde se reúne a élite funchalense. É o Porto sem tirar nem pôr, com a única diferença de se entrar ainda mais pelo íntimo das casas para assoalhar o que por lá vai.
Uma noite houve aqui um baile em casa dum morgado. Os morgados andam por cá a rodo. Pois ao almoço do dia seguinte eu sabia das minhas patroas [as suas hospedeiras], que aliás não tinham lá ido, as mínimas particularidades da soirée. As informações distribuem-se aqui às horas do leite e do pão quente.
A natureza compensa as impertinências desta sociedade. Mas não é fácil a um doente passear no campo. Passeios a pé são impraticáveis, graças às pavorosas subidas que por toda a parte se encontram. A rede não é tão cómoda como parece; os carros sem rodas não podem vencer todos os caminhos. Depois um homem habitua-se, como aí no Porto, a dar todos os dias a mesma volta e acabou-se.
Outra impertinência do Funchal é a conversa forçada em doenças do peito. Todos os dias os doentes se encontram nas ruas e informam-se reciprocamente de quanto tossiram, de como passaram a noite, da maior ou menor pressão que sentem, e de mil pequenas coisas a que os doentes dão importância. Não há meio de fugir disto.”

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