02 janeiro 2013

LEITURA DO MÊS : "UMA FAMÍLIA INGLESA", DE JÚLIO DINIS : 25 DE JANEIRO, 21 HORAS

Exmo. Sr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho
Recebi, mas só muitos dias depois, o exemplar com que V. Exa. me obsequiou, do seu romance Uma Família Inglesa.
(…)
Coisa muito para se citar com louvor e admiração neste seu novo livro, é (quanto a mim) que, sendo tão sóbrio o enredo, e tão pequeno o teatro da acção, o interesse dela é todavia dos mais poderosos. O talento real foi sempre assim, e assim é também em todos os seus poemas a Natureza: de elementos mínimos compõe, sem esforços nem violência, os máximos efeitos.
Deus o conserve (e já se vê que o há-de conservar até ao fim) no óptimo sistema que adoptou.
Outros que o elogiem (e com esses também eu faço coro) como escritor de romances já distintíssimo, não só para entre nós. Eu, por cima desse mérito reconheço-lhe ainda o de filósofo e moralista, que algum dia tem de ser colocado entre os de primeira plana. Teofrasto e La Bruyère não debuxaram com mais exacção os caracteres. Balzac mesmo não lê mais por dentro nos indivíduos. V. Exa., além do esmero com que nos pinta o mundo exterior, e nos fotografa a sociedade, tem o raro dom da intuspecção no mais eminente grau. Cumpre o nosce te ipsum; ciência rara! e ousa (o que também não é vulgar) não desviar jamais os olhos da eterna máxima, risota hoje para muitos:
Rien n´est beau que le vrai, le vrai seul est amaible.
(…)
Adeus, meu caro, meu prodigioso poeta. Creia nas veras com que me assino.
 
Lisboa, 15 de Julho de 1868
 
                                                                     De V. Exa.
                                                        admirador, confrade amigo,
                                                             e servo muito obrigado
 
                                                                   A. F. de Castilho
      
Júlio Dinis, Cartas e Esboços Literários, Porto, Livraria Civilização, 1946 (d. do prólogo), pp. 283-286.

5 comentários:

Maria Amélia disse...

Isto para mim é fantástico: imaginava lá tal ditirâmbica prosa na ponta da pena de poeta tão convencional e académico! Mas provavelmente é a ignorância a bater a pála e o esquematismo do preconceito a levantar o nariz. Gostei!

Manuel Nunes disse...

Árcade póstumo, chamou-lhe Teófilo Braga.

Paula M. disse...

Já o Eça terá dito que « viveu de leve, escreveu de leve e morreu de leve»

Manuel Nunes disse...

O Teófilo referia-se ao Castilho, e o Eça sabia bem que Júlio Dinis era o romancista do seu tempo que bem poderia ombrear com ele. Não tivesse morrido aos 32 anos...

Paula M. disse...

Ah, bem me parecia... Que tinha metido água.
Quanto ao Eça, sim provavelmente saberia, mas parece que o disse...