25 fevereiro 2013

Garrett, as folhas, a Viscondessa e a «chama impura»



«Gomes de Amorim refere-se ao aparecimento de Folhas Caídas, em 1853, como
um assombroso sucesso. Segundo ele, “todos queriam saber quem era ignoto deo”,
título do poema que abre o livro. Folhas Caídas tem íntima relação com as cartas de
Garrett a Rosa Montufar. (...)
 
Amorim refere-se ao juízo de Alexandre Herculano, logo que Folhas Caídas saiu:
“Não há senão um homem em Portugal capaz de fazer tais versos! São do Garrett?!”
(Amorim, 1884, t. III: 399). E acrescenta: “Parece que tem vinte anos!” (Amorim,
1884, t. III: 400). Garrett acabara de completar cinquenta e quatro.
A primeira edição (sem indicação de autoria) saiu em Abril de 1853, com trinta
e quatro poemas. Em Maio estava esgotada. Fez-se a segunda edição, neste mesmo
mês, e esta voou como a outra. Em quase todos os poemas aparecem as palavras
ROSA E LUZ. (...)
 
Gomes de Amorim narra os comentários dos salões: as mulheres eram
indulgentes, os homens qualificavam de pouca vergonha. Enquanto isso, liam-se às
escondidas os versos, cochichava-se pelos cantos. E Garrett retomava hábitos e
costumes de homem novo e elegante. (...)
 
Se o romance de Garrett com a Viscondessa da Luz fez escândalo, culminando com a publicação de Folhas caídas, isto se deve em parte à moral vitoriana que regia
o Portugal oitocentista. Mas não é só disso que se trata. Garrett inclui o sexual, seja
como for, em poemas como “Não te amo”, “Coquete dos prados”, “Víbora”, “Anjo
és”, “Seus olhos”. Mas a novidade de Folhas caídas, que já estava apontada em Flores
sem fruto, é fazer desta inclusão algo que o afeta de modo muito íntimo e particular.
Ainda assim, permanece o sintoma que o dilacera: entre a repulsa ao sexo e a recusa
de amar (quando a força do sexual insiste e resiste).
Este drama de Garrett termina por inquietar também seu próprio biógrafo. É
assim que Gomes de Amorim comenta este poema verdadeiramente sensacional
intitulado “Cascais”: “apesar de serem essas estrofes admiráveis, sente-se que elas
nasceram de uma chama impura” (Amorim, 1884, t. III: 412).  À época da morte de Garrett, ficou famoso o chiste atribuído a Rodrigo da Fonseca Magalhães, então ministro na pasta do Reino: “Morreu abraçado à CRUZ, com os olhos na LUZ.” Teria sido no Cemitério do Prazeres, segundo Gomes de Amorim, que Rodrigo “proferiu (...) [o] epigrama” (Amorim, 1884, t. III: 687). O chiste vale pelo que consegue resumir do drama que se abateu sobre Garrett, que se impõe a renúncia e o sofrimento em nome de um Ideal de amor.»
 
In, SÉRGIO NAZAR DAVID, GARRETT: ENTRE A CRUZ DO DESEJO E A LUZ DO
AMOR
DISCURSOS. SÉRIE: ESTUDOS PORTUGUESES E COMPARADOS - Universidade Aberta
repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/408/1/discursosAlmeidaGarrett105-126.pdf.pdf
 



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