27 março 2014

O "TCHILOLI" DE SÃO TOMÉ (3)


Quem ler a Tragédia do Marquez de Mantua, de Baltasar Dias (não é muito extensa, cerca de quarenta páginas em versos de sete sílabas), percebe que a questão que nela se coloca é a da relação entre poder e justiça. O poder para ser forte terá de ser justo.
O filho do imperador Carlos Magno, D. Carloto, comete um crime, um homicídio, na pessoa do sobrinho do Marquez de Mantua, de nome Valdovinos, com o intuito de se apoderar da viúva, Sybilla.
Provado o crime, devia o imperador esquecer os laços de família e condenar o filho ou, ao contrário, fazer tábua rasa das queixas dos ofendidos e proteger o seu sucessor? Como grande soberano, exerceu cegamente a justiça, e D. Carloto foi degolado.
O que é curioso é que esta peça, levada por senhores de engenho e  dignitários para as ilhas equatoriais, foi sendo subvertida, ao longo dos tempos, pelos naturais que a representavam. A introdução de bastantes passagens apócrifas, subordinadas ao sentimento local, distanciam-na hoje do texto original do poeta madeirense.
A questão que se colocava ao povo santomense antes da independência era a iniquidade do poder colonial, pelo que representar uma peça cujo tema central era o exercício de um poder não iníquo constituía, em certo sentido, uma forma de resistência. Ainda que depois da independência tenha o Tchiloli evoluído, acentuando-se os signos e referências dos valores africanos, desde sempre que só parcialmente  foi  tributário da cultura lusa e europeia. O colonialismo não percebeu isso, parece.
 
Nota: Sobre o nome “Tchiloli”, diz Christian Valbert no seu estudo: “On ne connait pas l’ origine de ce mot”.
 

1 comentário:

Custódia C. disse...

Gostei muito destes últimos posts. Completam muito bem tudo o que temos lido no "Oríon"...