18 junho 2015

ASSOBIO NA NOITE





Assobio na noite, o terceiro conto de O Belo Adormecido de Lídia Jorge, nossa leitura de junho. Referência, aparentemente desgarrada, a Caravaggio, a propósito, é certo, de estudos que o protagonista, Prof. Reinaldo Mateus (a gente pensa logo em Reynaldo dos Santos...), teria desenvolvido, sobretudo no seu quinto livro, cuja matéria versava sobre o famoso pintor lombardo.
E digo referência desgarrada, por me escapar o possível nexo que a escritora, de alguma forma críptica (pelo menos para mim), terá estabelecido com o desenrolar da história.
Assim, surgem, ao longo dos primeiros quatro parágrafos, três pontos que parecem importantes e dos quais se poderia esperar um papel estruturante da narrativa ou então, que eles se constituíssem como chaves de uma interpretação. Ora, a sensação final que colhi da leitura do conto foi a de um certo "desperdício", no sentido destas expetativas, legítimas ou não. É como se a autora nos deixasse pendurados nestas mesmas expetativas, optando por uma certa descontinuidade, de propósito ou não.
Esses pontos são os seguintes: (i) o sonho recorrente, no qual surge (ii) uma faca, que ele identifica como sendo a de Caravaggio, objeto mítico, no qual estaria gravada (iii) uma frase: Onde não há esperança, não há medo.
A partir de uma pesquisa mínima e de alguma reflexão percebe-se, em primeiro lugar, a riqueza argumentativa e bases de discussão contidas naqueles três pontos. Depois... fico à espera dos contributos de quem também não achar o assunto despiciente...

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

Onde não há esperança, não há medo - nada mais exacto. Vasculhando na Internet (citadores e outros mimos) descobri que o tema vem de Séneca a Espinosa (portanto, antes e depois de Caravaggio). Para mim, o conto não defraudou as expectativas das primeiras páginas. Acho que em termos de ficção é coerente, a autora não pode (não deve) é explicar-nos tudo. Aplica-se aqui o que, pela positiva, foi dito sobre Agustina na última sessão.
Aproveitei para "pescar" e publicar uma imagem da "Madona dos Palafreneiros". Estou sempre a aprender.

Maria Amélia disse...

Muito obrigada! Também descobri um filme de Lars Von Trier, Melancholia, com o eventual sub título "Sem esperança não há medo", que, em inglês, imagino como slogan "No hope, no fear". E sim, uma das variantes da frase é a filosófica... com Espinosa a pontuar, pois para ele, "não há esperança sem medo, nem medo sem esperança".