30 janeiro 2016

GAIBÉUS E GAIBÉUAS

A primeira reunião da nossa Comunidade de Leitores teve lugar na biblioteca a 23 de Fevereiro de 2007. Quase há nove anos! E sempre foi assim, em cada última sexta-feira do mês, salvo pontuais alterações determinadas por feriados e pontes. 
Ontem, encontrámo-nos no restaurante “Flor do Bairro” da mui nobre freguesia de São Domingos de Rana. Assim teve de ser. Falámos de Gaibéus, de Alves Redol e do Neo-Realismo (Neorrealismo, segundo o Novo Acordo Ortográfico).
«Não há livro de instruções para salvar a vida; só a Literatura se aproxima desse imenso livro.» – disse Lídia Jorge, em 2014, no festival “Escritaria” de Penafiel. É por isso que não desistimos.  

21 janeiro 2016

IMPUREZA

Quando uma mulher tiver a sua menstruação, ficará impura durante sete dias. Quem tocar nela ficará impuro até à tarde. O lugar em que ela se deitar ou sentar, enquanto está impura, ficará impuro.
 
Levítico, 15,19 -20
 
«Aquele vai deitando o olho às curvas tostadas das pernas das mulheres, descompostas pelo poder dos troncos no lameiro.
Safo de fadigas, belisca-lhes com a vista o capitel das pernas. A saia de baixo de uma delas está rasgada e tem manchas de sangueira pisada.
O capataz afasta a vista e sente ganas de a mandar desferrar.
            – Ora o raio!...
Dá a volta na maracha para se afastar dela, mas o rancho descreve agora uma linha sinuosa, a procurar jeito ao trabalho, e a saia rasgada fica de novo à sua frente.
Já lhe parece que todas as saias de mulheres se rasgaram e têm manchas de sangueira pisada.»
 
Gaibéus, capitulo “Arroz à foice”

19 janeiro 2016

O CULTIVO DO ARROZ

Ao lermos Gaibéus, de Alves Redol, talvez não seja tempo perdido conhecermos o trabalhoso processo do cultivo do arroz. Embora em registo actual, aqui fica este link da Junta de Freguesia de Borda do Campo, concelho de Figueira da Foz. Não é Ribatejo, mas para o efeito serve.
 

18 janeiro 2016

O odor moribundo das espigas ...

 
(imagens da net)

“…Morre no ar o odor das espigas loiras cortadas e das flores crescidas à babugem. Fica o cheiro acre dos corpos molhados pela rudeza da labuta. Como, por toda a lezíria, se agigantam os alugados que se curvam a brandir as foices. Tudo se amesquinha ali junto deles, que têm necessidades de mendigos…”

in "Gaibéus" de Alves Redol

08 janeiro 2016

"Gaibéus" de Alves Redol, 29 de Janeiro, 20h30


Antes do início

“Êste romance não pretende ficar na literatura
como obra de arte.
Quer ser, antes de tudo, um documentário
humano fixado no Ribatejo.
Depois disso, será o que os outros entenderem.”

Depois do fim

"Erratas

As que a revisão deixou passar, o leitor as corrigirá"

Primeiro livro da colecção "Livros Proibidos" do Público

04 janeiro 2016

AINDA A PROPÓSITO DE "A RELÍQUIA"






Enquanto procurava, nas Obras Completas de Ferreira de Castro o volume que contém as novelas A Missão e O Senhor dos Navegantes, deparou-se-me um outro volume, designado Pequenos Mundos e Velhas Civilizações, que recolhe relatos de viagens, incluindo Egito e Palestina. Na página em que abri o livro, li: "Aproximamo-nos de Jerusalém. Aumentam, nas encostas, os grupos de oliveiras; a paisagem, porém, é cada vez mais árida, mais parda, mais triste." Segue-se a descrição da cidade, primeiro vista de longe, do Monte das Oliveiras, "é um aglomerado negroso, lá ao fundo, com a sua história, a sua lenda, o seu drama humano de ontem, de hoje e de sempre". Depois, "desde as suas velhas muralhas, rasgadas, aqui e além, por imponentes portas, às ruas estreitas e sinuosas, tudo é obscuro, requeimado, ora castanho, ora pardo, ora pardo, ora castanho, ora negro...". A pouca animação de cor é dada, segundo o autor, apenas pelo vestuário dos muçulmanos e turistas que povoam e circulam incessantemente pelas vielas estreitas, encimadas de arcos, onde os carros não cabem, e pelos produtos e artefatos das lojas. Alonga-se um pouco mais F.C. na descrição da cidade, antes de falar do Santo Sepulcro, que "é, naturalmente, o monumento que maior curiosidade levanta no forasteiro, crente ou céptico seja ele." Reconhecemos, então, passo a passo, na descrição, o templo que é composto de múltiplos espaços, articulados uns e completamente desarticulados outros, mas que pulula de vida, entre o fluxo de curiosos, a chusma de peregrinos de todas as nações, que circulam entre o "monte" da crucificação e a capela central do Sepulcro, "sob a grande cúpula". Diz o autor que "não cabem no recinto tumular mais de três pessoas...", o que provoca, tal como hoje, as maiores confusões.
Pensei então: aqui está talvez o tipo de descrição que o Eça não queria fazer, pelo menos na obra que pretendia produzir como uma espécie de homenagem à forte impressão causada por Jerusalém e também pelo Cairo, tal como ele indica ao redator do Diário de Notícias, na resposta ao convite para descrever os eventos da inauguração do Canal: "as festas de Suez estão para mim entre duas recordações--o Cairo e Jerusalém: estão abafadas, escurecidas por estas duas luminosas e poderosas impressões [...] ". Evidentemente, também nos podemos questionar se era A Relíquia a projetada obra... Continuando aquela missiva, diz Eça: "Talvez em breve diga o que é o Cairo e o que é Jerusalém na sua crua e positiva realidade, se Deus consentir que eu escreva o que vi na terra dos seus profetas". As crónicas solicitadas foram publicadas no "Folhetim" das edições do DN de 18 a 21 de janeiro de 1870, como "narração trivial, o relatório chato das festas de Port Said, Ismailia e Suez".
Voltando a Jerusalém e ao texto de F.C., temos uma outra descrição, que me veio avivar a memória e pensar que, naquelas paragens, de forma especial, o que conta sobretudo é a surpresa causada pelo insólito de muitas situações, o inesperado pouco convencional, o que não encaixa em modelos, seja de cidade em si, seja de costumes ou atitudes canónicas. A ideia também de que, apesar das mudanças, alguma coisa permanece sempre, algo de imperscrutável, de indizível. 
O caso particular, referido por F.C. é, já no Monte das Oliveiras, o que na época era designado " Túmulo da Virgem" e de que me recordo como a Igreja da Dormição da Virgem, nome que pode não corresponder à realidade. Foi, para mim, um daqueles sítios inesquecíveis, e deixo-vos aqui passos da descrição feita pelo autor de Pequenos Mundos, como legenda livre das fracas fotografias que tirei na altura e registam a mesma perplexidade, apesar das pequenas diferenças.
"Desce-se e encontra-se, no extremo de um campo de oliveiras, [...] uma velha fachada, com porta em arco. Está aberta sobre negridão interior e exala um cheiro de cera e bafio.[...] A entrada dá para um pequeno patamar e logo começam os degraus, muitos degraus, dezenas de degraus que mergulham na escuridão. [...] cada vez o silêncio é maior e a humidade gela mais.[..] Voltamo-nos e vemos , lá em cima, muito alto, a porta por onde passámos, recortada agora pela luz exterior. [...] Por fim, a escada termina e encontramo-nos numa espécie de cripta lajeada [...]. Ali ardem algumas lâmpadas votivas. Mas a escuridade pode mais do que elas, pois mal se lobrigam os contornos da catacumba. Subitamente, das trevas surge uma figura. É um padre grego. A sua inesperada aparição neste ambiente sepulcral, dá-nos um calafrio; depois, ele conduz-nos a um velho sarcófago. Túmulo de Maria, diz a tradição ser".

Crónicas de Eça de Queirós em forma de carta, publicadas no Diário de Notícias, descrevendo as festas de inauguração do Canal do Suez, que se tinham realizado em 17 de Novembro de 1869 [online] Disponível em  http://www.arqnet.pt/portal/pessoais/eca_suez.html

CASTRO, Ferreira de-  Pequenos Mundos e Velhas Civilizações. Lisboa: Círculo de Leitores, 1986