15 agosto 2009

PLOTINA


Lembro-me, Plotina, de quando demos as mãos
naquele dia de Inverno em Antioquia. O sismo
derrubara as traves das casas,
espalhara um cheiro de morte
nas florestas e praias da Síria,
e entre o desânimo dos soldados, que viam
na catástrofe o presságio de próximas derrotas,
só o Imperador,
heroicamente obstinado, acreditava nos reflexos
de oiro lavrados nas areias da Ásia.

Lias-me um poema grego, a tua voz era
um cântico de musa, e um diadema de volutas
cingia-te a fronte. Tive a certeza,
naquele instante de suprema elevação, feito
de poesia e dos mais puros afectos,
de que eram os mesmos os caminhos
por onde seguíamos, que tu me conhecias e amavas
como o vento conhece e ama
as copas das árvores, os cabelos das mulheres,
o delírio ondulante das searas
nas tardes rubras do mês das espigas.

Estive sempre longe e perto de ti. Busco agora,
nas folhas da memória, o viso terno do teu rosto de diva.

Amei-te mais com a alma e menos com o corpo,
e só por isso foste verdadeiramente minha.

Passaste como a ave
que risca os céus e se detém no olhar
de quem está preso à terra.
Salvaste-me.


Manuel José Nunes

2 comentários:

Custódia C. disse...

Na continuação do que deixei lá no D.E., mais um pequeno excerto que me emocionou "... Frequentei a pequena habitação onde a imperatriz viúva se entregava às delícias sérias da meditação e dos livros. Reencontrei o belo silêncio de Plotina. Ela apagava-se suavemente...."

Manuel Nunes disse...

Cara Custódia,
Obrigado pelos seus comentários.
Sim, passagens como esta disseram-me muito. E depois o que me surpreendeu foi que as imagens de Plotina que encontrei na Net correspondiam à ideia com que dela ficamos depois da leitura do livro: - uma personagem quase etérea, tutelar, assistindo no seu "belo silêncio" ao ruído do mundo.
MN