17 março 2024

Poesia nos Prazeres

Ontem tivemos mais uma atividade fora de portas: manhã de poesia no Cemitério dos Prazeres, onde homenageámos alguns dos poetas, ali eternamente residentes: Mário Cesariny, Jorge de Sena, Cesário Verde, Al Berto, António Ramos Rosa e Alcipe, Marquesa de Alorna. Com um programa bem delineado e coordenado pelo Manuel Nunes e pela Paula Silva, a quem todos agradecemos, para além de ficarmos a saber um pouco mais da vida daqueles poetas, foram ditos vários dos seus poemas pelos nossos inspirados leitores. Uma bonita manhã de quase Primavera que terminou com mais um salutar almoço convívio.

Poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Mário Cesariny

08 março 2024

A propósito do dia de hoje (8 de Março)

 

Mulher
 
A sociedade sempre foi macho
Que te agarrou pelo soutien
Te arrastou pelos cabelos,
Te despiu e violou,
Calou, imolou
Subjugou, manipulou
Condenou, negou,
Tendo a moral de anfitriã.
Duas castas te vestiam:
Ou senhora ou cortesã.
 
Séculos de mordaça
Pariram sufragistas;
Com fórceps de rasgão,
Amamentadas de sangue
Em seio alquimista
De ventre exangue
De poetisa, cientista,
Escritora, Ensaísta,
Médica, artista;
Vestidas de punhos cerrados
Debruados pela determinação
De desabotoar a camisa
E seduzir com o seu NÃO
 
Somos filhas dessas mães!
Mas a sociedade continua macho:
Macho alfa, poderoso,
Macho de membro ereto,
Macho de tom jocoso,
Macho que herda o passado, ardiloso,
E conjuga-o no politicamente correto.
Ah! Mas somos emancipadas!
Estamos a salvo! Vitória! Vitória!
Mas não é o fim da história…
 
Incendiámos soutiens!
Queimámos humilhação em público!
Hipotecámos ao voto a liberdade,
E conquistámos amanhãs,
Na promessa do amor bíblico
De sermos amadas em equidade.
 
Quando é que finamente teremos
O nosso seio a salvo?
Resgatada a essência do que se quiser
De feiticeira, de deusa, de vida,
De terra, de alma… De mulher?!
 
Emancipação…
Temos a sociedade à perna:
- Como assim?! Não quer estudar?!
- Como assim, doutoramento?!
 
- Como assim só quer ter filhos?!
- Como assim nem um rebento?!
 
- Como assim, tempo para educar?!
- Como assim, desnaturada, não vai sequer amamentar?!
 
- Como assim cansada para intimidade conjugal?!
- Como assim, oferecida, sempre em pecado carnal?!
 
- Como assim, é mãe solteira?!
- Como assim, vai abortar?!
 
- Como assim, que quer casar?!
- Como assim vai-se juntar?!
 
- Como assim, que desmazelo…
- Como assim, que pinta os olhos, e até pinta o cabelo?!
 
- Como assim, violentada, não faz queixa, não faz nada?!
- Como assim, divorciada?!
 
- Como assim, está na cozinha?!
- Como assim, que não cozinha?!
 
- Como assim, como assim, como assim?!...
- Uma vida inteira de tanta emancipação a provar?!
 
Hoje somos mães, senhoras, cortesãs,
Gestoras, poetisas, amantes, juízas,
Esposas, médicas, artesãs,
E o Ipiranga que nos resgatou à censura
Vestiu-nos com alta-costura
De uma liberdade de sermos TUDO!
TUDO! Com profissionalismo, beleza, desvelo e candura.
Mas… tudo… AO MESMO TEMPO!!!!!
 
A sociedade é que aperta o espartilho
E põe o dedo no laço da escravatura.
Mas que bem que nos assenta a emancipação!
 
In “Pó Ético” de Marta Meireles