28 junho 2011

Há mais Luísas...



Esta é a Luísa operária de Gedeão, não a Luiza burguesa de Eça de Queiroz.
Para 29 de Julho vamos ter “O Primo Bazilio” na nossa sessão de leitura. Um ajustamento do programa que se justifica, dado o encontro recente com a personalidade de Emma Bovary. Livros que despertam livros, leituras que chamam leituras: a infinita tela de poemas e ficções.

21 junho 2011

AINDA À VOLTA DE "MADAME BOVARY"



Execrável Emma, mulher perdida,
pior qu´a de Magdala sem a luz
da postura vera e arrependida
da que s´achou no verbo de Jesus.

Filisteia insana e pervertida,
fêmea de cio que o pecado induz,
deu cabo do lar e de uma vida
e pregou o marido numa cruz.

Tive pena do Charles, pois então,
homem honesto, bom e confiante
que lhe pagava os luxos e a ambição.

Aplicava o emplastro e o expectorante,
enquanto a cabra ia p’ra Ruão
fornicar num fiacre c’ o amante.

Nota:
Soneto inédito encontrado por este modesto investigador nos hypomnemata de um frade arrábido que se fixou em Ruão depois da extinção das ordens religiosas em Portugal, tendo ali falecido em finais de 1858.
Paris, Bibliothèque nationale de France, em 10 de Abril de 2009.

05 junho 2011

UM ENLATADO sobre "Madame Bovary" AINDA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE

Em 2008, num dia de Agosto em que tinha razões para andar aborrecido, coloquei esta prosa azeda num blogue de estimação. Ao ver hoje a lição do Professor Samuel Titan (Universidade de São Paulo) lembrei-me de a repescar.


A IMPERTINÊNCIA DE SENTIR ( VI )


Encontramos em Madame Bovary um episódio impressionante, de uma obscenidade excessiva, que atira o adultério de Emma e a perfídia dos seus amantes para o plano singelo das coisas comuns. Trata-se da operação ao pé boto do infeliz Hippolyte, um “acto médico” de Charles Bovary que acarretou ao paciente a consequência natural de uma gangrena: a amputação da perna.
Dificilmente se encontrará em outro romance, como neste de Gustave Flaubert, um libelo tão impiedoso contra os charlatães da medicina.
Dir-se-á que se estava no século XIX, tempo de ideais e filosofias mas de limitado progresso das ciências médicas. É verdade. De resto, não faltam casos de convicções pseudocientíficas na ficção literária de Oitocentos. Veja-se, por exemplo, O Primo Basílio e a morte de Luísa, a “febre cerebral” de que foi acometida, sendo-lhe rapada toda a cabeça para mais eficaz resultado das compressas húmidas com que pretendiam debelar-lhe o mal. Veja-se o uso indiscriminado das flebotomias, a crença nos resultados dos sinapismos e das ventosas, as garrafas de medicamentos preparadas por génios de botica do tipo Eusébio Macário.
A negligência médica de Charles Bovary foi instigada pela inanidade científica do farmacêutico Homais. Ainda hoje os grandes erros médicos resultam, na maioria dos casos, de uma conjugação de equívocos entre a medicina e a farmacêutica – uma indústria poderosa que delapida milhões em estratégias de marketing perante a postura reverencial de investigadores e instituições universitárias. O corrupio de delegados de propaganda médica à porta dos consultórios e os congressos organizados em hotéis de luxo configuram uma medicina submetida à lógica do lucro, onde conta mais o dinheiro que a felicidade das pessoas. E não devia ser assim.