31 março 2020

"A MONTANHA MÁGICA", O SANATÓRIO BERGHOF E O CONFINAMENTO

A fotografia, de 1915, é do Sanatorium Valbella, de Davos, que terá servido de modelo a Thomas Mann para o Sanatório Berghof d’ A Montanha Mágica. Esta é a história dum jovem engenheiro alemão, Hans Castorp, que vem visitar o seu primo ali em tratamento. A estadia era para ser de três semanas, mas entretanto é o próprio Castorp que se vê acometido por um foco de tuberculose, sendo aconselhado pelo reputadíssimo Behrens, médico-chefe do sanatório, a ficar internado sem nenhuma previsão de quando poderia voltar à vida normal.
Há nos primeiros capítulos do romance um discurso recorrente sobre o tempo: o tempo físico e o psicológico, a aparência das suas diferentes velocidades.
Isto faz-me reflectir sobre o tempo vivido em confinamento. Estranhamente, parece-me que ele corre depressa, os dias esgotam-se num ápice. Ando por aqui a fazer o que me é permitido e quando dou por mim é já de noite. Esta é a sensação descrita no romance para Hans Castorp quando passa da situação de visitante a doente internado. Não me adentro nos argumentos filosóficos avançados pelo narrador para tal fenómeno, leiam que depois falamos. Tais argumentos podem surgir como paradoxais: então não é do senso comum que quanto mais distraídos andamos, mais o tempo parece correr depressa? E que em situações de monotonia (de confinamento) vem o tédio e toma conta de nós, fazendo de cada dia um tempo imensamente longo?
A minha experiência, como disse, não o indica, mas o melhor é que cada um fale por si.

30 março 2020

"A MONTANHA MÁGICA" E A REVOLUÇÃO DE 1830 EM PARIS

EUGÈNE DELACROIX, A Liberdade Guiando o Povo (1830). Comemoração da Revolução de Julho de 1830 ou Revolução dos Três Dias Gloriosos, referida em A Montanha Mágica, de Thomas Mann. Queda da dinastia absolutista de Bourbon e subida ao trono de Luis Filipe de Orleães, o rei burguês. 

Do Quarto Capítulo d´A Montanha Mágica, de Thomas Mann, li hoje o subcapítulo “Temor Crescente. Dos dois avós e do passeio de barco ao lusco-fusco.” É um extenso trecho do romance em que as asserções da personagem Ludovico Settembrini levam o protagonista Hans Castorp a reequacionar algumas das suas concepções do mundo e da vida numa atitude de estranhamento, de tentativa de compreensão e, finalmente, de alguma admiração e respeito por aquele seu antagonista.
Ludovico Settembrini está em tratamento no sanatório Berghof de Davos-Platz e Hans Castorp é  visita do mesmo sanatório onde pensava passar três semanas a acompanhar o seu primo Joachim ali igualmente em tratamento.
Castorp é um jovem engenheiro alemão fortemente marcado pelo avô cristão e conservador que, por morte dos pais, se encarregou de o educar. Settembrini é um erudito de nacionalidade italiana cujo espírito revolucionário da família remonta ao seu avô Giuseppe.
Sobre as ideias de Settembrini e a estranheza de Castorp perante elas, diz o narrador: «Uma só vez, contava o italiano, uma só vez na vida, no princípio da sua idade adulta, conhecera o avô a felicidade em toda a sua plenitude – por ocasião da revolução de Julho em Paris. E então proclamara, publicamente e a plenos pulmões, que um dia viria em que todos os homens iriam comparar aqueles três dias de Paris aos seis dias da criação do mundo. Ao ouvir tal coisa, Hans Castorp não se pôde conter e bateu com o punho na mesa, tão profunda era a sua estupefacção. Parecia-lhe de um exagero inaudito pretender comparar os três dias do Verão de 1830, durante os quais o povo de Paris promulgara uma nova Constituição, aos seis dias que Deus Nosso Senhor levara a separar os continentes dos oceanos e a criar as estrelas do firmamento, as flores e as árvores, os pássaros e os peixes, enfim, toda a vida à face da Terra.»
Isto e muito mais foi ouvido pelo jovem Hans Castorp da boca de Ludovico Settembrini e acabou por produzir nele um efeito que superou a estranheza inicial, vendo no discurso do italiano algo «que valia a pena ouvir e saber, se bem que mais a título experimental e sem compromisso.»
Se será assim ou não, só o poderemos saber em fase mais adiantada do romance.

27 março 2020

Uma carta entre dois grandes!


(Ferreira de Castro e Jorge Amado - foto da net)

Ao fazer algumas pesquisas sobre Jubiabá, encontrei este excerto de uma carta que Jorge Amado escreveu a Ferreira de Castro (cujo original estará no Museu Ferreira de Castro – talvez o nosso coordenador Manuel Nunes possa dizer algo sobre isso…)

“…Venho de passar quatro meses na Bahia, recolhendo um resto de material para um romance sobre negros. Chamar-se-á Jubiabá, nome de um macumbeiro de lá, e espero fazer um livro forte, fixando nas duas primeiras partes — “Bahia de Todos os Santos” e “Grande Circo Internacional” — todo o pitoresco do negro baiano — música, religião de candomblé e macumba, farras, canções, conceitos, carnaval místico — e toda a paradoxal alma do negro — raça liberta, raça das grandes gargalhadas, das grandes mentiras e raça ainda escrava do branco, fiel como cão, trazendo nas costas e na alma as marcas do chicote do Sinhô Branco. A terceira parte — “A greve” — será a visão da libertação integral do negro pela sua proletarização integral. Que acha v. do plano?...”

Não sei o que achou Ferreira de Castro, mas eu achei muito bem e agradeço-lhe por isso!

ZÉ TAPERA & TEODORO - PEDRO MALAZARTE

26 março 2020

Jubiabá para cinéfilos


Jubiabá de Nelson Pereira dos Santos (1987)

Vi hoje e gostei.

O Circo


Le cirque - Georges Seurat (1890-1891) - Musée d'Orsay

Giusepe, um dos donos do grande circo internacional, que bebia para esquecer, contou numa noite a Balduíno, que o circo fazia parte da história da sua família. E também ele tivera os seus tempos áureos. Ele e a sua mulher Risoleta, até ao dia em que um salto mortal lhe acabou com a vida.

“…Naquele outro retrato ela estava em cima do cavalo, com uma perna levantada. Era Júpiter o nome daquele cavalo e valia um bom dinheiro. Ficou com um credor da Dinamarca, numa das vezes que o circo andara lá. Aquele retrato de Risoleta em cima do cavalo fora tirado poucos dias antes dela cair…”

JUBIABÁ (8)


CHEIRO DOCE DE FUMO
Li hoje este capítulo de Jubiabá em que de uma forma mais directa se coloca a questão da exploração dos trabalhadores, aliás das trabalhadoras, mão-de-obra da indústria de charutos em São Félix e Cachoeira. As mulheres, mal pagas e a trabalharem em condições infra-humanas, sofriam o assédio dos patrões, naturalmente as que ainda não tinham perdido o viço da juventude, porque a maioria, «pálidas e macilentas mulheres de olhos compridos», não as queriam eles.
«Le melhoro de condição…», dizia o loiro alemão, proprietário de uma fábrica em Cachoeira, para a mulatinha pretendida.
Ainda hoje os charutos baianos são vendidos para todo o mundo. Na foto, a fachada da fábrica de São Félix fundada em 1872 pelo alemão Gerhard Dannemann (seria algum neto seu o assediador da mulatinha?), fábrica ainda em actividade naquela cidade do Recôncavo Baiano.


25 março 2020

Os Saveiros da Baía



JUBIABÁ (7)


Mapa do Recôncavo Baiano com as cidades de Salvador e Cachoeira, a Baía de Todos os Santos, a ilha de Itaparica, o rio Paraguaçu e os portos de Maragogipe e Santo Amaro.
Por ali vogava o saveiro de Mestre Manuel, um cheiro de abacaxis maduros saindo-lhe do bojo. António Balduíno pensava em sambas com os olhos postos nas estrelas, o Gordo sonhava com anjos, via uma estrela na lanterna do saveiro Paquete Voador. Até que do porão, misturando o cheiro do mar com o dos abacaxis maduros, surge uma mulher, Iemanjá erotizada.
«Mestre Manuel apresenta:
– Minha patroa…
A surpresa deles é tão grande que não dizem nada. Ela também está calada e, mesmo que fosse feia, seria bela assim em pé no saveiro que se inclina, o vestido levantado pelo vento, os cabelos voando.»  

23 março 2020

JUBIABÁ (6)

JORGE AMADO (Itabuna, 1912 - Salvador, 2001)

«Jubiabá, esse adorável Jubiabá, marca para nós uma transição na obra do autor. Aí já o horizonte se alarga imensamente. Os personagens começam a viver por si. Já não se trata de figurinos (concordamos que figurino é um pouco excessivo) justificando ideias. Aqui há pessoas que vivem. Poderemos esquecer Baldo, o negro António Balduíno, procurando o seu «caminho de casa», Santo Jubiabá e o seu «olho da piedade», os suspiros de Maria Clara, sua canção do cais, o morro do «Capa Negro», a bela figura do Gordo na «Lanterna dos Afogados»?
Poderemos esquecer a história de Lindinalva, a Companhia do Grande Circo Internacional, a saudação no cais de Baldo a Hans, o marinheiro? E porque nos apetece Jubiabá num plano tão diferente?
Simplesmente por isto: Jorge Amado foi neste livro ao fundo do homem.Todo o romance, feito afinal dum conjunto de romances, feito de vida, é a análise do homem desnorteado, do homem-tipo da nossa época, que procura um rumo, um homem vergado ao peso de milhentos problemas, que procura nortear-se e caminhar, caminhar sempre. E esse homem não é António Balduíno, a figura mais cuidada do livro. Esse homem é António Balduíno, é a velha Luísa, Giuseppe, Luigi, Rosenda, Rosendá, etc.» --- MÁRIO DIONÍSIO em "A propósito de Jorge Amado-II", O Diabo, nº 165, 21 de Novembro de 1937.

22 março 2020

Lanterna dos Afogados


(Gal Costa)

Esta ligação a Jubiabá e ao capítulo "Lanterna dos Afogados", chegou-nos pela mão da nossa leitora Fátima Coelho. A canção original é dos "Paralamas do Sucesso", aqui numa versão de Gal Costa.

“…
Por que chamara ao botequim de Lanterna dos Afogados, ninguém sabia. Sabiam
porém que ele naufragara três vezes e que correra o mundo todo. Antes de morrer
casou com a amásia, para que ela pudesse herdar o já afreguesado café. Ela o
vendeu a seu António, que de há muito estava de olho nele, devido ao ponto que
era óptimo. António não gostava do nome do botequim. Não via razão para aquele
título esquisito. E dias após a realização do negócio a tabuleta apareceu
mudada. A nova trazia o desenho malfeito de uma caravela da época das
descobertas portuguesas e por baixo um nome: Café Vasco da Gama…”

in Jubiabá, capítulo "Lanterna dos Afogados"

21 março 2020

Zé Camarão / D. António Balduíno

Ruy Mingas ‎- Poema Da Farra [Zip Zip 45 Angola]

E mais uma vez, via José António...

ABC de António Balduíno



(Orquestra Revelia)

E pela mão do nosso leitor e amigo José António, chegou-nos em boa hora, o ABC do António Balduíno. 

Apreciem, que vale a pena!

20 março 2020

ABC, Literatura de Cordel brasileira




Como reiteradamente tem afirmado Antônio Balduíno, um dos sonhos que persegue é vir a ser herói, objeto de um ABC que lhe seja dedicado.
O ABC, literatura popular, dita de cordel, (por razões à vista), foi declarada património cultural brasileiro pelo Iphan (Instituto do património histórico e artístico nacional) em 2018. Com origem em finais do século XIX, inspirada na nossa congénere que data do século XVI (a qual, ironicamente, terá entrado em decadência quando surge e se desenvolve o ABC brasileiro), continua ainda hoje a ser produzida e divulgada no Brasil. Mantêm-se as caraterísticas editoriais de pequena brochura, barata (se não for de coleção...),com textos em verso e ilustrações em xilogravura ou linogravura (julgo eu). Há algum tempo, tivemos oportunidade de ver uma exposição a propósito, na BN. Também tive a grata sorte de consultar alguma desta literatura portuguesa de cordel em miscelâneas, na BN, com histórias hilariantes sobre saloios e saloias.


JUBIABÁ (5)



Cartão POR SI MINHA ALMA SOFRE (Capítulo "Lutador"), dado por Baldo a Maria dos Reis. O canto do sim e o canto do não. Como no poema de Viriato da Cruz, musicado por Fausto e cantado por Sérgio Godinho:

https://www.youtube.com/watch?v=ir-ox6LGWgM

«Mandei-lhe um cartão
que o amigo maninho tipografou
"por ti sofre o meu coração"
num canto "sim"
noutro canto "não"
e ela o canto do não
dobrou.»

19 março 2020

JUBIABÁ (4)

Estou a ler o capítulo "Lanterna dos Afogados" e faço umas notas sobre o pequeno diálogo das 3ª e 4ª páginas entre António Balduíno e Joana. Vendidas que foram as letras e músicas dos sambas ao "poeta" Anísio Pereira, Baldo compra uns sapatos novos: «E olhe a prosopopeia do meu sapato novo...» - diz ele para a moça. 
Prosopopeia é uma figura de linguagem em que se atribuem sentimentos ou acções próprias dos humanos a animais irracionais ou a seres inanimados. Exemplo: «O sol sorria no dia luminoso». Pelo que é curiosa a expressão utilizada para o seu sapato pelo herói do romance...
Outra nota é sobre o seu amor da adolescência, ainda presente neste tempo em que ele já era o «dono da cidade». Referindo os encontros carnais com Joana, diz o narrador: «Iam à macumba e depois se estendiam no areal, onde se amavam raivosamente, António Balduíno vendo no corpo de Joana o corpo de Lindinalva.»
Cartune de Spacca

JUBIABÁ (3)

Café (1935), de Cândido Portinari, óleo sobre tela, 130x195, exposto ironicamente no "Stand de Arte" do Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português (1940)

A literatura brasileira, tanto a de temas nordestinos (Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos), como a de escritores do sul como Erico Veríssimo, teve uma grande influência no nascimento e desenvolvimento do neo-realismo português.
Aprecie-se este passo do capítulo "Moleque" de Jubiabá:
«Os homens negros do cais do porto pararam o trabalho em outra ocasião. Desta vez a noite era sem estrelas e sem lua. Do violão de um cego na Lanterna dos Afogados vinham cantigas de escravo. Foi quando um homem trepou num caixão e começou a falar. Os outros cercaram-no, foram chegando todos para perto. Quando António Balduíno e o seu grupo chegaram, já o homem gritava apenas vivas, a que a massa correspondia:
- Viva!
(...)
O homem que estava em cima do caixão, e que pelo seu jeito era espanhol, jogou um punhado de papéis, que foram disputados. António Balduíno pegou um que deu ao estivador António Caroço, que era seu amigo. Foi quando alguém gritou:
- Lá vem a polícia...»
A mensagem é clara, acompanhada da dimensão poética do discurso, bem presente na frase que fecha o capítulo: «Ia ao cais todas as noites e ficava espiando no mar o caminho de casa.»

18 março 2020

Cancelamento da sessão do mês de Março

Caros Leitores


Como já não é novidade para ninguém, um vírus endiabrado aterrou neste planeta e anda por aí a fazer maldades, a virar do avesso a vida das pessoas e a levar-nos a todos de regresso às questões mais básicas e essenciais desta vida.

Assim, confirmamos o cancelamento da nossa sessão do mês de Março. Em Abril saberemos se poderemos voltar à nossa Biblioteca.

Vamos, no entanto, continuar a ler o nosso Jubiabá, mantendo a interacção possível através deste blogue. Usem a caixa de comentários e vão opinando sobre as publicações efectuadas. Se alguém tiver matéria interessante para publicar por aqui, enviem para mim ou para o nosso Coordenador Manuel Nunes e nós publicaremos, com a devida identificação dos seus autores.

Entretanto protejam-se, a vocês e aos que vos estão próximos. Não nos deixemos abater e mantenhamos o espírito em alta. Os livros são sempre o melhor placebo!

E como hoje dizia um amigo nosso, a propósito do isolamento social, lembremo-nos de Anne Frank e facilmente colocamos tudo na devida perspectiva…

Fiquem bem e até breve de olhos nos olhos!

16 março 2020

JUBIABÁ (2)

SPACCA, jubiaba.blogspot.com

«É ruim fechar o olho da piedade… fica só o olho da maldade», frase de Pai Jubiabá. Em língua ioruba (nagô), «Ôju ánun fó ti iká, li ôku!»
A história de um homem e do seu amigo João Janjão, retirantes do sertão por causa da seca, é contada no morro do Capa Negro pelo primeiro. Ele tinha matado o amigo que o salvara da morte, transportando-o às costas na fuga do sertão. O amigo tinha o olho da piedade bem aberto, ele não.
Uma parábola do segundo capítulo de Jubiabá. O homem que só tinha o olho da maldade vivia com a consciência atormentada pelo seu crime. Contou-o ao pai-de-santo e a quem o quis ouvir.
«– Ele tinha-me levado nas costas um dia todo… Ele tinha o olho da piedade bem aberto… Eu quero tirar ele da minha frente e não posso… Ele está ali, bem ali, olhando para mim.»
No fim, «o homem levantou e desceu o morro levando a sua história.»

15 março 2020

JUBIABÁ (1)


Ficha do cartunista SPACCA em jubiaba.blogspot.com

A CIDADE-MULHER

Li hoje o segundo capítulo de Jubiabá, “Infância remota”. Infância remota de António Balduíno, o menino que observava a cidade do alto do morro e dela adivinhava mais do que se pode esperar de uma criança. Uma primeira nota para a dimensão erótica, dada pelo narrador, desta observação da cidade (cidade-mulher), aquele espaço de certa forma interdito onde fulguravam luzes, circulavam bondes e se movimentava a gente de diversas classes nas suas labutas diárias. O despertar remoto da sexualidade.
À espera de, à hora do crepúsculo, ver as luzes se acenderem, Baldo tinha uma volúpia que «parecia um homem esperando a fêmea». Uma vez, sentindo, vindo lá de baixo, um «choro de mulher e vozes que a consolavam», houve um tropel dentro dele que «o arrastava numa vertigem de gozo». Havia sofrimento na cidade, diferente certamente do que se vivia no morro, mas o «menino de oito anos, gozava aqueles pedaços de sofrimento como o homem goza a mulher.» E tudo isto, assim mesmo mal entendido, tornava Baldo mais terno na sua rudeza de menino desamparado. Se algum companheiro se aproximasse dele naqueles instantes de contemplação, «ele o acariciaria sem dúvida, não o receberia com os beliscões costumeiros» e passaria «a mão sobre a carapinha do companheiro de brinquedos, recostaria o peito ao peito do amigo. E talvez sorrisse.»
Ainda numa linha de erotismo, dizia a irmã Luísa do pai de Baldo: «Ele era um negro bonito de encher a boca de água.»
E isto é apenas sobre as duas primeiras páginas do capítulo. Já iremos ao pai-de-santo Jubiabá e aos ABC de Zé Camarão.

13 março 2020

FLORENÇA 1348 E O "DECAMERON"


«Já tinha chegado o ano de 1348 da fecunda encarnação do filho de Deus, quando a cidade de Florença, nobre, entre as mais famosas de Itália foi vítima da mortal epidemia.» - Assim se diz na Primeira Jornada deste livro admirável que é o Decameron.
Temendo a peste que grassava na cidade, dez jovens (sete moças e três mancebos) isolam-se numa casa de campo e passam o tempo a contar histórias em cujos enredos se anuncia uma nova moral, sentindo-se já o espírito de abertura do Renascimento. 
Dez jovens, dez dias ou jornadas, dez histórias narradas em cada uma das jornadas: cem ao todo. DECAMERON.
Um grande livro que parte de uma situação de infortúnio extremo. Um exemplo, ou um conforto, para os tempos que correm. Quem tiver em casa que leia. 
    

03 março 2020

“Jubiabá” de Jorge Amado - 27 Março às 21h00


Abro ao acaso e leio:

“…
Eis que vem a música! Agora está dobrando a Rua Direita e já se ouve o som da marcha carnavalesca. No circo todos se levantam. Os que estão nos bancos mais altos da geral espreitam por cima do pano. Os moleques que estão na porta do circo correm e acompanham a Euterpe 7 de Setembro, que vem garbosa, marcial, vestida de verde e azul. Seu Rodrigo da farmácia é um bicho na flauta. O pistão atira sons que ficam vibrando no ar e vão se bater na cabeça de António Balduíno, que foge da barraca e vem olhar a música. Banda bonita. Estão bem vestidos como o diabo. Aquele que vai ali de costas é o maestro. António Balduíno bem que trocava o seu lugar de lutador pelo homem magro que vai de costas dirigindo a Euterpe 7 de Setembro…”

in “Jubiabá” de Jorge Amado