O ano de 2022 chegou, ainda
sob a tempestade pandémica do Corona vírus, mas já com alguma luz ao fundo do
túnel. O sucesso da vacinação, aliado à menor perigosidade das mutações do
vírus, apontavam no sentido de um cenário endémico.
Para o 1º trimestre, sob o
tema “Horas do Conto”, janeiro trouxe os “Contos Exemplares” de Sophia de
Mello Breyner Andresen. Estiveram presentes 19 participantes, dos quais, apenas
1 não leu o livro. Este, reúne sete contos de alguma temática recorrente em Sophia,
nomeadamente os valores cristãos e a repressão salazarista. As histórias são apresentadas,
não de forma agressiva, mas subtilmente, quase com encanto e algum misticismo e
sobretudo com muitas metáforas, onde Deus e o Diabo ou o Bem e o Mal, se
escondem nas diferentes personagens. Dadas as contribuições de todos os
presentes, confirmou-se o interesse e o agrado geral nesta leitura.
Em fevereiro lemos “Histórias
de Mulheres” de José Régio. A sessão realizou-se no dia 25. No dia
anterior, a Rússia invadiu a Ucrânia o que, não sendo propriamente uma
surpresa, deixou o mundo em estado de choque. Ninguém queria acreditar numa
guerra há muito anunciada. Afinal o
Homem continua a não aprender com os erros e a esquecer rapidamente a História…
Numa sessão que contou com 18
presenças e onde mais uma vez só uma pessoa não leu o livro, a coletânea de
contos de Régio proporcionou mais uma reunião animada e participada. Estávamos
perante um ambiente ficcional dominado por personagens femininas, cuja acção se
desenrola nos anos 30/40 quer em meio rural quer em meio citadino. Todo um
conjunto de mulheres ora apresentadas em contexto individual (com uma conduta
mais fechada, particular e por vezes grotesca), ora em contexto colectivo
(socialmente mais vazias, fúteis e dominadas pela aparência). Todas estas
figuras construídas com mestria e a dar forma a histórias curiosas que
agarraram os leitores, levando cada um à sua própria interpretação.
Em março terminámos o ciclo
dedicado aos Contos, com a Agustina Bessa-Luís e os seus “Contos Impopulares”. Estes
contos (catorze), ora muito pequenos ora quase a roçar uma história mais
profunda, apresentam um traço comum: uma certa tendência de decomposição.
Metáfora para uma sociedade decadente?
Vinte e um membros presentes
numa sessão em que foi dito, por exemplo, que: “ler Agustina é como ler uma
língua estrangeira”, “as palavras são o corpo das suas ideias”, “mesmo não
sentindo uma empatia especial, há que reconhecer a genialidade da sua escrita”
ou “é de uma leitura difícil mas, absolutamente cativante”.
Em abril iniciámos o 2º
trimestre, sob o lema “A sul da américa, a oeste do sonho”. O autor escolhido
para este mês foi Luís Sepúlveda e os seus romances “História de uma Gaivota e
do Gato que a Ensinou a Voar” e “O Velho que Lia Romances de Amor”.
Zorbas, o gato grande preto e gordo e o seu
bando de amigos gatos, unem-se num maravilhoso espírito de grupo, para educar e
ensinar a voar, a pequena gaivota Ditosa, órfã de Kengah, a sua mãe vítima de
uma maré negra. A este grupo junta-se no final um humano “O Poeta”, que dá a
ajuda final ao voo inaugural de Ditosa. Sentimentos bonitos como a amizade,
lealdade, companheirismo, proteção, confiança, coragem e responsabilidade, entre
muitos outros, são a tónica dominante no conto.
“O Velho que lia romances de amor”, fala-nos
da paixão pela leitura e é um hino ao amor pela Natureza e sobretudo à floresta
Amazónica. António Bolivar não sabia escrever, mas sabia ler. Os seus pertences
mais queridos eram dois: uma dentadura postiça e uma lupa que o auxiliava na
leitura, dos seus amados romances de amor.
A escrita maravilhosa de
Sepúlveda encantou-nos por inteiro. Nesta sessão em que foi finalmente liberada
a obrigação imposta pela Pandemia do uso de máscara e em que voltámos a ver por
inteiro a cara uns dos outros, estiveram presentes 19 leitores, tendo todos
lido os dois livros.
O mês de maio trouxe-nos Mark
Twain e as Aventuras de Huckleberry Finn. Descer o Mississipi, primeiro numa
canoa, depois numa balsa e logo a seguir numa jangada, percurso constantemente
embrulhado em aventuras e desventuras, foi a tarefa a que se propôs Huck, que encontrou
no fugitivo escravo Jim, um inesperado companheiro de viagem. Parecendo um
romance direcionado para os jovens, ficou a dúvida se estes terão a devida
maturidade para entender o mesmo. Catorze presenças e um que não leu, foi a
estatística registada.
A fechar o trimestre
descobrimos em junho o escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez e uma história
que nos levou ao mundo dos emigrantes alemães chegados à Colômbia alguns anos
antes da II Guerra Mundial. “Os Informadores” é uma história que nos fala de
memórias, de dilemas éticos, de culpa, de invasão do passado no presente e
sobretudo de redenção e perdão. Numa sessão em que estiveram presentes apenas
13 elementos, dois dos quais não leram o livro, o romance de Vásquez foi bem
acolhido tendo proporcionado ótimos momentos de leitura.
No terceiro trimestre e de
acordo com o tema “Há mais Mundos”, escolhemos livros de que toda a gente fala,
mas que muitos nunca leram. Em julho “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan
Swift e em agosto “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll,
transportaram-nos a mundos de fantasia e sonhos. O primeiro é uma espécie de
comédia incompreendida e o segundo aproxima-se de uma narrativa com carácter de
absurdo, sempre a contornar as regras da lógica. Cerca de uma vintena de
participantes em ambas as sessões, divertiram-se a escrutinar setas fantasiosas
aventuras. Em setembro, o grande clássico da ficção científica “A Guerra dos
Mundos”, de H. G. Wells, deu luta na discussão, enriquecida pelas
diferentes opiniões dos leitores presentes. Uma conclusão comum foi a de que, o
ser humano perante o desconhecido, o medo e a histeria coletiva, perde a sua
humanidade e pode tornar-se selvagem. Dezanove leitores presentes, tendo todos
lido o romance.
Com outubro chegou o 4º
trimestre, sob o mote “Saramago e Saramaguianos”. Iniciámos com o “Manual de
Pintura e Caligrafia, de José Saramago”, discutido numa sessão onde
estiveram presentes 20 leitores e apenas um, não leu o livro. Embora este seja
o segundo romance de Saramago é já um tratado de bem escrever, um longo caminho
de autoconhecimento e uma viagem pelo mundo da arte. Ninguém ficou indiferente
à beleza da escrita e à sua peculiaridade. Diz o narrador em determinado
momento “…É sobretudo a ideia do prolongamento infinito que me fascina…” A nós,
o romance fascinou-nos do início ao fim.
Em novembro lemos “Os Malaquias”, de
Andréa del Fuego. Acompanhámos a insólita história da família Malaquias, numa
paisagem rural transformada pela construção de uma barragem. Romance áspero,
mas ao mesmo tempo poético, salpicado de algum realismo mágico, onde a morte
anda de mãos dadas com a vida. Dezassete leitores presentes e todos leram o
livro. Uns ficaram encantados outros nem tanto, o que, como sempre, apenas
serviu para enriquecer a discussão.
Dezembro chegou e com ele o
último livro do ano “Os Transparentes”, de Ondjaki. Uma história centrada
num prédio de Luanda, onde, quer os seus habitantes, quer quem por lá passa,
enfrenta a dura realidade diária, entre uma alegria genuína e uma melancolia persistente.
Os dramas de cada um cruzam-se com os dramas alheios, criando um complexo enredo
de histórias impensáveis. Uma escrita lírica, mas mordaz e satírica, a revelar
a realidade quotidiana da cidade e das suas pessoas. Ficou a pergunta: quem são
os transparentes? Aqueles que pela sua insignificância não são vistos ou aqueles
que pela sua pobreza se tornam invisíveis? Dezassete pessoas presentes, cinco
que não leram ou ainda com a leitura em curso. Um livro que foi do agrado de
todos os presentes.
E foi assim mais um ano rico
de partilhas literárias, sempre com muitos leitores presentes, confirmando que
a Comunidade de Leitores está viva e recomenda-se. À nossa Biblioteca e aos
seus responsáveis, o nosso agradecimento pela disponibilidade do espaço e apoio
permanente.
A todos um Feliz 2023!