Mulher
A sociedade sempre
foi macho
Que te agarrou pelo soutien
Te arrastou pelos
cabelos,
Te despiu e violou,
Calou, imolou
Subjugou, manipulou
Condenou, negou,
Tendo a moral de
anfitriã.
Duas castas te
vestiam:
Ou senhora ou
cortesã.
Séculos de mordaça
Pariram sufragistas;
Com fórceps de
rasgão,
Amamentadas de sangue
Em seio alquimista
De ventre exangue
De poetisa,
cientista,
Escritora, Ensaísta,
Médica, artista;
Vestidas de punhos
cerrados
Debruados pela
determinação
De desabotoar a
camisa
E seduzir com o seu
NÃO
Somos filhas dessas mães!
Mas a sociedade
continua macho:
Macho alfa, poderoso,
Macho de membro
ereto,
Macho de tom jocoso,
Macho que herda o
passado, ardiloso,
E conjuga-o no
politicamente correto.
Ah! Mas somos
emancipadas!
Estamos a salvo!
Vitória! Vitória!
Mas não é o fim da
história…
Incendiámos soutiens!
Queimámos humilhação
em público!
Hipotecámos ao voto a
liberdade,
E conquistámos
amanhãs,
Na promessa do amor
bíblico
De sermos amadas em
equidade.
Quando é que
finamente teremos
O nosso seio a salvo?
Resgatada a essência
do que se quiser
De feiticeira, de
deusa, de vida,
De terra, de alma… De
mulher?!
Emancipação…
Temos a sociedade à
perna:
- Como assim?! Não
quer estudar?!
- Como assim,
doutoramento?!
- Como assim só quer
ter filhos?!
- Como assim nem um rebento?!
- Como assim, tempo
para educar?!
- Como assim,
desnaturada, não vai sequer amamentar?!
- Como assim cansada
para intimidade conjugal?!
- Como assim,
oferecida, sempre em pecado carnal?!
- Como assim, é mãe
solteira?!
- Como assim, vai
abortar?!
- Como assim, que
quer casar?!
- Como assim vai-se
juntar?!
- Como assim, que
desmazelo…
- Como assim, que
pinta os olhos, e até pinta o cabelo?!
- Como assim,
violentada, não faz queixa, não faz nada?!
- Como assim,
divorciada?!
- Como assim, está na
cozinha?!
- Como assim, que não
cozinha?!
- Como assim, como
assim, como assim?!...
- Uma vida inteira de
tanta emancipação a provar?!
Hoje somos mães,
senhoras, cortesãs,
Gestoras, poetisas,
amantes, juízas,
Esposas, médicas,
artesãs,
E o Ipiranga que nos
resgatou à censura
Vestiu-nos com
alta-costura
De uma liberdade de
sermos TUDO!
TUDO! Com
profissionalismo, beleza, desvelo e candura.
Mas… tudo… AO MESMO
TEMPO!!!!!
A sociedade é que
aperta o espartilho
E põe o dedo no laço
da escravatura.
Mas que bem que nos
assenta a emancipação!
In “Pó Ético” de
Marta Meireles