2024
começou com o habitual jantar anual da Comunidade que teve lugar no Dia de
Reis. Celebrámos a chegada de tão emblemáticas majestades e celebrámos,
sobretudo, o nosso amor pelos livros e tudo o que vem no seu caminho.
O primeiro trimestre recebeu o mote “Talvez Romance Histórico” e por conta disso o mês de janeiro começou em grande: “Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde” do escritor Mário de Carvalho fez as delícias de todos e foram muitos os que leram e estiveram presentes nesta sessão: 28 leitores! Numa autêntica jornada pela língua portuguesa, o escritor apresenta-nos o dia a dia da fictícia cidade romana de Tarcisis, mas que mostra toda a estrutura e organização sociopolítica de uma qualquer real cidade romana. Os acontecimentos descritos decorrem no séc II e são-nos expostos pela voz de Lúcio Valério, magistrado da cidade, um homem bom que tenta desenvolver o seu trabalho de forma justa, mas sem deixar de corresponder à ordem emanada de Roma, numa época em que os primeiros grupos de Cristãos se começam a manifestar, colocando em causa tudo o que até aí era norma em termos de Deuses e religiões. Uma imensa riqueza de detalhes, fazem do romance quase que um manual de história sobre a civilização romana.
Logo no início de fevereiro, alguns dos nossos leitores marcaram presença no Supremo Tribunal de Justiça, para a apresentação do romance “Alegações Finais” do nosso conhecido e estimado Carlos Querido. Durante a sua intervenção, o escritor aludiu à nossa Comunidade de Leitores e à nossa participação em anteriores sessões sobre obras suas, nomeadamente as que tiveram lugar na Feira do Livro em torno do romance histórico “A Redenção das Águas” e da coletânea de contos “Habeas Corpus”. Ficou no ar a possibilidade de o convidarmos a participar numa futura sessão, sobre este seu último romance.
O livro do mês remeteu-nos
para a II Guerra Mundial e a participação de um grupo de mergulhadores de
combate da Regina Marina italiana neste conflito. “O Italiano” de Arturo Pérez-Reverte trouxe-nos a história dos Maiali,
autênticos torpedos humanos que detonaram vários navios aliados no
Mediterrâneo. O enredo conta-nos a história da livreira Elena Arbuès e do seu
envolvimento com o oficial Teseo Lombardo e a ação desenrola-se na Baía de
Algeciras e no Rochedo de Gibraltar. Baseado em facto reais esta história
aparece-nos sobre a perspetiva do lado contrário aos aliados, o que não é muito
comum, trazendo à superfície o facto dos bons não estarem todos do lado
ganhador nem os maus do lado perdedor. Um romance muito bem escrito com algumas
descrições quase cinematográficas, deu-nos a conhecer um lado pouco falado da
guerra. 25 pessoas presentes e 5 que não leram.
Março começou bem, logo no dia 1, com a apresentação do livro de poesia “Pó Ético” da
nossa companheira de leituras Marta Meireles. Um momento bonito partilhado
por familiares, amigos, alunos e muitos dos membros desta Comunidade. Ficámos a
conhecer as palavras que escreve de forma interventiva, ora mordaz ora irónica,
divertida, inteligente, acutilante e muito inconformada. Que boa surpresa que
foi!
A meio do mês mais uma atividade fora de portas: manhã de poesia no Cemitério dos Prazeres, onde homenageámos alguns dos poetas, ali eternamente residentes: Mário Cesariny, Jorge de Sena, Cesário Verde, Al Berto, António Ramos Rosa e Alcipe, Marquesa de Alorna. Com um programa bem delineado e coordenado pelo Manuel Nunes e pela Paula Silva, para além de ficarmos a saber um pouco mais da vida daqueles poetas, foram ditos vários dos seus poemas pelos nossos inspirados leitores. Uma bonita manhã de quase Primavera que terminou com mais um salutar almoço convívio.
O autor do mês foi Alves Redol com o livro “Os Reinegros”. Publicado 3 anos depois da sua morte, o romance neorrealista debruça-se mais uma vez sobre as vidas sofridas dos mais desfavorecidos. Um romance urbano, passado nos tempos conturbados e febris da implantação da primeira república, oferece-nos algumas personagens de grande densidade psicológica, nomeadamente Alfredo e Luísa, o casal Reinegros. Uma luta constante, mas algo inglória, contra a miséria, a pobreza e o surgimento do que se pode chamar de consciência política e social, foram os temas centrais da trama. 21 leitores, dos quais 3 não leram, proporcionaram uma discussão bem viva e entusiasmante.
Para o segundo trimestre o mote foi “Nos 50 Anos do 25 de Abril”. Em consonância entrámos em abril com “Portugal, a Flor e a Foice” de J. Rentes de Carvalho. Um mergulho em alguns factos da nossa história, com a desconstrução de mitos e dados tidos como adquiridos e uma visão muito crítica sobre a revolução dos cravos, os seus antecedentes e consequências. Um olhar de fora para dentro, de alguém que vivendo a maior parte da sua vida nos Países Baixos, beneficiou necessariamente de uma aculturação muito própria. Estiveram presentes 18 leitores (3 que não leram o livro), numa sessão muito animada, a qual contou com poemas e uma instalação comemorativa da Liberdade.
Maio trouxe de novo Agustina Bessa-Luís e o seu “Os Meninos de Ouro”. A escritora raramente é consensual e numa avaliação mais radical, está um pouco na onda do “ou se ama ou se odeia”. Mas que a sua escrita é intemporal, ninguém duvida. Com este romance as opiniões voltaram a dividir-se e houve quem gostasse muito e quem se tivesse arrastado na leitura. A história desenrola-se em torno de José Matildes, menino de uma grande e tradicional família do Douro, homem político no pós-revolução e advogado de formação, que enquanto se dedica à sua atividade política, contradizendo a sua carga de homem extremamente rígido nos seus valores morais, acaba por abandonar a sua mulher Rosamaria, juntando-se a Marina, uma mulher sofisticada, em quem José projeta a sua ânsia de libertação dos seus fantasmas. José é facilmente identificado como o malogrado primeiro ministro de Portugal, Sá Carneiro. Estiveram presentes 18 elementos e 7 não leram ou não terminaram a leitura.
Junho, foi mês de feira do livro em Lisboa, com diversas atividades aliciantes para os leitores e também o términus do trimestre comemorativo da revolução, com “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge. Um romance bem recebido por todos, que nos devolveu à memória acontecimentos que não devem ser esquecidos. Através do olhar de três jovens e a partir de uma fotografia de grupo, embarcamos numa viagem evocativa dos caminhos da revolução dos cravos, através de um conjunto de entrevistas às pessoas que nela constam, todos com um papel mais ou menos relevante nos acontecimentos daquela “bela madrugada que tantos esperavam”. Houve quem visse uma visão melancólica da revolução com alguma ambiguidade e ironia. Quem dissesse que trocava a melancolia pelo desencanto. Quem sentisse algum desalento, mas mesmo assim uma esperança. E todos tentaram identificar as personagens ficcionais com as personagens reais dos acontecimentos. Foi uma sessão bonita em que estiveram presente 21 elementos, dos quais 3 não leram o livro.
O 3º Trimestre veio sob o mote - Romance! Romance! Romance! – pelo que, em julho, chegou “Justine” de Lawrence Durrel. Sendo o primeiro dos quatro romances que formam “O Quarteto de Alexandria”, esta foi uma leitura que alguns consideraram de excessos até mesmo a roçar o barroco. Encontros e desencontros de um grupo de pessoas relacionadas entre si sob diferentes formas: amizade; amor; paixão e mesmo ódio, tendo como personagem central a excêntrica e algo decadente cidade de Alexandria. Justine, mulher exótica, linda, rica, misteriosa e judia, com um passado doloroso, é a personagem em torno de quem gravitam homens e mulheres eroticamente obcecados por ela que, por sua vez os usa para saciar os seus próprios demónios. Entre os que gostaram muito e os que nem por isso, apenas 2 dos 19 presentes não leram ou não acabaram.
Agosto é por sinónimo, mês de férias. Talvez por isso, surgiu uma leitura mais leve do que o habitual. “Praça do Rossio, Nº 59” de Jeannine Johnson Maia, trouxe-nos um tema muito sério e importante, mas apresentado de uma forma ligeira. Em 1940, numa cidade de Lisboa, então uma placa giratória para a saída daqueles que fugiam da Guerra, desenrola-se durante 9 dias, uma história romanceada entre os jovens António, português, empregado de mesa no café Chave d’Ouro e carteirista nas horas vagas e Claire uma refugiada franco-americana que chega à estação do Rossio, em trânsito para apanhar um barco para a América. As suas vidas cruzam-se numa intriga de espionagem e política numa Lisboa salazarista, supostamente neutra, mas…onde ninguém está seguro, sobretudo os que estão do lado certo da guerra. 20 leitores presentes, tendo todos lido o romance e considerado uma leitura agradável apesar da sua ligeireza.
Em setembro conhecemos a escrita de Javier Marías e o seu “Berta Isla”. Uma avalanche de reflexões, uma avalanche de parágrafos, uma avalanche de palavras. Uma imensa densidade de escrita, transporta-nos através da vida de Berta Isa e do seu muito ausente marido Tomas Nevinson. Um ambiente de espionagem, de suposições, de mil perguntas e poucas ou quase nenhumas respostas. Aprender a viver com a espera e construirmos o nosso eu através dela. Foi muito do agrado das 25 pessoas presentes, das quais, 4 não conseguiram ler ou acabar de ler o livro.
Entrámos no último trimestre do ano sob o mote “Outros Géneros”. Assim, Outubro trouxe-nos o conto de Karen Blixen “A Festa de Babette”. Parafraseando o nosso coordenador Manuel Nunes este é “…um conto de proveito e exemplo. Proveito por nos instruir sobre tantas coisas da vida, exemplo por nos indicar caminhos a seguir, e isto sem deixar de nos deleitar pelos lances curiosos e engraçados com que nos deparamos ao longo do texto…”. Uma escrita suave e encantadora, uma história que celebra a vida e que reconcilia. Um prazer imenso na leitura, foi a conclusão dos 22 leitores presentes, onde apenas 1 não teve oportunidade de ler.
Em novembro, um pequeno grupo da nossa Comunidade, esteve na Biblioteca Central de Almada, a propósito da programação relativa à comemoração do seu 27º Aniversário, que incluiu o 1º Encontro dos Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. A nossa leitora Maria José Correia (Joca), foi convidada a participar na mesa do encontro. O testemunho da sua participação que também funciona como registo histórico da vida desta Comunidade de Leitores até aos dias de hoje, foi objeto de uma publicação própria neste blogue.
Dezembro chegou de forma poética. O último livro do ano encerrou o mesmo de um jeito bonito e até mesmo encantador. “O Eremita Viajante” de Matsuo Bashô, encantou a Comunidade, com a beleza dos seus haikus, a poesia tradicional japonesa, que num formato curto de apenas 3 versos, capta o instante em que cada palavra assume uma força maior. Falou-se, por exemplo de escassez lexical, de minimalismo, da beleza do pormenor e da plenitude do instante, entre outros. Uma leitura feliz para a maior parte dos 20 leitores presentes, dos quais apenas 5 não leram ou não completaram a leitura.
E terminou assim mais um ano de leituras em comum, em que a partilha de ideias, de conhecimento e de opiniões nos entusiasmou ao longo das diferentes sessões, sempre muito concorridas. Novos leitores foram aparecendo, uns de forma pontual, outros acabando por se tornar “residentes”.
Agradecemos mais uma vez à
Biblioteca de São Domingos de Rana e aos seus responsáveis, pela cedência do
espaço e pela disponibilidade, essenciais para a continuidade desta Comunidade.
Bom Ano 2026