28 abril 2007

AINDA "O MANDARIM" ( III )

O que ficou da abordagem desta obra de Eça de Queirós?
O autor abandona a análise pura e dura da realidade humana ( tal como fizera em “O Crime do Padre Amaro” e “O Primo Basílio”) e deixa-se ir pelas veredas do sonho, do sobrenatural e do idealismo. A verdade é que, mesmo assim, e apesar da exortação que, nesse sentido, é feita na comédia do prólogo, não ficam imunes à sua crítica as pequenas e grandes contradições da burguesia lisboeta, os dislates de uma sociedade assente no servilismo e na hipocrisia, assim como a figura do imperialismo que, no século dezanove, fazia da China um país semicolonizado pelo capitalismo internacional, às ordens de todos os Camilloffes que por lá estanciavam.
Eça retoma neste romance a parábola do mandarim – o cometimento de um crime impune de onde resulta uma grande vantagem para quem o pratica ou consente - que tem raízes em Chateaubriand ( “Le Génie du Christianisme “), e foi usada, entre outros, por Balzac (“Le Père Goriot” ).
A “moralidade discreta” anunciada no já citado prólogo desemboca afinal na grande máxima que Teodoro, o protagonista, lança aos leitores no final da narrativa: “Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!”. Só que este Teodoro é bicho que não merece confiança: dizendo-se ateu convicto, mandava rezar missas por alma do mandarim que o obsidiava e dedicava-se a um culto muito especial de Nossa Senhora das Dores. Por fim, acaba por legar os seus milhões ao Demónio. É caso para se dizer que vivia com Deus e o Diabo.


Manuel Nunes

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

Do Mandarim para o Dorian Gray.Um assustador romance negro, bem fim de século, que confirma o aforismo " Quem vê caras não vê corações/almas". Todos temos o nosso Mr. Hide dentro de nós, assim como todos vacilaríamos, pelo menos, perante a hipótese de matar o mandarim e herdar os seus milhões. Mas o romance de Wilde remete-nos também para a smoggy Londres vitoriana, dos grandes salões aos repelentes bairros do Jack , o Estripador e aos crimes brilhantemente solucionados pelo detective de Conan Doyle, Sherlock Holmes, paradigma dos detectives, gentleman arrogante , violinista e cocainómano.
O velho Diabo não foi para o desemprego. Tinha , e continua a ter, muita gente com quem carregar para o Inferno!

Manuel Nunes disse...

Este comentário foi posted by Paula Leitora, depois de andar aqui completamente perdida