Já conhecíamos o cavalo de cartão de JOSÉ LUÍS PEIXOTO (Nenhum Olhar). O de LAURINDO GÓIS está neste belo texto publicado no blogue A Curva dos Livros.
ETERNIDADE
ETERNIDADE
Quando não sabia. Mas o
cavalinho de cartão entrara um dia na história da sua vida. Quando deu por ele?
E são muitos quando. Quando a fotografia de contornos pesados e
rigorosos do Amândio Fotógrafo lhe devolveu a imagem. Menino
com cavalo, isso mesmo. A cara plena de espanto, o colete de veludo, obviamente
macio, calção, camisa branca, meia branca, sapato de fivela. A condizer com
qualquer coisa animal. A pata branca do cavalo, o selim igualmente
branco, a luz nas ventas. O espanto, também. Cavalo…cavalo, o nome soou.
Mais tarde escreveria
poemas dando-lhe prados maiores, veria cavalos correrem no grande ecrã, leria
pinturas de cavalos em Júlio Pomar. Mas só mais tarde. O seu, de cartão e sonho
quixotesco ficou agarrado ao minúsculo prado de madeira de pinho com rodízios.
Quase um precipício.
Pediram-lhe que
estivesse quietinho. Já era, quietinho. E esteve mais. O momento era
histórico. Sabia-o. Mas só sabia isso. Aquele era decididamente o
momento. Susteve a respiração. Abriram-se-lhe instantaneamente duas luas de
iluminação muito forte sobre o rosto. Ficou em décimos de segundo com as luas
nos olhos. Disseram-lhe: “Já está”.
Foi a fotografia
de menino com cavalo. A única coisa verdadeiramente
séria, certeira, que fez na vida. Interroga-se por vezes: fotografia? mas que é
isso de fotografia? ainda não sabe. Gozou apenas aquele momento de
menino-poeta-cavalo. Se a eternidade é. É aquilo:
“já está”. E ele é, na marca do seu espanto aquele grão de eternidade.
(Texto de Laurindo Góis)
2 comentários:
Bia diz...
Laurindo, lindo, lindo, é só o que sei dizer.
"... as luas nos olhos."
Um olhar doce e inocente.
Também gostei muito :)
"... O seu, de cartão e sonho quixotesco ficou agarrado ao minúsculo prado de madeira de pinho com rodízios. Quase um precipício..."
Muito bom!
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