Nesta época festiva, em que enchemos literalmente a carne e o espírito com as belas «comezainas» natalícias e de outras festividades, além de literárias, ( e esta última obra que lemos é um bom exemplo disso, plena de seiva, cor, vivacidade, vida e morte, beleza e putrefacção, tons do Caribe, mas agora não vinha ao caso. Sou eu a derivar.) , estava eu ontem a regurgitar todas estas festas e sabores e eis que me dá para pegar na obra A Mesa dos Reis de Portugal. Já não bastava o enfartamento e abundância e vou reincidir. Ora, o que interessa é que encontrei duas referências que podem interessar a duas ilustres leitoras, senhoras de apreciáveis dotes culinários. Para a Bia, vão as referências a «beilhós de arroz» (serão antepassadas das filhoses? mas de arroz...) do Livro de Cozinha de D. Maria, uma neta de D. Manuel; para a Amélia, são referidas no contexto de troca de receitas entre senhoras da sociedade do séc. XVI, «(...) as apreciadas almojávenas, tortas fabricadas com massa de farinha e queijo ou requeijão, de origem mourisca.»
Dos mouros para a sociedade peninsular, desta para a colonial americana e aqui estão elas, com o chocolate vindo das Américas, copiosamente bebido em Espanha e menos em Portugal desde o séc. XVII, adaptado ao gosto europeu, sem especiarias picantes, mas com açúcar. A sofisticada «mousse», essa, parece datar do séc. XIX.
E com estas reais sugestões desejo a todos um belo ano com belas leituras e correspondentes iguarias.
Deixo-vos com um por do sol em Cartagena das Índias, onde estão uns invejáveis 28 graus....
Significado de Almojávena
f.
Espécie de belhó, de farinha e queijo.(Do ár. al-mojábana)
Almojávenas de D. Isabel de Vilhena:
«Tomem 3 partes de queijo, não muito fresco, e amassem-nas muito bem, misturando-lhes em seguida uma parte de farinha de trigo e três ovos inteiros; se o queijo for muito mole, misturem a ele as três gemas e apenas uma clara. Mexam e amassem tudo junto, de modo a formar umapasta homogênea. Façam então uma massa de pastel com farinha bem fina, um pouco de açúcar, manteiga e algumas gotas de água-de-flor. Depois de bem sovada, deixem esta massa descansar um pouco, abrindo-a depois com um rolo, em folhas bem delgadas. Cortem a massa com uma carretilha, dando-lhe feitio arredondado. Com os dedos levantem as pontas da massa, que fique como uma pequena torta. Em seguida arrumem o recheio de queijo nessas tortinhas, que são levadas a fritar em fogo brando, e em bastante manteiga, ou banha bem quente. Tenham o cuidado de não deixar cair a manteiga ou banha dentro do recheio. Assim que estiverem douradas tirem as almojávenas do fogo. Finalmente façam uma calda em ponto não muito alto e, sem deixar que esta ferva, passem por ela as tortinhas. Deixem-nas escorrer numa peneira e sirvam-nas polvilhadas com açúcar.»
BEILHÓS DE ARROZ:
«Cozinhem um pouco de arroz com leite, açúcar e uma pitada de sal, e ponham-no a esfriar.
Batam dois ovos separadamente, adicionem-lhes uma colher de farinha de trigo, misturando-os então ao arroz já frio.
Levem ao fogo uma frigideira com manteiga e, quando esta estiver bem quente, deitem-lhe a massa às colheradas.
Se os bocados se espalharem muito pela frigideira, enrolem-nos depois na farinha de trigo. Numa panela que já está no fogo, com calda bem grossa, vão-se deitando os bolinhos, que depois são postos a escorrer, numa peneira.
Servem-se polvilhados com açúcar e canela.
Da mesma maneira se fazem os beilhós de manjar branco, só que este deverá ser mais cozido, usando-se farinha de arroz, em lugar de farinha de trigo.»
5 comentários:
Só me apetece dizer: vamos todos para Cartagena das Índias!!!
(Ps: Paula, gosto muito de te ler. Vem mais vezes, sim?)
Bia diz...
Também como a CC, "gosto muito de te ler".
Em relação a "beilhós e bilhós", a diferença poderá estar apenas no arroz que, nos meus "velhoses" é abóbora + aguardente + raspas e sumo de laranja.
Aprendi "velhoses" mas creio que seja a palavra "filhós" deturpada.
O brigada, Paulinha.
Obrigada pela parte que, eventualmente, me toca, Paula.
Cabe aqui um esclarecimento quanto à minha opção atualizada do que poderiam ser as tais almojávenas. A pesquisa sumária que fiz levou-me a confirmar que a receita (talvez) medieval era a que também encontraste, mas não era nada atrativa para experimentar, deve requerer experiências até acertar... Ora a mim pareceu-me que a inclusão do queijo era essencial. Por isso optei pela receita que encontrei repetida (e que já repeti!), a qual é rápida e prática. E saborosa, acho eu! A receita encontra-se rapidamente na Net e não tem nada que enganar, até se presta a felizes adaptações. Mas, claro, não tem nada a ver com o que seriam efetivamente os doces a que se refere o G.G.M. O meu ficou com o nome proposto pela Etel, de tarte colombiana.
E o pôr do sol em Cartagena... passava bem por um pôr do sol num dos fortes (também filipinos...) aqui da nossa Costa (do Sol), não concordam?
Paula, obrigada por tanta, estonteante e dulcíssima informação. Amélia, eu que não sou de doces, aposto numa actividade num forte da nossa costa. Atreve-te...Quanto a Cartagena...estão verdes...:)um bom sol e calor vinham-me mesmo a calhar.
Muito obrigada queridas amigas. Só tenho a dizer que um destino tropical vinha mesmo a calhar, mas... como diz a Amélia também temos fortes tão parecidos e com belíssimos fins de tarde.
Quanto às receitas, estavam ambas óptimas , seja qual for o nome e a forma de confecção. Continuemos...:. Não somos robôs (esta agora!), mas às vezes quem tem , usa a Bimby . Acho que vale à mesma.
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