05 janeiro 2015

O TEMPO RECONSTRUÍDO








É com uma sensação de vertigem que se percorre, hoje, a Casa dos Bicos. Toda ela é uma metáfora daquilo que, para Gabriel Garcia Marquez é o fundamento da escrita e da vida: a Memória. Tropeçamos desde logo na muralha, nas muralhas, aliás, em palimpsesto, re-escritas, re-inscritas no solo, em épocas sucessivas, continuidade assim desnudada do pano ribeirinho que adivinhamos no traçado urbano linear, na persistência de portas, em arcos, escadas e passagens. Revisitados, que interrogamos sempre, na busca do discurso oculto destes vestígios materiais, que são, eles mesmos, Memória colectiva, mas também memórias pessoais e de grupo, à imagem das Pequenas Memórias, na lição de José Saramago, que nos atende no piso superior.
 Ali, há um trabalho literário, por vezes também ele em palimpsesto, como a muralha, em baixo; mas há sobretudo uma vida, vertida em Memória, que complementa e ilumina a palavra escrita, porque lhe traça as origens, desvenda o labor, em investigação, hesitações, correcções; também desistência e incompletude. Do que é feita uma Obra Literária. Do que é feita uma Obra de Arte. Do que é feita uma Vida, que passou a pertencer-nos. 

Lisboa, 3 de Janeiro de 2015, dia de deambulação urbana.

3 comentários:

Manuel Nunes disse...

Interessante. Feicebuquei.

Custódia C. disse...

Deambular, inspirou-te!

Paula M. disse...

Texto muito bonito, Amélia. O nosso património material e literário continua a inspirar-te.