Sessões de autógrafos: a de ontem e a antiga
Blogue da Comunidade de Leitores da Biblioteca de S. Domingos de Rana - Cascais - Portugal
26 fevereiro 2017
PÓS-SESSÃO, ONTEM, NO CCB
«O teu amor quando palpita / verdade seja dita / faz-me atrasar os ponteiros /como a ostra esconde a pérola / aos viveiros.» - Sérgio Godinho cantado por Cristina Branco.
25 fevereiro 2017
Três dezenas de leitores...
... é o número médio que andamos a registar nas nossas sessões mensais. Hoje marcaram presença 29 leitores. Tendo presente realidades de outras comunidades de leitores, constato que a nossa está bem cimentada, com um grupo coeso e cada vez mais interessado nas leituras propostas. Reunir nesta Biblioteca, uma vez por mês numa tarde de Sábado, 3 dezenas de pessoas que vão pelo prazer de falar sobre um livro (e tudo o mais que daí advém), começa a ser digno de registo. A magia dos livros tem destas coisas!
Hoje, Agualusa levou-nos pelos caminhos da construção de memórias, de passados imaginados tornados reais. Pelo caminho veio Eça, Borges, a lusofonia, o riso das osgas asiáticas e os meandros negros da política, entres outros. Para alguns, com reais vivências africanas, as memórias que vieram à luz, foram emotivamente partilhadas com os demais. Foi mais uma sessão, forte na partilha do conhecimento em que, a diferença das opiniões não divide, mas une e enriquece. Que venha a próxima!
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"O Vendedor de Passados",
A Comunidade,
José Eduardo Agualusa
17 fevereiro 2017
"O VENDEDOR DE PASSADOS", de José Eduardo Agualusa
--- Transcrevo a introdução de um trabalho
académico feito por este escrevente no ano lectivo de 2007/2008, ano curricular
do mestrado, seminário de Literaturas de Língua Portuguesa:
INTRODUÇÃO
Ao pretendermos estudar o romance O Vendedor de Passados, de José Eduardo
Agualusa, não podemos deixar de ter em consideração a visão dicotómica de Pires
Laranjeira em relação à actualidade literária de Angola:
«No
pós-independência, há na literatura um discurso ideológico do poder e outro do
contra-poder. O discurso do poder procura legitimá-lo pelo poder do enraizamento
e da nacionalidade. O discurso do contra-poder não discute a nacionalidade, mas
pode discutir o modo como ela se legitimou, recuando às origens. Ou pode
simplesmente silenciá~la, enquanto tema, ou secundarizá-la.»
José Eduardo Agualusa nasceu na cidade do Huambo
(Nova Lisboa na toponímia colonial) em 1960 e é considerado um escritor da
diáspora. De facto, já residiu em Olinda, Brasil, país aonde se desloca com
frequência e onde desenvolve, ao que julgamos saber, projectos editoriais.
Estanciou em Berlim, onde escreveu, ao abrigo de uma bolsa de criação literária
da Deutscher Akademischer Austausschdienst, o romance O Ano em que Zumbi Tomou o Rio (2002). Reside actualmente em Lisboa.
Perpassa pela sua obra, logo desde o primeiro
romance, A Conjura (1989), e, em
especial , em Nacão Crioula (1998) -
onde se revela a “correspondência secreta” de Fradique Mendes e a surpreendente
adaptação daquela personagem queirosiana ao mundo tropical – a afirmação dos
valores da miscigenação, não apenas rácica mas, sobretudo, cultural, o que o
leva a desenvolver um projecto literário onde já se apontaram indícios das
teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freyre ou, no mínimo, as marcas da
crioulidade que Mário António Fernandes sustentou na sua produção ensaística.
Pesará nesta inclinação intelectual a origem do
escritor, nascido em Angola mas filho de pai com raízes portuguesas e de mãe
com ascendência brasileira. A própria repartição espacial da sua vida e as
iniciativas que desenvolve no triângulo Angola-Portugal-Brasil, contribuem para
a imagem de um escritor dividido pelos espaços da lusofonia, essa comunidade de
falantes em que os Portugueses tendem a ver o que sobrou dos estilhaços do
Império e que Eduardo Lourenço já
apresentou como uma miragem cultural ou a imagem actual do nosso mapa
cor-de-rosa. É, de resto, esse território mítico desfeito pelo ultimato inglês
de 1890 que, de certa forma, surge no seu último livro, As Mulheres de Meu Pai, uma viagem de Angola à contracosta,
realizada desta feita pelo litoral africano, de Luanda à Ilha de Moçambique.
Em O
Vendedor de Passados opera-se uma dessacralização da terra natal e da sua
História, tocando-se em complexos
motivos como a invenção da memória ou o vazio dela na emergente nação
angolense. O livro é marcado por uma epígrafe de Jorge Luís Borges e um
narrador que nos atreveríamos a chamar borgiano, embora o modelo não se possa
considerar original.
Assim, o nosso trabalho sobre a obra e o autor
escolhidos, desenvolver-se-á segundo as seguintes linhas temáticas:
1. O mito da nação crioula.
2. Nação angolense e valores identitários.
3. O 27 de Maio de 1977.
4. Queirosianismo e ironia queirosiana.
5. Processos narrativos: as sombras de Jorge Luís
Borges e Lygia Fagundes Teles.
--- Aqui
fica a introdução, há mais 10 páginas. Desculpem qualquer coisinha, ó leitores, que
isto é trabalho de simples escolar. A nota até não foi má.
04 fevereiro 2017
O Berço
"...À noite, no quarto de engomar, a minha criada Gervásia sentou-me no chão, embrulhado num saiote. De quando em quando, rangiam no corredor as botas do João, guarda da alfândega, que andava a defumar com alfazema. A cozinheira trouxe-me uma fatia de pão-de-ló. Adormeci; e logo achei-me a caminhar à beira de um rio claro, onde os choupos, já muito velhos, pareciam ter uma alma e suspiravam; e ao meu lado ia andando um homem nu, com duas chagas nos pés, e duas chagas nas mãos, que era Jesus, Nosso Senhor.
Passados dias, acordaram-me, numa madrugada em que a janela do meu quarto, batida do sol, resplandecia prodigiosamente como um prenúncio de cousa santa. Ao lado da cama, um sujeito, risonho e gordo, fazia-me cócegas nos pés com ternura e chamava-me brejeirote. A Gervásia disse-me que era o Senhor Matias, que me ia levar para muito longe, para casa da tia Patrocínio; e o Senhor Matias, com a sua pitada suspensa, olhava espantado para as meias rotas que me calçara a Gervásia. Embrulharam-me no xale-manta cinzento do papá; o João, guarda da alfândega, trouxe-me ao colo até à porta da rua, onde estava uma liteira com cortinas de oleado..."
in "A Relíquia" de Eça de Queirós
"...O mulato Fausto Bendito Ventura, alfarrabista, filho e neto de alfarrabistas, encontrou numa manhã de domingo um caixote à porta de casa. Lá dentro, estendido sobre vários exemplares d’ A Relíquia de Eça de Queirós, estava uma criaturinha nua, muito magra e deslavada, com um cabelo de espuma incandescente, e um límpido sorriso de triunfo. Viúvo, sem filhos, o alfarrabista recolheu o menino, criou-o e educou-o, seguro de que um desígnio superior armara a improvável trama. Guardou o caixote, bem como os respectivos livros. O albino falou-me disto com orgulho: – Eça foi o meu primeiro berço. ..."
in "O Vendedor de Passados" de José Eduardo Augualusa
01 fevereiro 2017
“O Vendedor de Passados” de José Eduardo Agualusa, 25 de Fevereiro às 15h00
A abrir:
“Nasci nesta casa e criei-me nela. Nunca saí. Ao entardecer encosto o
corpo contra o cristal das janelas e contemplo o céu. Gosto de ver as labaredas
altas, as nuvens a galope, e sobre elas os anjos, legiões deles, sacudindo as
fagulhas dos cabelos, agitando as largas asas em chamas. É um espectáculo
sempre idêntico. Todas as tardes, porém, venho até aqui e divirto-me e comovo-me como se o visse pela primeira
vez. A semana passada Félix Ventura chegou mais cedo e surpreendeu-me a rir
enquanto lá fora, no azul revolto, uma nuvem enorme corria em círculos, como um
cão, tentando apagar o fogo que lhe abrasava a cauda.
– Ai, não posso crer! Tu ris?!
Irritou-me o assombro da criatura. Senti medo mas não movi um músculo.
O albino tirou os óculos escuros, guardou-os no bolso interior do casaco,
despiu o casaco, lentamente, melancolicamente, e pendurou-o com cuidado nas
costas de uma cadeira. Escolheu um disco de vinil e colocou-o no prato do velho gira-discos.
“Acalanto para um Rio”, de Dora, a Cigarra, cantora brasileira que, suponho,
conheceu alguma notoriedade nos anos setenta. Suponho isto a julgar pela capa
do disco. É o desenho de uma mulher em biquíni, negra, bonita, com umas largas
asas de borboleta presas às costas. “Dora, a Cigarra – Acalanto para um Rio – O Grande Sucesso do
Momento”. A voz dela arde no ar. Nas últimas semanas tem sido esta a banda
sonora do crepúsculo…”
“O Vendedor de Passados”
de José Eduardo Agualusa
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