06 agosto 2019

“O Lobo das Estepes” de Herman Hesse - 30 de Agosto às 21h00



Abri ao acaso e li:

“… Era assim o sonho. Eu estava sentado e aguardava numa antecâmara antiquada. A princípio apenas sabia que tinha encontro marcado com uma Excelência qualquer, mas depois lembrei-me que era o senhor de Goethe que me ia receber. Infelizmente eu não viera ali a título meramente privado, mas na qualidade de correspondente de uma revista, isso contrariava-me muito, e eu não conseguia entender porque diabo tinha vindo parar àquela situação. Para mais andava desassossegado com um escorpião que tinha acabado de descobrir e que tentava trepar-me pela perna acima. Tentava livrar-me do escuro reptilzinho sacudindo-me e sacudindo-o, mas não sabia onde ele se tinha metido, e não ousava avançar a mão fosse para que lado fosse…”

In “O Lobo das Estepes” de Herman Hesse

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

Excerto do sonho de Harry Haller, no bar “Águia Negra”, quando adormece no intervalo da conversa com Hermínia, uma alternadeira por quem se afeiçoa. É interessante que no centro do sonho esteja o célebre Goethe da nossa última sessão. Haller vinha de um jantar em casa do professor seu conhecido, um bom burguês do partido militarista defensor de uma nova guerra. Estava-se em 1926, percebemos que partido era este… Vê sobre a mesa da sala do professor uma gravura emoldurada de Goethe («um Goethe de salão, todo doçura e lugar-comum») e indigna-se com os sentimentos daqueles burgueses que nunca teriam gostado do poeta em vida mas que agora o exaltavam como grande emblema da arte e da cultura. Diz o Lobo das Estepes para o professor e a sua esposa: «Esperemos que Goethe não tivesse realmente este aspecto! Sim, toda esta presunção, esta pose de nobreza, esta dignidade a fazer olhinhos às reverências presentes, e por baixo da capa de virilidade, este mundo de sentimentaleira adorável!» Mas o melhor é ler directamente. A lição é esta: um poeta vivo é muitas vezes incómodo; depois de morto, logo se lhe reconhece o valor e até dá muito jeito para uso dos burgueses bem instalados.

Custódia C. disse...

Foi precisamente a referência a Goethe que me levou a colocar este excerto. Não há coincidências :)