19 novembro 2020

FALAR DE AEROPORTOS

 

«Tal faz com que, na Psicologia da Viagem, tenha surgido ultimamente a ideia da sua supremacia sobre os outros ramos, chegando-se ao ponto de se defender que não pode haver outra Psicologia a não ser a Psicologia da Viagem.»

-- OLGA TOKARCZUK, Viagens


Tocado pela escrita da nossa autora deste mês, venho falar de aeroportos.

Duas experiências apenas, pontuais e insignificantes. Quantas de bem mais robusto interesse não terão para contar as nossas leitoras? Ah, a Psicologia da Viagem! Que falem agora, ou então calem-se para sempre.

1ª experiência:

Barcelona, aeroporto d´El Prat de Llobregat, há uma carrada de anos.

Saí pelas 9 horas da manhã de um hotel na Diagonal à boleia de pessoa amiga que ia trabalhar para o seu escritório na zona do aeroporto. Meia hora depois ali estava, só que o meu voo para Lisboa era ao fim da tarde. Porque não fiquei a passear pelas Ramblas ou pelo Paseo Marítimo e me fui meter, com antecedência de oito ou nove horas, naquele antro de partidas e chegadas, de escadas rolantes e vozes multilingues disparadas como balas dos canos estriados dos altifalantes? Quis aproveitar a boleia, foi isso, conversar mais uns minutos com quem me levava, e ali permaneci todo o dia claro com a pequena mala que tinha por bagagem, observando, lendo e rabiscando umas notas sem préstimo. Almocei uma sandes de boa catadura e gosto indiferenciado que me custou um ror de pesetas, saudosa divisa, as moedas mostrando a cara daquele rei que veio a especializar-se em caçadas de elefantes e negócios comissionados. Acho que a certa altura me fartei. Então errei pela vastidão dos espaços, entrei nas casas-de-banho só para me ver aos espelhos, fiz perguntas impertinentes aos balcões das companhias aéreas, tais como qual é o preço de uma viagem para Miami ou com que frequência há saídas para o Rio de Janeiro. Ah, lembro-me bem, vi mulheres belíssimas de todas as cores e feitios. Foi bom, mas para um dia inteiro é cansativo. Fui o primeiro a fazer o check-in, eram 5 horas da tarde.

2ª experiência:

É como que simétrica da anterior. Voo de Lisboa para Veneza, há cerca de um ano.

O avião levantava antes das 7 da manhã, tinha de estar no aeroporto pelo menos uma hora antes. Achei pouco seguro sair de casa (arredores de Lisboa) de madrugada. Pensava que poderia não encontrar táxi ou que, se ajustasse previamente o serviço, o taxista poderia falhar por qualquer razão imprevista. Nunca tinha saído num voo tão madrugador e não queria arriscar-me a ficar em terra: um caso certamente merecedor de análise no âmbito da Psicologia da Viagem. Cheguei ao aeroporto à 1 da manhã, quando cessam os voos de partida e chegada. Depois desta hora tudo se transforma: há carros de aspiração e limpeza em circulação; operários trabalhando com o ruído dos seus berbequins a retirar e a colocar painéis publicitários; há luzes que se apagam ou diminuem de intensidade. Há quem durma nos esconsos do amplo espaço sobre cartões e mantas: passageiros a aguardar viagem ou sem-abrigo em lugar protegido e climatizado? Não cheguei a apurar. Dormir nos bancos é propósito ínvio, tanto pela configuração e incomodidade dos assentos como pelo barulho dos trabalhadores em acção. Desisti de dormir, fiquei a ver o circo. Pelas 3 horas da manhã, uma miúda de vinte e poucos anos veio ter comigo. Estava ali por razões mais ou menos idênticas às minhas: eu aguardava a partida, ela esperava a chegada de um amigo num voo de Cabo Verde, lá para as 5 e tal da manhã. Por essa hora não tinha transporte, então veio para o aeroporto à meia-noite.

“Está à espera de que voo?”

“Estou à espera de partir, vou para Veneza.”

“Ah, Veneza, a minha avó esteve lá no ano passado, não gostou.”

Imaginei a pobre senhora na Praça de São Marcos, cercada de hordas de chins e outros povos estranhos, a circularem aos magotes pelas bordas dos canais e ela em grande perigo de cair à água, desejosa de se ver ao sol de Lisboa e em terra firme do seu bairro.

“O patrão do meu amigo deu-lhe uma semana de férias por ter feito um bom trabalho. Pagou-lhe a viagem. Por outro não estava aqui, mas este amigo merece.”

Não aprofundei, mas cá para mim era amigo colorido. Apreciei a forma como a ele se referia e lembrei-me do nosso rei trovador.

Ai flores, ai flores do verde pino,

se sabedes novas do meu amigo?

Ai Deus, e u é?

Acho que lhe perguntei o nome, gosto de saber o nome dos meus interlocutores, mas se mo disse já o esqueci. A amor é bonito. Uma noite passada no aeroporto também.



5 comentários:

Manuel Nunes disse...

Leitoras, aceitem o repto, estou ansioso de ler as vossas histórias de aeroportos.

Custódia C. disse...

Bons apontamentos, a merecer certamente inclusão na Psicologia da Viagem :)
Mas gostei mesmo foi da transição para o Rei Trovador a propósito da amizade... possivelmente colorida!

Quanto a episódios de aeroporto, veio-me à memória um, passado no Aeroporto de Orly quando esperava com o Ricardo, para embarque de regresso a Lisboa. Uma vovó brasileira ao ouvir-nos falar português, veio pedir ajuda porque estava de regresso ao Brasil, via Lisboa e, sem falar uma palavra de francês, não estava a conseguir dar com a porta de embarque do voo. Como lhe disse que o voo era o nosso, colou-se literalmente a nós e não mais nos largou, até ao momento de embarque, o que foi ainda coisa para cerca de duas horas. Lá fiquei a saber que tinha vindo a França, especificamente para ir ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, para agradecer uma graça recebida. Tinha vindo com um grupo, mas regressava sozinha porque o grupo tinha seguido viagem pela Europa. E ela estava aterrorizada, com a experiência dos aeroportos e um medo tremendo de perder os aviões de regresso. Como a ajudei ali e depois a encaminhei também em Lisboa, quando nos disse adeus, fez enorme questão em dar-nos uma garrafinha de plástico em forma de Nossa Senhora, com água abençoada do Santuário. Que nos protegeria sempre, disse ela. Eu nunca fui ligada nestas coisas, mas... uma coisa é certa... a dita garrafinha continua guardada algures cá por casa. Nunca tive coragem para me desfazer dela :) :) (acho que também pode ser explicado pela Psicologia das Viagens!)

M. Nunes disse...

Garrafinha com água abençoada do Santuário. É melhor guardar, sim, nunca se sabe...

Unknown disse...


Não sei nada sobre psicologia ,mas adoro viajar. portanto proponho uma viagem via google, digitem : Cordeiro Místico -Catedral de Gante. E até 6ª no sítio do costume.

Unknown disse...

Unknown = José Encarnação