19 maio 2021

A Debulhadora

Imagem daqui

Imagem da net (não encontrei os créditos)

A certo momento do “Levantado do Chão”, fala-se de uma debulhadora e das terríveis condições de trabalho, para operar a mesma. O texto é longo e opressivo.  A descrição é tão real, que facilmente imaginamos a cena ali apresentada e sentimos a falta de ar provocada por aquela névoa de pó e palha e os ouvidos parecem ensurdecer com o ruído que constantemente nos matraqueia. Procurei imagens do monstro e encontrei as que estão em cima.

 

“… Chamam-lhe debulhadora…………… Vista de fora, é uma grande caixa de madeira sobre rodas de ferro, ligada por uma correia a um motor que trepida, estrondeia, retumba e, com perdão, fede. Pintaram-na de amarelo gema de ovo, mas a poeira e o sol bruto quebraram-lhe a cor, e agora mais parece um acidente do terreno, ao lado doutros que são os frascais, e com este sol nem se distingue bem, não há nada que esteja quieto, é o motor a saltar, a debulhadora a vomitar palha e grãos, a correia frouxa a oscilar, e o ar vibrando como se todo ele fosse o reflexo do sol num espelho agitado no céu por mãozinhas de anjos que não têm mais que fazer. Há uns vultos no meio desta névoa. Estiveram todo o dia nisto, e ontem, e anteontem, e mais para trás, desde que a debulha começou…………………. Dormem na eira, na revessa dos fardos, mas é noite fechada quando o motor se cala e ainda vem longe o sol quando se ouve o primeiro tiro daquela besta que se alimenta de bidões dum líquido preto e pegajoso, e depois, todo o santo dia, diabos o levem, matraqueia os ouvidos…………………….A boca da máquina é um vulcão para dentro, um gasgarro de gigante………………………………….. giram como doidos naquela perdição de palha miúda, …………………………….. e a máquina é como um poço sem fundo. Só falta meter-lhe um homem dentro. ……………………………….. É a moinha aquele monstro sem peso, aquela palha poalha que se infiltra pelas ventas e as entope, que se mete por tudo quanto é abertura da roupa e se agarra à pele, uma pasta de lama, e a comichão, senhores, e a sede. A água que se bebe do quartão não tarda que fique mole, doentia, …………………………………Vai o moço para a moinha, recebe-a na cara como um castigo, e o corpo começa de mansinho a protestar, para mais não me sobram as forças, ……………………………………………., e então, de dois feito, o rapaz, que se chama Manuel Espada e voltará a ser falado neste relato, deixa a moinha, chama os companheiros e diz, Vou-me embora, que isto não é trabalhar, é morrer………………. e afinal são apenas quatro rapazes, estes que se afastam movidos por suas razões de quem não tem que pensar em mulher e filhos a sustentar…”

Excertos do capítulo que se inicia na pág.99 do meu livro. Edição Caminho - O Campo da Palavra.

01 maio 2021

28 de Maio “Levantado do Chão” de José Saramago – às 20h00

A abrir

" O que mais há na terra é paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem, e apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda. Será porque constantemente muda: tem épocas do ano em que o chão é verde, outras amarelo, e depois castanho, ou negro. E também vermelho, em lugares que é cor de barro ou sangue sangrado. Mas isso depende do que no chão se plantou e cultiva, ou ainda não, ou não já, ou do que por simples natureza nasceu, sem mão de gente, e só vem a morrer porque chegou seu último fim. Não é tal o caso do trigo, que ainda com alguma vida é cortado. Nem do sobreiro, que vivíssimo, embora por sua gravidade o não pareça, se lhe arranca a pele. Aos gritos…”

In “Levantado do Chão” de José Saramago

Voltámos

 


Ontem voltámos às sessões presenciais, com catorze entusiastas da leitura. O Cemitério de Pianos, deu o mote. A história do José Luís Peixoto não deixou ninguém indiferente. Houve quem adorasse e defendesse com paixão o seu ponto de vista e houve quem apenas lesse com cuidado e atenção e tivesse dado o tempo por bem empregue. Uns leram simplesmente ao sabor da corrente e outros leram com dificuldade. Houve quem fizesse tentativas várias e andasse para cá e para lá, mas não conseguisse agarrar a história e houve quem não lesse por não se sentir cativado ou por não ter tido acesso ao livro em tempo útil. Uma coisa é certa, a história ficcionada, mas com bases reais, deu pano para mangas e proporcionou mais umas belas horas de convívio e discussão literária.

No final da sessão, a nossa leitora Bia presenteou-nos com um poema dos “Cadernos de Verão”, da autoria do Manuel Nunes. Os interessados podem saber de tudo aqui.

Obrigada mais uma vez aos responsáveis da BSDR-Cascais, que nos garantiram, de novo, todas as condições de higiene e segurança para a realização da sessão.