«Gomes de Amorim
refere-se ao aparecimento de Folhas Caídas, em 1853, como
um assombroso
sucesso. Segundo ele, “todos queriam saber quem era ignoto deo”,
título do poema
que abre o livro. Folhas Caídas tem íntima relação com as cartas de
Garrett a Rosa
Montufar. (...)
Amorim refere-se
ao juízo de Alexandre Herculano, logo que Folhas Caídas saiu:
“Não há senão um
homem em Portugal capaz de fazer tais versos! São do Garrett?!”
(Amorim, 1884, t.
III : 399). E acrescenta: “Parece que tem
vinte anos!” (Amorim,
1884, t. III :
400). Garrett acabara de completar cinquenta e quatro.
A primeira
edição (sem indicação de autoria) saiu em Abril de 1853, com trinta
e quatro poemas.
Em Maio estava esgotada. Fez-se a segunda edição, neste mesmo
mês, e esta voou
como a outra. Em quase todos os poemas aparecem as palavras
ROSA E LUZ. (...)
Gomes de Amorim
narra os comentários dos salões: as mulheres eram
indulgentes, os
homens qualificavam de pouca vergonha. Enquanto isso, liam-se às
escondidas os
versos, cochichava-se pelos cantos. E Garrett retomava hábitos e
costumes de
homem novo e elegante. (...)
Se o romance de
Garrett com a Viscondessa da Luz fez escândalo, culminando com a publicação de Folhas
caídas, isto se deve em parte à moral vitoriana que regia
o Portugal
oitocentista. Mas não é só disso que se trata. Garrett inclui o sexual, seja
como for, em
poemas como “Não te amo”, “Coquete dos prados”, “Víbora”, “Anjo
és”, “Seus
olhos”. Mas a novidade de Folhas caídas, que já estava apontada em Flores
sem fruto,
é fazer desta inclusão algo que o afeta de modo muito íntimo e particular.
Ainda assim, permanece
o sintoma que o dilacera: entre a repulsa ao sexo e a recusa
de amar (quando
a força do sexual insiste e resiste).
Este drama de
Garrett termina por inquietar também seu próprio biógrafo. É
assim que Gomes
de Amorim comenta este poema verdadeiramente sensacional
intitulado
“Cascais”: “apesar de serem essas estrofes admiráveis, sente-se que elas
nasceram de uma
chama impura” (Amorim, 1884, t. III : 412). À época da morte de Garrett, ficou famoso o
chiste atribuído a Rodrigo da Fonseca Magalhães, então ministro na pasta do
Reino: “Morreu abraçado à CRUZ, com os olhos na LUZ.” Teria sido no Cemitério
do Prazeres, segundo Gomes de Amorim, que Rodrigo “proferiu (...) [o] epigrama”
(Amorim, 1884, t. III : 687). O chiste vale
pelo que consegue resumir do drama que se abateu sobre Garrett, que se impõe a
renúncia e o sofrimento em nome de um Ideal de amor.»
In, SÉRGIO
NAZAR DAVID, GARRETT: ENTRE A CRUZ DO DESEJO E A LUZ DO
AMOR
DISCURSOS. SÉRIE:
ESTUDOS PORTUGUESES E COMPARADOS - Universidade Aberta
repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/408/1/discursosAlmeidaGarrett105-126.pdf.pdf
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