Ora, continuando o nosso plano formativo: «Não é necessário menos talento para manter as conquistas do que para as realizar: na conquista colabora o acaso; a conservação será obra da minha arte.»
Mas atenção, a empresa não é fácil como afirma o nosso formador:
«Medito numa grande empresa: mostrar por que artes se pode fixar o amor, esse menino que esvoaça pelo vasto universo. É rápido e tem duas asas que lhe permitem escapar-se e a quem é difícil regular os movimentos.».
Assim falharam as tentativas de Minos para reterem Dédalo e Ícaro, embora as asas destes também não tenham sido um dispositivo 100% seguro...
Para começar, nada de filtros e mistelas: são inoperantes e «(...) perturbam o espírito e engendram a loucura.».
A amabilidade é indispensável, pois o«look», «per si», não basta; há que cultivar o espírito, já que a beleza é levada pelo tempo como as ondas de Calipso levaram as construções na areia de Ulisses.
Palavras sempre encantadoras, especialmente para o amante desprovido de meios que compensem ofensas; nada de desfazer os cabelos ou rasgar a túnica do objecto amado (como afirma ter feito o nosso formador): «A guerra contra os Partos [e para os casais]; para a vossa amiga, a paz , a graça e tudo o que pode excitar o amor.»
Tudo suportar com uma perseverança heróica e ser infinitamente concordante e indulgente.
Vencer todos os obstáculos, correr perigos. É que « O amor é uma espécie de serviço militar. Afastai-vos indolentes; não são pessoas pusilânimes que devem guardar estandartes.»
Convém obter a boa vontade dos escravos; através dos «pequenos» acede-se ao que se deseja.
Presentear, mas obedecendo a um «plafond»; nada de extravagâncias. Prendas «(...) modestas, mas escolhidas com gosto.»: umas frutinhas, umas flores, talvez uns versos e a crença na sua superior influência. Acima de tudo, nada de críticas: tudo é belo e lhe fica bem, e muita dedicação e solicitude face a uma constipaçãozinha, a uma indisposição, mas sem exageros ou corre-se o risco de irritar a «bela».
Como o amor também se ancora no hábito, tornemo-nos «habituais», presença temperada, aqui e ali, com uma ausência tonificadora, mas breve pois « (...) com o tempo diminuem as saudades, o ausente deixa de existir, um novo amor se desenha.» Vejam a sina de Menelau, que assim perdeu Helena para Páris, hóspede de um anfitrião ausente.
Não é necessário ser-se fiel, mas sim discreto, pois uma mulher com ciúmes é uma potencial «arma nuclear» e tende a vingar-se... Se as infidelidades forem descobertas, é muito simples:«Não sejas mais submisso nem mais acariciante do que habitualmente: são claros sinais de um coração culpado. Mas não poupes os rins(...)» e para que estes aguentem o esforço, nada melhor que uma cebola branca de Mégara, ovos, mel de Himeto ou pinhões.
Noutros casos, pois « Não é sempre o mesmo vento que permite à nave curva transportar os seus passageiros, porque, na nossa corrida, é tanto o Bóreas (...) como o Euro que nos impelem. As nossas velas são muitas vezes inchadas por Zéfiro, outras vezes pelo Nuto.», nada como suscitar o ciúme para espevitar o lume da paixão e «(...) assinar no leito um tratado de paz.» Isto faz parte da antiga ordem natural do mundo: «Age portanto para acalmar a cólera da tua amante, emprega estes remédios enérgicos.»
Para ser bem sucedido é necessário seguir o lema de Apolo: conhecer-se e aproveitar os pontos fortes. Que todo o processo não está isento de desgostos! Há tristezas a suportar, rivais a enfrentar e não valem a aflição as violentas cenas violentas de ciúmes (nada se ganha e perde-se a amada, como Vulcano perdeu Vénus para Marte). Essas indignações ficam para os maridos.
Finalizamos com os conselhos de discrição absoluta: sigilo e decoro furtivo; aceitar os defeitos físicos da amada, ainda que tenha os pés grandes, seja vesga, seja cheiinha, ou um «palito»; esquecer a questão da idade. É que esta pode ser uma mais valia: « Não esqueçais que nesta idade as mulheres são mais sabedoras na matéria; possuem a experiência que faz os artistas.» As artes do prazer «(...) não os deu a natureza à primeira juventude; geralmente só se encontram depois do sétimo lustro[lá para os 35 anos]. Que as pessoas apressadas bebam vinho novo; para mim que uma ânfora cheia (...) me derrame um vinho feito pelos nossos antepassados.» Acertada analogia com um vinho de qualidade!
Ainda mais um tópico: prática nas coisas do amor. Já séculos antes do sisudo relatório Kinsey e das pesquisas muito científicas de Masters e Johnson, o nosso Ovídio põe tudo «preto no branco».
Acabam aqui os módulos dirigidos aos cavalheiros: impõem-se o reconhecimento ao esforçado formador:
«Homem, celebrai o vosso poeta (...). Forneci-vos armas (...), que os meus presentes vos dêem a vitória (...). Mas que todos aqueles que, graças ao gládio de mim recebido, triunfarem de uma Amazona, inscrevam nos seus troféus: Ovídio era o meu mestre».
O próximo e último módulo: destinatárias « (...) eis que as ternas donzelas me pedem conselhos. Sereis o primeiro objecto de que se vão ocupar os meus versos.» A ver/ouvir/ler vamos.
Ovídio, A Arte de Amar, LX, Editorial Presença, 1972, pp. 62, 66, 70, 73, 74, 79, 81, 82, 84, 85, 94, 95, 97 (por motivos alheios à minha vontade tive de mudar de edição :( )
3 comentários:
« O amor é uma espécie de serviço militar. Afastai-vos indolentes; não são pessoas pusilânimes que devem guardar estandartes.»
--- Gostei tanto desta! Obrigado.
:)
Aguardo ansiosamente pelos próximos capítulos :)
Aqui vai o agradecimento especial à Paula de quem não tem oportunidade de ler o livro nem, provavelmente, participar da próxima sessão. Muito interessante!
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