1- O que representa, no contexto da sua obra o livro “A Redenção das Águas”?
R - As duas obras anteriores (Salir d’Outrora e Praça da Fruta) versavam sobre história regional. Na mesma temática se inseria o objectivo inicial de “A Redenção das Águas”, visando contar a história das 13 peregrinações de D. João V às termas das Caldas após a manifestação da sua doença, e da forma como a presença do rei mudou a face da pequena vila termal, entre 1742 e 1750. No entanto, a figura imensa deste rei não se conteve nas fronteiras da vila que é hoje a minha cidade, e acabou por transbordar nas histórias que se cruzam ao longo desses oito anos, entre a doença e a morte. E eis que da sombra do rei magnânimo surgem outras figuras, que ganham o estatuto de personagens numa história que não lhes era inicialmente dedicada: como o Infante D. Manuel, aventureiro e herói esquecido; como o Infante D. Francisco, tão odiado, quanto temido, falecido nas Gaeiras no Verão de 1742; como Pedro Rates de Henequim, que veio do Brasil para convencer o Infante D. Manuel a assumir o destino de chefe do mítico V Império, e que acabou na fogueira da Inquisição no dia de solstício de Verão do ano de 1744; como John Coustos, o primeiro mestre maçónico torturado pela Inquisição, que saiu em auto de fé no mesmo dia fatídico; como os “Meninos de Palhavã”, filhos ilegítimos do rei, frutos de aventuras com as freiras de Odivelas, reconhecidos nas Caldas no dia 6 de Agosto de 1742; e como tantos outros que se revelam nas páginas do livro.
No contexto da minha escrita, lateral (porque se realiza apenas nos tempos livres que a minha actividade profissional me concede) e pouco significativa, “A Redenção das Águas” acabou por representar um pequeno passo, em que um tema de história regional se converte em história nacional, não por mérito nem por prévio desígnio do autor, mas pela imensa força da imagem do personagem central, o rei absoluto e magnânimo.
2. - Qual a ideia que esteve na origem deste livro?
R - Na origem deste livro esteve inicialmente a ideia que enunciei na resposta anterior. No entanto, à medida que se foi revelando a figura do rei e a dimensão religiosa da liturgia do seu poder, num ambiente de crepúsculo, de finitude nostálgica, e de pavor da morte, tornou-se irresistível a abordagem desta figura controversa numa perspectiva diferente da habitual. Eis então que surge, perante alguma surpresa do autor, um rei vergado sob o insuportável peso do pecado, em busca da redenção que no seu tempo estava, sempre esteve, associada à água, benzida ou termal. As peregrinações do rei tornam-se uma busca incessante dessa redenção. É assim que surge a explicação das obras pias, das infindáveis dádivas a igrejas, capelas, irmandades, ordens religiosas e imagens santas, da delapidação dos recursos do reino, com o único objectivo de salvação da alma do rei. Tudo isto com a fervorosa compreensão do povo, porque, como questiona o narrador, se a alma (colectiva) do rei não se salva, quem se salvará?
Depois, com a revelação das figuras do Infante D. Manuel e de Pedro Rates de Henequim, tornou-se também irresistível a convocação do velho mito, tão universal e tão lusitano, do V Império, do desejo de restauração da unidade perdida, defendido por poetas e por profetas e que, segundo alguns, esteve na génese dos Descobrimentos e confere inteligibilidade a esse imenso feito luso.
3. - Pensando no futuro: o que está a escrever neste momento?
R - Quanto a futuros escritos, por ora estão previstos apenas os acórdãos no meu tribunal. Depois, nunca se sabe quando, talvez uma qualquer figura histórica me possa surpreender e arrastar para outras aventuras.
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Carlos Querido
A Redenção das Águas
Arranha Céus. 17€
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Publicado em www.novoslivros.blogspot.pt
2 comentários:
Este romance confirma bem a quase alucinação provocada pelo medo do pecado. Primeiro pecamos e depois redimi-mo-nos construindo muitas capelas e igrejas e dando muitas e generosas ofertas aos homens do clero e afins ...
Estou limpo do pecado, não preciso de fazer essas despesas. :)
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