Fernando Pessoa, por Almada Negreiros, 1964
[I]
Toda a entrada de estrada copada ao luar Vai ter a Sonhar. Mas é preciso chegar só a entrar, e a fruir; Nunca prosseguir. Porque é só a entrada da estrada que leva Ao sonho que enleva. A própria estrada só leva acabada, A não haver estrada. II Passo depressa Por onde A água luz começa... Passei. Ter passado me esconde O que mal avistei. Mas na alma me resta Um vago Sorrir tardio, aresta De sonhar Luz de não sei que barco, pequeno, lago Sob que luar. III Um riso na noite, Riso de rapariga... E a alma que não tem onde se acoite Viu até à liga A vida, o sorriso, a esperança... Um riso na noite, mais nada... Um riso que, por si, é criança, Perna descalçada... Um riso sem ninguém Na noite onde o luar Anda a procurar alguem Sem o querer achar. Um riso, colóquio, entrevista, O olhar com que o houve Toca-me no ombro com dedos Que passam revista Ao desejo... Assim aprouve À grande noite sem medos... Só um riso universal De uma só boca Invisível, essencial — Um riso que me toca Na cara, e ao meu ouvido Que segredo perdido? Iv Deixa-os falar... Da árvore pende O balouço ao luar Que ninguém pretende... Deixa-os dizer... Da alma alagada Do luar vem ver A alma sem nada... Deixa-os sorrir Se desejo, assim, Sem te ver, sentir Que sorris p’ra mim. V No parque para além do muro Que nesta noite é incerto e escuro Erro, mas sem o conhecer, Nem onde erro ver. Que importa? Estou onde me sinto, Quem sou comigo apenas minto, No parque além Do muro há alguém, Abandonado? Há muito ali Já ninguém vai?... O que eu vivi, Vivi; o mais... É certo Haver parque deserto Estando a alma perto? |
In Poesia 1918-1930 - "Luar" de Fernando Pessoa
1 comentário:
Muito bom. Obrigada, Custódia
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