12 outubro 2015

O Pároco da Aldeia (saloia)


‘É-lé Graviel’, disse este [o sacristão], por fim, com um sorriso. ‘Você hoje campou. O patrão é festeiro; fica o moinho a dormir! Hem? Galdere; não é assim? Mas c’os diabos! Não sei como não vieste cá dormir. Botas os olhos acolá para o arraial. Vês? Duas bolacheiras e a Tia Sezila com queijadas’” (13).
O Pároco da Aldeia” é um conto que terá sido escrito em 1844, reportando-se a narrativa a 1825, uma vez que é a data que figura no frontispício. Já José Leite de Vasconcellos o toma como retrato dos saloios (14), e tornou-se numa referência importante para a caracterização destes (15).
Poder-se-ia pensar que Alexandre Herculano era, ele próprio, de origem saloia. Mas não. O autor nasceu em Lisboa, em 1810. Numa primeira aproximação, um pároco de aldeia remete, em imaginação, para alguma zona de remota província, de preferência no norte do país. No entanto, correspondendo com uma exactidão que se diria milimétrica, às características até agora registadas das gentes saloias e da sua terra, incluindo a relação com a cidade, a acção decorre algures nos arredores de Lisboa. E se estes arredores, por mais próximos que lhe fossem, mantinham um cariz arreigadamente rural e provinciano, então poderá ser certo que para Herculano e para os alfacinhas de um modo geral, a província (também ao serviço do procurado bucolismo romântico) estava às portas da cidade.

É notável a força e o rigor que o autor imprime às personagens; mas também o carinho e humanidade com que as trata. São provavelmente inspiradas em figuras que conheceu, justamente no âmbito das relações que os citadinos mantinham com aqueles que desde tempos imemoriais teriam eles próprios apelidado de saloios.

In: Território e Identidade: Aspectos Morfológicos da Construção do Território e a Identidade Saloia no concelho de Cascais, tese de mestrado não publicada, p. 115

4 comentários:

Manuel Nunes disse...

Pois olhe que como se diz nesta tese (já agora, uma dúvida: tese ou dissertação?), foi o que eu senti. Comecei a ler e pensava que a coisa se passava numa santa terrinha do Portugal do norte - já o deixei dito num comentário aí em baixo. Não concordo é que o livro (conto, ou novela, ou romance - ou nada disto) seja divertido, como diz num comentário. A história - que até pode ter graça - é atravessada por longos excursos a defender o catolicismo e os bons costumes da pátria portuguesa - contra a religião protestante, a abominável Inglaterra e os filósofos do iluminismo. Se não tivesse tão bem escrito, saltava. Fui ler por causa da carta de Júlio Dinis - para ver até que ponto o reitor das "Pupilas" era como este pároco. Um bocadinho chato, mas está bem - vindo de quem vem, estás perdoado, Alexandre.

Manuel Nunes disse...

Um reparo feito por Vitorino Nemésio no seu prefácio à edição da Livraria Bertrand: « Pároco de Aldeia (e não "da Aldeia", como vem nas últimas edições das Lendas e Narrativas, por má interpretação da vogal elidida pelo apóstrofo, na ortografia do autor)...». Na carta de Júlio Dinis também se escreve "da" e não "de". --- Aproveito para corrigir um erro - se calhar há mais :)- no comentário anterior: "Se não estivesse", em vez de "Se não tivesse" :) :) --- A artrose dos dedos no teclado, elidindo sílabas...

Maria Amélia disse...

Bem, talvez eu tenha saltado aquelas partes mais abusivamente políticas. Pelo menos fiquei a par do azar que o nosso Herculano tinha aos ingleses e que desconhecia. Assim como vou continuar a desconhecer um ror de coisas, sobretudo relacionadas com a literatura...adeus, por enquanto? Ou ainda não por inteiro, já que me sinto ainda compelida a estes confrontos (de que saio sempre mal mas mais informada)e mais: não resisti à tentação de ir lendo, pela noite, As Pupilas... sabendo que o único contacto com a comunidade vai ser por aqui e pouco mais. Enfim, é a vida. Fora este o maior mal.

Custódia C. disse...

Como sempre, uma parte interessante de tudo isto, é a forma como as coisas tão bem se entrelaçam ou encadeiam...

De como atrás de um pároco que serviu de inspiração a um reitor vem uma tese que já tinha ido atrás desse mesmo pároco.

Ou de como uma alusão à pintura "Democritus" traz por arrasto uma visita ao Rijsk e as correspondentes associações.

Tudo isto me encanta!