“ ‘É-lé Graviel’, disse este [o sacristão], por fim, com um sorriso. ‘Você hoje
campou. O patrão é festeiro; fica o moinho a dormir! Hem? Galdere; não é assim?
Mas c’os diabos! Não sei como não vieste cá dormir. Botas os olhos acolá para o
arraial. Vês? Duas bolacheiras e a Tia Sezila com queijadas’” (13).
“O Pároco da Aldeia” é um conto que terá
sido escrito em 1844, reportando-se a narrativa a 1825, uma vez que é a data
que figura no frontispício. Já José Leite de Vasconcellos o toma como retrato
dos saloios (14), e tornou-se numa referência importante para a caracterização
destes (15).
Poder-se-ia
pensar que Alexandre Herculano era, ele próprio, de origem saloia. Mas não. O
autor nasceu em Lisboa, em 1810. Numa primeira aproximação, um pároco de aldeia remete, em imaginação,
para alguma zona de remota província, de preferência no norte do país. No
entanto, correspondendo com uma exactidão que se diria milimétrica, às
características até agora registadas das gentes saloias e da sua terra,
incluindo a relação com a cidade, a acção decorre algures nos arredores de
Lisboa. E se estes arredores, por mais próximos que lhe fossem, mantinham um
cariz arreigadamente rural e provinciano, então poderá ser certo que para
Herculano e para os alfacinhas de um
modo geral, a província (também ao serviço do procurado bucolismo romântico)
estava às portas da cidade.
É notável a
força e o rigor que o autor imprime às personagens; mas também o carinho e
humanidade com que as trata. São provavelmente inspiradas em figuras que
conheceu, justamente no âmbito das relações que os citadinos mantinham com
aqueles que desde tempos imemoriais teriam eles próprios apelidado de saloios.
In: Território e Identidade: Aspectos Morfológicos da Construção do Território e a Identidade Saloia no concelho de Cascais, tese de mestrado não publicada, p. 115