02 maio 2020

"A Educação Sentimental" de Gustave Flaubert - 29 de Maio



“…Com excepção de alguns burgueses, na primeira classe, eram operários e lojistas com as mulheres e os filhos. Como o costume de então era vestir-se sordidamente em viagem, quase todos usavam velhas barretinas gregas, ou chapéus desbotados, fraques pretos puídos, lustrosos de roçar nas escrivaninhas, ou então sobrecasacas cujos botões forrados se esgarçavam, de tanto terem servido nas lojas; aqui e ali, um colete posto aos ombros como xaile deixava entrever uma camisa de algodão, maculada de café; alfinetes dourados prendiam gravatas esfarrapadas; tiras de pano prendiam aos pés pantufas de feltro; dois ou três vadios, ostentando pingalins com alças de couro, lançavam olhares de esguelha, e chefes de família esbugalhavam os olhos, fazendo perguntas. Conversavam em pé ou sentados nas bagagens; outros dormiam pelos cantos; alguns comiam. Cascas de nozes e de peras, pontas de charuto, restos de chouriço, trazido dentro de papéis, sujavam o tombadilho; três marceneiros, de blusões, estacionavam diante da cantina; um tocador de harpa, esfarrapado, descansava apoiado no seu instrumento; de tempos em tempos, ouvia-se o ruído do carvão de pedra na fornalha, uma voz que se elevava, uma risada; — e o capitão, na ponte, ia sem parar de uma roda à outra. Para voltar ao seu lugar, Frédéric abriu a cancela da primeira classe, passando por entre dois caçadores e os seus cães. 
Foi como uma aparição!

Ela estava sentada, sozinha, no meio do banco…”

In A Educação Sentimental de Gustave  Flaubert

1 comentário:

Manuel Nunes disse...

Comecei hoje a ler e já embarquei na geografia da viagem do primeiro capítulo, desde o Quai Sanit-Bernard até Nogent-sur-Seine. Sou muito dado a estas excursões imaginárias e os Google Maps dão uma grande ajuda. Espero que se sintam bem com a leitura, ó legentes, mas já ouvi por aí umas coisas que..