29 dezembro 2020

E 2020 chega ao fim… sem deixar muitas saudades

Ilustração de Jonathan Wolstenholme

Dois mil e vinte está a chegar ao fim e com ele mais um ano de leituras para esta Comunidade.

Em retrospetiva, percebemos que foi um ano muito estranho e fora de comum, tudo por conta de uma virose coletiva. Adiante se verá… 

O primeiro trimestre do ano “(re)-leituras”, foi intenso!

Em Janeiro, Ferreira de Castro e “A Selva”, transportaram-nos à exuberância da selva amazónica e à vida penosa dos seringueiros, já em tempo de declínio da comercialização da borracha. Descobrimos todo um exótico mundo novo, modos de vida surpreendentes e um léxico praticamente desconhecido, como “gaiolas”, “igarapé”, “pirão”, “brenha”, “parintintins” ou “cunhantã” entre outros. 

Em Fevereiro, chegou Agustina com “A Sibila” e um universo rural e predominantemente feminino, levando-nos a descobrir uma galeria de mulheres decididas, de personalidades distintas, mas todas perseguindo e atingindo objetivos muito precisos. 

Ainda neste mês, celebrou-se o dia internacional da Língua Materna e a Câmara Municipal de Cascais promoveu o facto, publicando um vídeo alusivo, que contou com a participação de 2 elementos desta Comunidade, através da leitura de 2 poemas da Sophia de Mello Breyner: "Com Fúria e Raiva" e  "Habitação". 

O mês de Março de 2020, que ficará na história da humanidade, até começou bem, com uma visita à Exposição de Álvaro Pirez d’Évora, no MNAA. 

Em seguida mergulhámos todos numa espécie de realidade paralela ou filme da Twilight Zone, com a explosão da pandemia Covid’19, provocada por um Vírus que ficou famoso e cujo nome nos faz tremer nas bases: o Corona. 

Para combater o confinamento obrigatório, Jorge Amado, Jubiabá e as histórias da história de António Balduíno, foram uma ajuda preciosa. Com a Biblioteca fechada e a proibição de reuniões com um grande número de pessoas, não houve sessão presencial, mas conseguimos manter contacto e trocar ideias através das redes sociais, que se revelaram ótimas para situações como estas. Penso mesmo que, por conta do Corona, o nosso blogue ficou mais rico… 

O segundo trimestre – Eça & Cª, prometia…

Assim, com o estado de emergência em vigor e confinados cada um a sua casa, o mês de Abril trouxe-nos Eça de Queirós e o seu “Conde d’Abranhos”, personagem que descobrimos através dos maiores encómios do seu secretário Z. Zagalo:  “Alípio Severo Abranhos, Conde d'Abranhos…varão eminente, Orador, Publicista, Estadista, Legislador e Filósofo”. Na realidade e após a leitura, o que se revelou foi um político pobre de espírito, incompetente, oportunista, lambe-botas e vira-casacas.

Neste mês continuou a não ser possível uma sessão presencial, pelo que usámos a tecnologia disponível e reunimos em formato teleconferência. Correu muito bem e só nos faltou a partilha dos habituais bolinhos e bolachinhas. 

No mês de Maio, ainda confinados, voltámos a reunir via Zoom, para discutir a “A educação sentimental” de Gustave Flaubert, seguindo o percurso do jovem egocêntrico Frédéric Moreau. 

Entre Junho e Outubro suspendemos as sessões da Comunidade. A impossibilidade de reunir presencialmente, alguma dificuldade de acesso às plataformas digitais e outras questões relacionadas com a pandemia (sobretudo um cansaço coletivo muito desmotivador), assim o ditaram. No entanto, a maior parte dos leitores continuou com as leituras agendadas.  Assim, Balzac, Roth, Atwood e Steinbeck fizeram-nos companhia durante tempos difíceis. Os livros são sempre uma opção vencedora! 

Com a boa vontade dos responsáveis pela nossa Biblioteca, que num esforço feliz garantiram as condições de segurança e higiene necessárias, realizámos finalmente uma sessão presencial no dia 6 de Novembro, onde pudemos contar com a presença de 17 dos membros da Comunidade. O romance “Pão de Açúcar” do jovem escritor Afonso Reis Cabral, que estava alinhado para Outubro, foi o mote para o animado reencontro e abertura do 4º Trimestre, dedicado a “Recém-Laureados”. 

A 27 Novembro, mais uma feliz sessão presencial com 18 elementos, que se debruçaram sobre a personalidade de Olga Tokarczuk e o seu surpreendente e fragmentado “Viagens”. Um desconcerto em movimento contínuo sem nunca olhar para trás, numa nómada digressão pelo espaço e pelo tempo, é o que me ocorre dizer.

Fruto de discussão e propostas entre leitores, ficou ainda definido nesta sessão, o Plano de Leituras para 2021. 

E continuando em modo presencial, Dezembro, por norma o mês mais mágico do ano, trouxe-nos “As Pálidas Colinas de Nagasáqui” de Kazuo Ishiguro. Um romance que provocou reações diversas entre os leitores. Uns, gostaram, outros, não. Leituras diferentes para uma escrita um pouco melancólica, mas muito bonita (digo eu) que, neste caso, apresenta diversas pontas soltas e muitas questões sem resposta. Intencional por parte do escritor? Certamente que sim e daí as diferentes leituras e apreciações. 

E assim 2020 chega ao fim, a deixar poucas ou mesmo nenhumas saudades. E não falo das nossas leituras!

Avancemos para o novo Ano com otimismo e esperança em dias melhores. 

Feliz Ano Novo!

3 comentários:

Bia disse...

Obrigada pela síntese deste ano de leituras que, apesar das adversidades, nós teimamos em não abandonar.

Manuel Nunes disse...

Parabéns pelo balanço. Ainda há quem não tenha medo de usar as palavras.
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São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos, as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

--- EUGÉNIO DE ANDRADE

Custódia C. disse...

Obrigada Manuel
É lindo esse poema do Eugénio de Andrade. Merece um postagem só por si e não ficar aqui escondido em forma de comentário. Não queres publicá-lo?
Penso que ainda há muita gente a escutar as palavras :)