04 fevereiro 2021

O cágado (que nasceu com o rabo virado para a lua)

 

(Imagem da net)

 “…Depois surgiu um caminhão ligeiro, e, ao aproximar-se, o motorista, vendo o cágado, desviou-se no intuito de o atropelar. A roda da frente apanhou a orla da concha, atirou com o animal ao ar com a rapidez de um relâmpago e fê-lo rodopiar, como se fosse uma moeda, para fora da estrada. O camião manobrou a fim de retomar a direita. Deitado de costa, o cágado manteve-se muito tempo dentro da concha. Mas, por fim, as pernas oscilaram no ar, à procura de uma coisa onde pudessem firmar-se. O pé dianteiro agarrou-se a um pedaço de quartzo e, pouco a pouco, o cágado conseguiu voltar-se…”

In “As Vinhas da Ira” de John Steinbeck, capítulo III


Acabo de ler o Capítulo III do romance, onde nos deparamos com um episódio quase alucinante que nos descreve o esforço épico de um cágado para subir a uma estrada, atravessá-la e chegar vivo ao outro lado. Quando cheguei ao fim do capítulo, dei um suspiro tremendo e percebi que tinha estado a suster a respiração enquanto lia sofregamente o epílogo daquela louca aventura. Tenho para mim que este cágado não vai ficar por aqui…

3 comentários:

Manuel Nunes disse...

Este terceiro capítulo funciona como uma espécie de interlúdio entre a saída de Tom Joad da penitenciária e o reencontro com os seus familiares. Reencontro precedido da aparição daquele pregador sem fé, o que permite algumas reflexões... A narrativa como que desce aos dramas dos pequenos seres: o cágado, as formigas, os gafanhotos - struggle for life, tal como os humanos.
Mas há um apontamento curioso: as manobras perigosas dos condutores perante o cágado que atravessa a estradada. A mulher que guiava o "sedan", desviou-se para não o matar; o motorista do camião ligeiro desviou-se também, mas com o intuito de o atropelar. Valor e desprezo atribuído à vida, aos direitos, etc. O livro está sempre a dar-nos lições.

Custódia C. disse...

Acabei ontem de ler o romance. Li as últimas cem páginas, quase que numa angústia compulsiva. Que realidade tão crua e terrível...

Maria Amélia disse...

Não acabei ainda, mas verificamos ao longo dos capítulos, o intercalar de capítulos como este, que situam, de diferentes formas, incidências importantes do tema. Este do cágado é modelar, mas um outro que trata das "áreas de serviço" na Estrada 66 também é notável, pelo acuidade com que o autor trata os pontos de vista dos personagens e a forma como se adaptam a circunstâncias advenientes.