22 março 2012

AO JOSÉ RAFAEL (Entardecer)

Pássaro ferido sobre as águas, que a maré arrasta pela praia no suave vai-vem da rebentação chorosa, o teu corpo inerme vai desenhando sobre a areia arabescos de dor que se apagam e renovam sem cessar.
Ah, como gostaria de te levar comigo— diz a criança que passa. Mas quando se debruça para o apanhar, uma onda maior leva tudo consigo: o pássaro ferido, a criança, a luz do dia.

Na profunda quietude da noite, a onda cintila longamente no horizonte perdido.

(Tudo está consumado, diz o luar)




(Aceder aos poemas de José Rafael)

3 comentários:

Manuel disse...

Bem haja por esta bela homenagem ao poeta José Rafael, personalidade infelizmente já desaparecida (1947-2010) a que me sinto tão ligado. Poesia na semana dela! (mas há semanas para a poesia?).
Acontece que descobri hoje, nas folhas que me deixou, um seu poema que fala de... uma lampreia. Não é de admirar, Alexandre O´Neill tem um célebre poema sobre... um cherne. Estou a tentar decifrar o manuscrito, há três versos um bocado ilegíveis. Se conseguir, levo-o amanhã.

Maria Amélia disse...

Sim, claro-- conjugar lampreia e poesia é, mal acomparadadamente, a cereja no topo do bolo! O jeito do O'Neil viria mesmo a calhar (fazendo o J. Rafael uma pequena deriva no seu estilo...). Força nessa "decifração"!

Custódia C. disse...

E lá vou eu atrás de tão ilustre poeta...