27 maio 2020

Sessão de Maio, em modo virtual (Zoom) – 29 Maio-21h00



Caros Amigos Leitores

Neste mês de Maio, continuamos sem poder realizar uma sessão presencial, pelo que, mais uma vez, realizaremos a mesma via Zoom.

Contamos convosco para as habituais partilhas de leitura, desta vez com Flaubert e a sua Educação Sentimental.


25 maio 2020

PELLERIN, UM PINTOR EM "A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL"

A personagem de Pellerin como pintor medíocre e incoerente é uma das boas criações de Flaubert em A Educação Sentimental. Um grande romance vive também destas personagens secundárias que despertam o riso ou a piedade dos leitores e cujos episódios servem para retardar e complicar o desenvolvimento da acção principal.   
Apresentado no capítulo quarto da primeira parte como estudioso de «todas as obras de estética para descobrir a verdadeira teoria do Belo», a sua maneira de viver é descrita sumariamente da seguinte forma: «Pellerin deitava-se tarde, e era um frequentador assíduo de teatros. Era servido por uma velhota andrajosa, jantava numa tasca e vivia sem amante». A descrição é depois alargada a mais algumas considerações: «Os seus conhecimentos, adquiridos ao sabor do acaso, tornavam os seus paradoxos divertidos. O ódio contra o comum e o burguês extravasava-se em sarcasmos de um lirismo soberbo, e tinha pelos mestres uma tal religião que ela o elevava quase até eles».
É este Pellerin que no capítulo seguinte dá lições de pintura ao jovem Frédéric Moreau num momento em que o recém-chegado a Paris, para se aproximar do ofício de marchand de arte do marido de Marie Arnoux, é tomado pela ideia de se fazer pintor. No mesmo capítulo, em casa do seu pupilo, tem uma discussão sobre estética com o socialista Sénécal. Para o revolucionário, a única arte válida é a que visa a «moralização das massas», assente na escolha de temas que evidenciem a exploração e a miséria do povo trabalhador, enquanto Pellerin está mais do lado da autonomia da arte, defendendo não haver temas obrigatórios em função de objectivos de ordem social ou política.
O pintor está ainda associado à factura de um retrato de Rosanette, que ele pensa poder vir a ser a sua obra-prima, de que Frédéric Moreau, futuro amante da retratada, é o encomendador.
Muito curioso, por revelar a versatilidade criadora, um quadro seu adquirido pelo capitalista Dambreuse representava a República ou a Civilização, sob a figura de Jesus Cristo, conduzindo uma locomotiva através de uma selva virgem. 

18 maio 2020

GUSTAVE FLAUBERT, "A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL" - Leitura do mês -


No final da segunda parte do romance, um bilhete enviado por Deslauriers a Frédéric Moreau diz o seguinte:
«Meu velho,
A pêra está madura. Conforme a tua promessa, contamos contigo. Reunimo-nos  amanhã cedinho, na praça do Panthéon. Entra no café Soufflot. Tenho de te falar antes da manifestação.»
Estava-se em vésperas dos acontecimentos revolucionários de 1848 e esta pêra não era outra que Luís Filipe I, o rei burguês, cuja cabeça os caricaturistas desenhavam em forma de pêra, como na conhecida gravura de Honoré Daumier (1808-1879), O Rei de França como Gargântua.
No traço do artista – que lhe valeu a prisão – o rei é representado segundo a figura do insaciável Gargântua, personagem de Rabelais, recebendo continuamente o alimento que os súbditos são forçados a entregar-lhe e saindo-lhe sob o cadeira do trono, como dejectos, as suas leis e disposições antipopulares.
A acção de A Educação Sentimental decorre de 1840 – em pleno período da chamada monarquia de Julho – até ao golpe de Luís Bonaparte, sobrinho de Napoleão, em 1851.
Sobre o golpe de que nasceu o II Império escreveria Marx as frases célebres de O 18 do Brumário de Louis Bonaparte : «Hegel faz notar algures, que todos os grandes acontecimentos e personagens históricos ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.»

08 maio 2020

A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL, capítulo primeiro

L´éducation sentimentale, série de televisão de 1973, com Françoise Fabian (Marie Arnoux) e Jean-Pierre Léaud (Fréderic Moreau). Episódio da viagem de barco entre Paris (Quai Saint-Bernard) e Montereau correspondente ao capítulo primeiro do romance: 
«Foi como uma aparição.
Estava sentada, no meio do banco, completamente só ou, pelo menos, ele não se apercebeu de mais ninguém no deslumbramento que os seus olhos lhe transmitiram. (...)
Tinha um largo chapéu de palha, com fitas cor-de-rosa que, por detrás dela palpitavam ao vento. Os bandós negros, que lhe contornavam as pontas das longas sobrancelhas, estavam muito descaídos e pareciam comprimir amorosamente o oval do rosto.»
E assim se desencadeou uma atracção de grandes consequências no desenvolvimento da narrativa. 

02 maio 2020

"A Educação Sentimental" de Gustave Flaubert - 29 de Maio



“…Com excepção de alguns burgueses, na primeira classe, eram operários e lojistas com as mulheres e os filhos. Como o costume de então era vestir-se sordidamente em viagem, quase todos usavam velhas barretinas gregas, ou chapéus desbotados, fraques pretos puídos, lustrosos de roçar nas escrivaninhas, ou então sobrecasacas cujos botões forrados se esgarçavam, de tanto terem servido nas lojas; aqui e ali, um colete posto aos ombros como xaile deixava entrever uma camisa de algodão, maculada de café; alfinetes dourados prendiam gravatas esfarrapadas; tiras de pano prendiam aos pés pantufas de feltro; dois ou três vadios, ostentando pingalins com alças de couro, lançavam olhares de esguelha, e chefes de família esbugalhavam os olhos, fazendo perguntas. Conversavam em pé ou sentados nas bagagens; outros dormiam pelos cantos; alguns comiam. Cascas de nozes e de peras, pontas de charuto, restos de chouriço, trazido dentro de papéis, sujavam o tombadilho; três marceneiros, de blusões, estacionavam diante da cantina; um tocador de harpa, esfarrapado, descansava apoiado no seu instrumento; de tempos em tempos, ouvia-se o ruído do carvão de pedra na fornalha, uma voz que se elevava, uma risada; — e o capitão, na ponte, ia sem parar de uma roda à outra. Para voltar ao seu lugar, Frédéric abriu a cancela da primeira classe, passando por entre dois caçadores e os seus cães. 
Foi como uma aparição!

Ela estava sentada, sozinha, no meio do banco…”

In A Educação Sentimental de Gustave  Flaubert

01 maio 2020

MAIS MONTANHA MÁGICA

Fazer o bom uso das doenças. O estado de saúde confere uma sensação de imortalidade, uma obsessão por divertimentos e realizações que não propicia a reflexão e o aperfeiçoamento individual. A doença pode ser uma oportunidade de melhoramento, por mais contraditório que isto possa parecer. Em meados do século XVII, Blaise Pascal escreveu um texto sobre o tema em forma de oração a Deus.
No Hans Castorp d´ A Montanha Mágica está bem presente o pascaliano princípio do «bon usage des maladies». É sob a doença que o jovem engenheiro vive o amor e sente vontade de estudar biologia, ciências médicas e botânica. É neste estado aparentemente limitador que lhe vem a necessidade de iniciação ao pensamento filosófico, procurando formar as suas ideias a partir das discussões presenciadas entre o humanista Ludovico Settembrini e o escolástico Leo Naphta. A comunhão com a natureza, ou seja, com a vida, é outra inclinação que lhe é dada pela sua estadia no sanatório Berghof.
Acabei de ler o subcapítulo “Neve” do sexto capítulo do romance. Hans Castorp aprende a esquiar para melhor conhecer os espaços maravilhosos da montanha. Fá-lo às escondidas do médico-chefe, o conselheiro Behrens, que nunca lhe teria dado autorização para o exercício de desportos físicos. Ele está diagnosticado com um «foco húmido» no pulmão, uma doença grave de evolução imprevisível.
Este subcapítulo é dos mais belos que o romance tem. Verão as colegas leitoras quando lá chegarem.