A personagem de Pellerin como pintor
medíocre e incoerente é uma das boas criações de Flaubert em A Educação Sentimental. Um grande
romance vive também destas personagens secundárias que despertam o riso ou a piedade
dos leitores e cujos episódios servem para retardar e complicar o
desenvolvimento da acção principal.
Apresentado no capítulo quarto da
primeira parte como estudioso de «todas as obras de estética para descobrir a
verdadeira teoria do Belo», a sua maneira de viver é descrita sumariamente da
seguinte forma: «Pellerin deitava-se tarde, e era um frequentador assíduo de
teatros. Era servido por uma velhota andrajosa, jantava numa tasca e vivia sem
amante». A descrição é depois alargada a mais algumas considerações: «Os seus
conhecimentos, adquiridos ao sabor do acaso, tornavam os seus paradoxos
divertidos. O ódio contra o comum e o burguês extravasava-se em sarcasmos de um
lirismo soberbo, e tinha pelos mestres uma tal religião que ela o elevava quase
até eles».
É este Pellerin que no capítulo seguinte
dá lições de pintura ao jovem Frédéric Moreau num momento em que o recém-chegado
a Paris, para se aproximar do ofício de marchand
de arte do marido de Marie Arnoux, é tomado pela ideia de se fazer pintor.
No mesmo capítulo, em casa do seu pupilo, tem uma discussão sobre estética com
o socialista Sénécal. Para o revolucionário, a única arte válida é a que visa a
«moralização das massas», assente na escolha de temas que evidenciem a
exploração e a miséria do povo trabalhador, enquanto Pellerin está mais do lado
da autonomia da arte, defendendo não haver temas obrigatórios em função de
objectivos de ordem social ou política.
O pintor está ainda associado à
factura de um retrato de Rosanette, que ele pensa poder vir a ser a sua
obra-prima, de que Frédéric Moreau, futuro amante da retratada, é o
encomendador.
Muito curioso, por revelar a versatilidade
criadora, um quadro seu adquirido pelo capitalista Dambreuse representava a
República ou a Civilização, sob a figura de Jesus Cristo, conduzindo uma
locomotiva através de uma selva virgem.