Há uns anos, após a
leitura de um livro de contos de um amigo (edição da Chiado ou outra qualquer
editora do género), exprimi a opinião de que a prosa era boa mas não estava
posta em estilo actual, fazendo lembrar os textos de Camilo ou Júlio Dinis. Respondeu-me
que sim, podia ser verdade, mas o que queria eu que ele fizesse se havia sido com
Camilo e outros do seu século que aprendera?
Milan Kundera tem um
conjunto de ensaios (“Consciência da continuidade”, desse livrinho aí na
imagem) em que é tratado o assunto do inactual em arte. Imaginemos, diz o
escritor, que era possível um virtuoso dos nossos dias compor uma sonata tão
perfeita como uma qualquer de Beethoven, de tal forma que melómanos apurados,
ao ouvi-la, arriscariam tratar-se de obra do grande compositor alemão. Ao
saberem, porém, que não era, que fora um extraordinário virtuoso contemporâneo
a criá-la, não deixariam de rir pela inactualidade do trabalho, reconhecendo-o não como obra de valor original, mas como um simples pastiche.
Isto diz respeito
também à poesia. Tenho falado com leitores que não gostam da poesia moderna
(alguns até não gostam de nenhuma poesia) e sentem que os versos rimados de
Augusto Gil ou João de Deus, quando não os de Guerra Junqueiro, é que lhes
enchem a alma.
Não está em causa a
poesia dos clássicos, isto é, daqueles poetas que por valor lograram romper o esquecimento que o
tempo sempre tece. Eles serão sempre os maiores! Ocorrem-me os nomes de Camões,
Sá de Miranda, Bocage, Quental… Poetas
com quem a poesia contemporânea dialoga com plena consciência do fenómeno da continuidade em arte. É o caso deste poema (“Minha
senhora de mim”) de Maria Teresa Horta. Ecoa nele um conhecido verso de Sá
de Miranda e aqui fica, também, em memória da autora:
Comigo me desavim / minha senhora / de mim // sem ser dor ou ser cansaço / nem o corpo que disfarço // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // nunca dizendo comigo / o amigo nos meus braços // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // recusando o que é desfeito / no interior do meu peito.
1 comentário:
Alguém me disse um dia que a poesia não era para todos. E eu pensei que cada um, a qualquer momento, pode encontrar a sua...
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