27 dezembro 2011

Relato que se faz e apresenta da sessão que teve lugar poético em casa dos Cratchit, na noite de Natal do Ano da Graça de 2011: 2ª jornada


Na verdade, a campainha tocava de uma forma diferente, inaudita, como se fossem os sinos de um carrilhão ao longe, entoando jingle bells, jingle bells... Bob Cratchit franziu o sobrolho e perguntou à mulher:
- Estamos à espera de alguém tão cedo? A esta hora os convidados do Natal Poético ainda estão a desenvencilhar-se das espinhas do bacalhau... Quem será?
- Bem, não sei, o melhor é ir ver...
- Quem é? Perguntou Mrs Cratchit, depois de, confiadamente, ter accionado o trinco.
Ninguém respondia, mas uma estranha figura deslizou, sim, deslizar é o termo, através do portão entreaberto, e aproximou-se da porta, sendo dificilmente reconhecível à luz fraca do exterior.
Mrs Cratchit não é de se assustar, mas o caso estava a tornar-se, no mínimo, estranho.
Foi então que ela reprimiu um grito: era Mr Scrooge, só podia ser! Eram os chinelos mal enfiados nos pés, uma indumentária que combinava casaca e pijama, mas, sobretudo, o inconfundível barrete de dormir com a borla caída às três pancadas sobre o nariz adunco, que o denunciavam.
Se de fantasma ou espectro se tratava, tinha um aspecto bastante sólido e real; estava bem conservado, pensou Mrs Cratchit.
- Mas, senhor, o que faz aqui, a estas horas, tão deslocado do seu tempo e da sua cidade? Perdeu-se nos Circuitos Eternos? O que procura?
- Minha cara senhora, mil perdões pelo incómodo: esta não é por acaso a casa de Bob Cratchit, o meu empregado?
- Cratchit, sim, é o apelido de família... Mas entre, que está frio aí fora, e o senhor não está agasalhado – ainda apanha uma gripe!
Enquanto lhe dava passagem e indicava o caminho para a sala, onde o lume crepitava na lareira, ia pesando a quanto o espírito do Natal obriga, pois se via na contingência de acolher quem lhe batesse à porta, ainda que fosse- que arrepio!- um espectro!
Quando entraram na sala, uma corrente de ar gelado varreu o espaço e quase apagava o lume. Mas o acolhimento que todos dispensaram a Mr Scrooge, em atenção à sua edificante história, recentemente relembrada, rapidamente repôs o ambiente familiar.
- Edificante, dizem vocês? Bah! Scrooge quase vociferava, apoplético, quando alguém o sugeriu, mais para fazer conversa que outra coisa.
- Ó Sr Scrooge, por favor, deixe de pairar por aí, que nos faz vertigens, disse Bob Cratchit, sempre muito pragmático. Sente-se aqui à mesa connosco, e desembuche, que todos já perceberam que está mesmo a precisar!
Entretanto, convém referir que nem todos encaravam com tanta fleuma o estranho visitante. O poeta Laurence, aqui para nós, tremia como varas verdes, prenúncio de um ataque de taquicárdia, e aproveitou a desculpa de tratar dos poemas celtas por escolher, para se enfiar por debaixo da mesa (onde ainda assim podia ouvir a história que Ebenezer Scrooge se preparava para contar...).

(Recomendação: não perca o próximo episódio)

3 comentários:

M. Dickens disse...

Isto está a melhorar. - Olhem o Ebenezer Scrooge que logo se lembrou de ir bater à porta de uma casa tão selecta. Já não há respeito pela intimidade das famílias, francamente, até me caiu mal.

Custódia C. disse...

Este Scrooge não perde uma. Mas que quer ele agora ?? Declamar um poema talvez?

Anónimo disse...

Fui (final/) ver agora o nosso blog e está 1 luxo. tenho que ler com atenção o teu txt de natal.
Quanto à lista de livros de 2011, parece-me bem (se alguma autoridade tenho nisso). Entusiasmam-me especial/ o Maquiavel (ando a ver os Bórgia na TV c/ o Jeremy Irons um Papa de fazer perder a cabeça a qualquer mulher crente ou nem tanto, porq o César é um miúdo p/ mim), o Erasmo, o Camilo e o nosso Machado de Assis e mt curiosidade acerca do novo do Paulo Moreiras.
Espero (já n/ digo nada) estar convosco dia 30, apreciando o mau humor e o «Humbug» do nosso Mr. Scrooge, o homem que se fechou p/ a vida, que nós partilhamos nestes momentos.
Paula Martins