Charles Dickens estava então decidido a rescrever a história de Ebenezer Scrooge. Sabia que o protagonista não havia gostado do Espírito do Natal Passado, e ainda menos do Espírito do Natal Presente com o seu despesismo e ostentação, e do Espírito do Natal Futuro nem era bom falar. Sobretudo, estes espíritos tinham-no assustado e induzido a praticar acções que não obedeciam à sua racionalidade de homem de negócios.
O escritor lembrou-se de substituir estes três espíritos por um único de valor acrescentado a que chamou Espírito do Natal Poético, e deitou mãos à obra. A decisão era arriscada, pois não se sabia ao certo como reagiria Ebenezer Scrooge. Porém, se quisermos falar segundo uma espécie de linguagem hoje muito usada por políticos e jornalistas nas suas intervenções mediáticas, diríamos que o escritor tinha muito bem definido o seu caderno-de-encargos, não empurrou-os-problemas-com-a-barriga, e fez de forma exemplar o seu trabalho-de-casa.
Um Espírito do Natal Poético como este, capaz de transfigurar o habitual conformismo da quadra, exigia de Charles Dickens a criação de uma personagem de recorte humano que representasse os novos valores que vinham do alto. Foi assim que surgiu na sua imaginação de artista o poeta Laurence, detentor de uma compilação de poemas natalícios que ia das canções dos remotos bardos celtas até à moderna poesia da estética pré-rafaelita.
E então, coisa extraordinária, vamo-nos deparar com a festa da noite de Natal em casa de Bob Cratchit, toda ela preenchida com leituras de poemas alusivos à quadra festiva. O poeta Laurence, convidado pela senhora Cratchit, sorria com indisfarçável satisfação para as filhas do casal, as meninas Belinda e Martha, e até o pequeno Tim, com a sua vozinha de criança débil, se dispôs a recitar um poema:
Christmas is coming,
The geese are getting fat
Please put a penny
In the old man's hat
If you haven't got a penny
A ha'penny will do;
If you haven't got a ha'penny
Then God bless you!
Coisa maravilhosa, ver assim irmanadas pelo poder da poesia de Natal pessoas de tão diversas índoles e disposições anímicas!
A nova fórmula do conto agradou a Ebenezer Scrooge, pelo que deixou de apoquentar o autor com as suas diatribes de personagem ressabiada. Diz-se, embora não haja certezas disso, que o Espírito do Natal Poético atravessava, como todos os espíritos poéticos, grandes dificuldades financeiras. Ebenezer Scrooge ter-lhe-á emprestado dinheiro a altos juros, pois o prestamista não perdia a oportunidade de fazer um bom negócio, até com os espíritos.
E pronto, é o fim da continuação-de-um-conto-de-Natal. Ainda bem que tudo acabou em bem e que o escrevente pode agora encerrar a loja e ir à sua vida sem mais delongas. UM BOM NATAL PARA AS QUERIDAS LEITORAS.
THE END
Alverca upon Tagus, December, 2011
2 comentários:
Como não me foi possível acompanhar o desenrolar do enredo da continuação-de-um-conto-de-Natal a partir do episódio comentado, fui agradavelmente surpreendida pela publicação presente, nesta manhã gelada de mais uma 2ª feira . No entanto, e porque achei a sequência divertida e bem engendrada (valorizando o trabalho original a que se deu o nosso mestre-escrevedor), proponho-me dar uma resposta cabal à última sequência, na medida em que ali se auguram feitos absolutamente extraordinários sob inspiração do Espírito Poético (o mais simpático e desconsiderado de todos)na noite de Natal, em casa de Bob Cratchit.
Esperando poder corresponder à natural curiosidade com que os ausentes daquele evento vão aguardar notícias, despeço-me até ao próximo Poema.
E só agora passado o bulício da minha noite de consoada, que incluiu a leitura de um poema "alternativo", sugerido pelo escriba de Alverca upon Tagus, passei por aqui para calmamente saber o fim da continuação do célebre conto. Pois que me agradou o final feliz e estou para aqui desconfiada que este espírito poético hoje pairou sobre uma certa casa, ali para os lados da Av. Castelo de S. Jorge, num determinado Bairro dos 7 Castelos...
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