16 dezembro 2012

Para quem gosta dos clássicos e não se amedronta perante os vastos e densos «russos», aqui está uma nova versão cinematográfica, teatral e inovadora, desta obra tantas vezes revisitada pelo cinema. De salientar os excelentes actores (os olhos marejados de lágrimas de Keira Knigthley dizem tudo sobre o sofrimento interior de Anna, vítima de si, da sociedade que a rodeia, dos desacertos do mundo e do amor).
De revisitar ,mesmo, é a extensa obra de Tolstoi, um livro de sempre (coragem para as seiscentas e tal páginas em letra miúda da edição que aqui tenho), que não se esgota na história infeliz de Anna Karenina. O realizador , Joe Wright, já assinou as adaptações de Orgulho e Preconceito e Expiação, com a mesma protagonista.

Segue uma crítica:

«Regressamos ao séc. XIX, re-imaginado sob a alçada da opulência da alta-sociedade russa, para revisitar a história da personagem titular, uma famosa aristocrata que se vê envolvida num caso extraconjugal que colocará em causa o seu estatuto na sociedade e família. A exploração da capacidade de amar, em todas as suas formas, nasce das palavras do celebrado autor russo Leo Tolstoy, que vê a sua obra adaptada para o argumento do dramaturgo inglês Tom Stoppard.
Parafraseando William Shakespeare, “o mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres não passam de meros atores; têm saídas e entradas, e cada um no seu tempo representa diversos papéis”, e Joe Wright cria aqui um conceito que é simples de explicar, mas terrivelmente difícil de executar: o romance é apresentado como uma peça dentro de um filme, um olhar microscópico sobre a vida deste pedaço de aristocracia, da bancada de uma produção teatral, usando apenas, quando estritamente necessário, uma linguagem e expressão cinematográfica mais tradicional, um pouco incompreendida entre a crítica, que praticamente apelidou a sua abordagem de “salta-pocinhas de necessidade”.
O dispositivo aparentemente bifurcado serve, no entanto, um claro propósito de comentário social sobre a forma como a alta sociedade tem sempre um papel a representar e, por oposição, como a vida rural e simples é sinónimo de uma vivência mais real e orgânica, livre da artificialidade.
Não são mecanismos subtis, mas é também essa exposição “desavergonhada” que torna “Anna Karenina” num pedaço cinematográfico com sabor igual a nenhum outro. O conceito é visual e intelectualmente estimulante, um exercício de interseção entre literatura, cinema e teatro que, apesar de não ser a melhor incursão do realizador – nunca consegue suplantar o poder dramático e emocional de “Orgulho e Preconceito” e “Expiação” – é entusiástico, corajoso e vistoso.
Keira Knigthley cria uma Anna complexa e contraditória, que tanto é heroica como quase vilanesca, fazendo revisitar o eterno dilema sobre a protagonista: será ela uma vítima do seu posicionamento numa sociedade patriarcal, ou uma mulher neurótica e narcisista?
Se Jude Law fosse dez anos mais novo, seria uma escolha óbvia para interpretar o fervoroso Conde Vronsky sendo, como já veio a provar em papéis semelhantes, fabuloso. Felizmente, a cara laroca vem acompanhada de talento, e é uma lufada de ar fresco ver Law num papel que foi tantas vezes o dos seus “rivais” românticos, e o ator britânico vive-o intensamente.
O erro mais gritante da produção jaz no casting do Conde Vronsky, e Aaron Taylor-Johnson (que tinha dado promissoras indicações em “Selvagens”, de Oliver Stone, ainda este ano) cria um amante esmagado pelo uniforme e opulência do seu bigode que, além do visual manifestamente agradável à vista, poucos mais atributos apresenta à emoção que justificassem uma qualquer pinga de simpatia por si.
O maior e definitivo problema de “Anna Karenina” é, infelizmente, dramático. Resumir uma obra de mais de 800 páginas a duas horas é uma luta desigual e impossível de vencer perante todos aqueles que já viajaram pelas páginas envelhecidas de Tolstoy. A tragédia é condensada e acelerada, mas mesmo assim, fica a ideia de que algo poderia ter sido feito para tornar esta tragédia naquilo que ela verdadeiramente foi: uma tragédia com grandeza e poder de ópera, e não um simples melodrama.
De todo o modo, “Anna Karenina” pode ter falhado algumas notas pelo caminho - como o fez -, mas criou, mesmo desse jeito e forma, um evento cinematográfico, um tema de conversa, um filme que ambicionou quebrar as convenções da tradição de filmar uma história, contando-a numa espécie de híbrido de meios. Um quadro vivo transposto para um orgasmo visual, uma espécie de ballet sem dança infundido numa ópera sem cantores.
Consegui-lo com este grau de sucesso é um feito, e o que sobra são duas horas do mais ousado, sumptuoso, luxuoso e belo Cinema do ano.
E aí está ela. A deixa para aplaudir de pé.»
Por: Catarina D'Oliveira
 

2 comentários:

Manuel Nunes disse...

"Anna Karenina" - vamos arranjar coragem para as seiscentas e tal páginas em letra miúda. Eu quero.

Joca disse...

Eu já vi o filme. Grandioso, sim, mas comprido. No final, toda a gente soltou um suspiro e saiu rapidamente. A Keira está magnífica. O Conde, nem por isso, olhos azuis não chegam. De qualquer modo, vejam...