Antígona, uma tragédia grega
de Sófocles, composta por volta de 442 AC. É a história da casa real de Tebas,
da família dos Labdácidas e uma das mais conhecidas da mitologia grega.
Blogue da Comunidade de Leitores da Biblioteca de S. Domingos de Rana - Cascais - Portugal
Antígona, uma tragédia grega
de Sófocles, composta por volta de 442 AC. É a história da casa real de Tebas,
da família dos Labdácidas e uma das mais conhecidas da mitologia grega.
Plano de Leituras 2026
30
de janeiro - O Amante, Marguerite Duras
27
de fevereiro - O Deserto dos Tártaros, Dino Buzzatti
27
de março - Meditações (ou Pensamentos), Marco Aurélio
24
de abril - Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, Tiago Rodrigues
29
de maio - Averno, Louise Glück
26
de junho - Calamento, Romeu Correia
31
de Julho - Ratos e Homens, John Steinbeck
28
de agosto - Os Passos em Volta, Herberto Helder
25
de setembro - O Papagaio de Flaubert, Julian Barnes
30
de outubro - Visitar Amigos, Luísa Costa Gomes
27
de novembro - O Segredo de Joe Gould, Joseph Mitchell
18
de dezembro - Tudo sobre Deus, José Eduardo Agualusa
Realizou-se ontem dia 22 de novembro, em Almada, o 2º Encontro dos Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. Pela segunda vez, o Davide Freitas (Técnico da Biblioteca de Almada), convidou a nossa Comunidade a fazer-se representar, cabendo-me a mim, desta vez, o convite para estar na mesa.
O
encontro aconteceu na Biblioteca Central de Almada e foi integrado no programa
de comemorações do seu 28º aniversário.
Para
além da nossa Comunidade, estiveram presentes grupos e comunidades de leitores do
Barreiro, do Feijó, de Loures, da Maia, de Oeiras e da Quinta do Anjo (Palmela).
Cada participante fez uma breve apresentação do seu grupo de leitura, falando sobre a metodologia de funcionamento, bem como sobre a sua experiência pessoal enquanto leitor.
Ficou
evidente que as comunidades de leitores são muito mais do que simples clubes de
livros. Para além de espaços de diálogo, inclusão e pensamento crítico e são
oportunidades de conhecimento e descoberta em diferentes áreas, uma vez que a
propósito dos livros e das leituras, surgem várias formas de arte, cultura e
lazer.
O
encontro foi um agradável espaço de partilha, onde os membros e dinamizadores
dos diversos grupos de leitura, apresentaram as suas melhores práticas e desafios
enfrentados na dinamização das suas comunidades, tendo ficado mais uma vez
evidente, o potencial destas comunidades de leitores como catalisadores para o
fomento e dinamização dos livros e da leitura.
Obrigada
à Biblioteca Central de Almada, pelo entusiasmo com que organiza e incentiva
estes encontros de diferentes comunidades e grupos de leitores.
Os livros apresentam a vida e obra do escritor Ferreira
de Castro. Este primeiro volume foca-se nos anos de 1898-1919, detalhando a sua
trajetória desde uma infância marcada por dificuldades até à emigração para o
Brasil, que influenciou profundamente o seu percurso como jornalista e
escritor.
Sinopse
Maina Mendes é uma mulher
silenciada num mundo de homens e dos homens, que cedo
percebe na sua condição imposta, uma forma de a metamorfosear a seu favor: do
silêncio faz a sua resignada mudez.
Indicado para: combater processos de desumanização, injustiça, extremismo/fanatismo religioso, desigualdade, exclusão, ciúme, humilhação, ódio e formas diversas de violência; aliviar tiques de snobismo, arrivismo e excesso de correção política; amparar quadros de envelhecimento, luto, orfandade, saudade, solidão ou desenraizamento;
Efeitos secundários: recuperação de memórias remotas;
possível nostalgia; sentimentos de ternura, carinho, aconchego, solidariedade,
sororidade, empatia e compaixão; predisposição para a amizade, o amor, o
diálogo, o riso, o perdão e a paz; acréscimo de resiliência;
Posologia: Leitura de um conto por dia, à hora de almoço.”
O texto foi retirado da Bertrand Livreiros online, com a devida vénia!
Sinopse
Neste livro, Chico Buarque constrói uma saga familiar, caracterizada pela decadência social e económica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.
Um homem muito velho espera a morte numa cama de
hospital. Membro de uma família tradicional, desfia, num monólogo dirigido a
quem quiser ouvir, a história da sua linhagem, desde os antepassados
portugueses ao avô que lutou pelo fim da escravatura.
Em pleno século XVII, num mundo misto de fantástica
sabedoria e de assustadora barbárie, um jovem estudante italiano viajava
tranquilamente de Veneza para Nápoles quando foi capturado por piratas turcos.
Após algumas voltas e reviravoltas do destino, torna-se escravo de um estranho
cientista turco , conhecido como o Mestre.
Este sábio, ávido pelo conhecimento científico e progressos intelectuais do
Oeste, procura, recorrendo ao diferente saber do prisioneiro, conseguir o seu
aperfeiçoamento intelectual e científico, e nos anos que se seguiram o escravo
ensina ao Mestre o que ele aprendera no velho continente, da medicina à
pirotecnia. Mas Hojas, o Mestre quer mais: quer saber o porquê de serem quem
são e até que ponto, uma vez desvendados e trocados os seus mais íntimos
segredos, as suas identidades não serão confundidas ou trocadas.
Sinopse
Tudo começa com uma panela de água, que Sy
Baumgartner – escritor de renome e professor de Filosofia à beira da reforma –
acabou de esquecer no fogão.
A vida de Baumgartner fora definida pelo seu
profundo amor pela mulher, Anna. Nove anos passaram desde que ela morreu
inesperadamente num bizarro acidente de natação, e Baumgartner continua a lutar
para sobreviver à sua ausência.
O romance de ambos é-nos então desvendado desde o
seu início, em 1968, quando Sy e Anna se conhecem enquanto estudantes falidos
em Nova Iorque, e segue a relação apaixonada que mantêm ao longo dos quarenta
anos seguintes.
Serão as memórias de Baumgartner coincidentes com as
de Anna, cujos textos autobiográficos ele decide agora ler? Porque é que nos
lembramos de certos momentos da nossa vida e esquecemos outros por completo? De
que são feitas as nossas histórias pessoais?
Excecionalmente, este mês a sessão realiza-se na última quinta feira do mês e não na sexta (dia feriado) como é habitual!
Sinopse
De débil constituição física e gago de nascença,
Mizoguchi é o único filho de um bonzo Zen. Ao longo de toda a sua vida,
sente-se diminuído e complexado por causa da sua gaguez, o que o leva a
isolar-se. Quando chega o momento vai estudar para bonzo no Templo Dourado, em
Quioto. Desde cedo preocupado com a Beleza, Mizoguchi vem a desenvolver com o
templo uma relação de dependência obsessiva, que constitui um outro obstáculo à
sua interacção com o mundo exterior. Para ele, O Templo Dourado era
a encarnação última e suprema da Beleza, conceito que esmaga toda a sua
existência. Com a Segunda Guerra Mundial e o Japão do pós-guerra como cenário,
O Templo Dourado é quase um monólogo interior que espelha a repressão e a
obsessão de Mizoguchi, das quais se vem a libertar num final perverso.
O poema “Liberdade”,
de Fernando Pessoa, datado de 16-3-35 (a 8 meses e meio da sua morte), teve a
1ª publicação no nº 526, de 11-9-37, da Seara
Nova, nessa página cuja imagem aí se reproduz.
Coisas estranhas que
nele se dizem ("Ler é maçada", "Livros são papéis pintados com tinta"), em especial por virem de um homem que se fartou de ler (e
escrever), renunciando aos prazeres da vida vivida e a compromissos do coração.
Uma existência excessiva de engenho e arte em que não houve lugar para outras
coisas.
Talvez passe por aqui
a interpretação (biografista e psicológica, desculpem lá) do poema, se é que é
passível de interpretação. Ainda que na dúvida, achamos que D. Sebastião e
Jesus Cristo estão ali só para atrapalhar o leitor ingénuo. Do que ele queria
falar era das flores, do sol e da música, elementos que se encontram com
facilidade (ou talvez não) na composição do amor.
O homem de carne e
sentidos que nele havia já tinha dado sinais da insatisfação. Veja-se o poema
“Dá a surpresa de ser”, feito sob injunção erótica da jovem namorada do mago ocultista Aleister Crowley que o visitara em 1930:
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro
escuro,
Faz bem só pensar em
ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos
parecem
(Se ela estivesse
deitada)
Dois montinhos que
amanhecem
Sem ter que haver
madrugada.
E a mão do seu braço
branco
Assenta em palmo
espalmado
Sobre a saliência do
flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de
gomo.
Meu Deus, quando é que
eu embarco?
Ó fome, quando é que
eu como?
(Arquivo Pessoa, Obra
Édita, datado de 10-9-30)
E agora, cumpridas estas 10 publicações, vou embarcar para outras paragens. Legentes, por favor, não deixeis de fazer as vossas leituras, salvaguardando, claro, o mais que a vida dá.
Confesso com humilde
sinceridade ter aprendido imenso com as leituras feitas em comunidades de
leitores. Acho que partilho com muitos este sentimento pessoal e transmissível:
ler, por sugestão de outros, obras às quais não chegaria com facilidade.
Nem todos pensarão da
mesma maneira e ainda bem. Há os que têm a sua própria orientação literária
(diria mesmo a sua agenda), sejam ou não como o autodidacta de Sarte no romance
A Náusea. Admiro esses espíritos
fortes e independentes, admiro a sua superioridade de leitores.
Assim, venho para o
computador-máquina-de-escrever martelar estas palavras – que não são
interditas, como as do poema de Eugénio de Andrade – sob os efeitos do livro que
se apresenta aí no ápice da publicação e que vou lendo esta semana por
sugestão de bons confrades ledores. Não fossem eles e convenço-me de que só o
leria na eternidade, local, se assim lhe posso chamar, onde se consegue ler
tudo sem preocupações de tempo ou distância. É lá, certamente, que ainda
conseguirei ler Ulisses, de James
Joyce, e A Cidade de Deus, do Bispo
de Hipona, livros começados mas nunca acabados.
Até esses instantes supremos (instantes em sentido figurado, claro) é procurar ser feliz tanto quando for possível. Tenho-me sentido feliz, lendo os contos de Flannery O’ Connor.
Para certas pessoas, a
leitura é uma simples fonte de prazer, enquanto para outras é também formação,
autodidactismo. Já os antigos diziam que o fim da leitura seria o de deleitar e instruir. Ora aí está, isso
mesmo.
Assim começa esta
oitava publicação da “Educação Sentimental dos Legentes”, mas descansai,
leitores, que a coisa não passará do número dez. Será um decálogo sem moral nem
ética, dez mandamentos de quem não sabe mandar e, graças a Deus, é pouco mais
do que um pau mandado.
Hoje falar-se-á de autodidactas
em bibliotecas. Conhecemos alguns: o jovem Saramago da Biblioteca Galveias,
lendo Ricardo Reis convencido de que era um poeta de carne e osso; ou o
Ferreira de Castro, regressado da selva, estudando com afinco na biblioteca
pública de Belém do Pará. Cada caso é um caso.
Curioso é o daquele
autodidacta da biblioteca pública de Bouville (cidade imaginária) de que nos
fala Sartre em A Náusea. Já não me
lembro se o homem tinha nome, tão-pouco o que fazia para além de ler. Antoine
Roquentin (o historiador protagonista do romance) conheceu-o quando na
biblioteca fazia as suas investigações sobre uma qualquer personalidade de séculos passados.
Foi falando com ele e
apercebeu-se dos propósitos que o animavam. Fazer a sua formação, que já se
iniciara há sete anos, lendo todos os livros da biblioteca. O método era seguir
as leituras por ordem alfabética dos nomes dos autores. Começara na letra A e, imagine-se,
já ia na L, estudando os mais variados assuntos, da História e da Filosofia à
Zoologia e à Física Quântica.
Poderia ter seguido de
Z para A que dava o mesmo efeito, mas isso não interessa e aqui fica o caso para
vossa meditação.
Avisai-me, ó leitores,
se souberdes de algum autodidacta na nossa biblioteca. Teria grande prazer em
o conhecer, até de o convidar para se agregar à nossa Comunidade.
Foi redigido tendo
como referência a pintura Le Philosophe
lisant (1734), de Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1699-1779) e é um discurso
sobre a importância e a nobreza do acto de leitura.
Tudo o que a pintura
nos mostra dá conta disso: o homem que lê vestido tal como se vai para uma
cerimónia; o silêncio que se imagina em torno dele, como se estivesse retirado
do mundo, entregue ao prazer supremo da leitura; a ampulheta e a pena sobre a
mesa com significativas conotações de ordem prática e simbólica.
A ampulheta, medidora
do tempo que é escasso para a leitura mas longo para a existência do livro e das
suas personagens. Diz-nos Steiner que «a
vida do leitor mede-se em horas e a do livro em milénios». E também que Flaubert
teria falado na hora da morte sobre o paradoxo de estar ele a morrer enquanto a
“prostituta” Emma Bovary, criatura sua surgida em simples folhas de papel,
continuaria a viver.
Depois a pena, hoje a
caneta ou o lápis com que o leitor toma as notas da sua leitura. Toda a boa leitura
supõe sublinhados, notas à margem, apontamentos em folhas de papel. «Ler bem é
estabelecer uma relação de reciprocidade com o livro que está sendo lido, é
embarcar em uma troca total», diz o autor do ensaio.
Mas afinal, caros
legentes, todos vós procedeis mais ou menos com estes princípios. Claro que há
as adaptações aos tempos modernos. Não vos imagino a vestir os melhores fatos
quando vos pondes diante dos contos de Flannery O´Connor ou dos romances de
Mishima.
E, por favor, nada de
riscar ou anotar as páginas dos livros que haveis requisitado na biblioteca.
Nem a lápis, que as borrachas são cada vez de pior qualidade e torna-se muito
difícil de apagar.
É a história de um fã
– como se diz hoje em linguagem informal – de romances policiais. Não lia,
devorava os romances, desejoso de chegar ao fim e conhecer o verdadeiro
assassino da pobre vítima entre as hipóteses avançadas ao longo do livro.
Tendo como profissão a
de maquinista do metropolitano e sendo tão grande a sua paixão pela leitura,
começou a levar os livros para o comboio, lendo-os sobre o tablier enquanto
efectuava as manobras de condução.
Claro que a coisa deu
mau resultado: não houve propriamente um acidente grave, mas falhas na
informação que pelos altifalantes deveria ser prestada aos passageiros sobre a
passagem pelas diversas estações da linha. Um passageiro percebeu a razão da
sua distração, fez queixa, e o bom do leitor-maquinista foi despedido.
Vem então o mais curioso:
absorvido pela necessidade de procurar emprego, passou apenas a ler anúncios de
jornal, não sendo capaz de voltar aos seus amados romances.
Moral da história:
para ler, temos de ter serenidade, temos de nos sentir bem connosco e com os
que nos rodeiam. A leitura não é uma terapia (para ajuda procurem os
psicólogos ou os bruxos), antes um exercício de pessoas saudáveis que estão bem
com a vida.
Pode haver quem pense o contrário. Há até mediadores de grupos de leitura que ufanamente se autoproclamam biblioterapeutas. Palavra estranha, não é? Mas eles lá saberão porque o dizem.
«Talvez não haja
outros dias da nossa infância que tenhamos vivido tão intensamente como esses
que cremos ter deixado sem os viver, esses que passámos com um livro
preferido».
Esta é a abertura do
texto Sobre a Leitura, de Marcel
Proust. O autor das memórias de Combray com os passeios pelos lados de
Méséglise e Guermantes (Em Busca do Tempo
Perdido), expressa-nos neste livrinho de 70 páginas aquilo que a leitura
pode dar – de prazer e de renúncia a outros prazeres – a quem,
permanecendo neste mundo, quer descobrir os mundos possíveis que se desdobram
triunfantes – umas vezes belos, outras aterradores – perante os prodígios da
imaginação.
O jovem leitor que
associamos a Marcel Proust aproveitava todos os momentos que lhe eram
permitidos para se isolar e se entregar à leitura, sendo por vezes admoestado
por se fechar no seu quarto, evitando os passeios e os convívios familiares.
A leitura é normalmente um acto de isolamento, de solidão. Por isso admiro os que conseguem ler nos transportes públicos – frequentemente lotados e ruidosos –, demonstrando uma capacidade acrescida de permanecerem sozinhos no meio de tantos. Estes serão talvez uns superleitores adaptados à velocidade e escassez de tempo dos nossos dias. Honra lhes seja feita, bem os conheço!
Ignorante que sou de
tantas e tão belas coisas, há semanas que venho fazendo a minha educação
sentimental de legente na cátedra camoniana de Jorge de Sena. Educação sentimental,
não sei se já se percebeu, porque a leitura é um sentimento. E Jorge de Sena,
engenheiro civil da Junta Autónoma das Estradas até se tornar no scholar de Assis, Araraquara, Madison e
Sta. Barbara (uma vida de professor pelo mundo em pedaços repartida) é também,
além disto tudo, poeta, contista e romancista, além de espírito de trato
difícil, agora só tangível em mediúnicos exercícios que não sei se há quem os
faça nem quero saber. Bem, estive no ano passado à beira do seu túmulo no Cemitério dos Prazeres, só isso, e
agradeço à companhia sentimental que me lá levou.
A imagem que acima se
apresenta é, como se vê, do Salmo 136 (137 segundo o número hebraico), súplicas
do povo exilado em Babilónia que Camões glosou nas redondilhas de Babel e Sião,
“Sôbolos rios que vão” ou Super Flumina
Babylonis (a que Jorge de Sena se referiu num conto de Novas Andanças do Demónio):
Sôbolos rios que vão / por Babilónia m´achei, / onde sentado
chorei / as lembranças de Sião / e quanto nela passei. / Ali o rio corrente /
de meus olhos foi manado, / e tudo bem comparado, / Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado. (…)
Um poetastro da nossa
praça atreveu-se a brincar com o assunto em poema dum seu livreco. Perdoai-lhe,
senhores, porque ele, se calhar, não sabia o que fazia.
E assim vamos andando. Muito tardia mas proveitosa (para mim) esta sessão de educação sentimental.
Há uns anos, após a
leitura de um livro de contos de um amigo (edição da Chiado ou outra qualquer
editora do género), exprimi a opinião de que a prosa era boa mas não estava
posta em estilo actual, fazendo lembrar os textos de Camilo ou Júlio Dinis. Respondeu-me
que sim, podia ser verdade, mas o que queria eu que ele fizesse se havia sido com
Camilo e outros do seu século que aprendera?
Milan Kundera tem um
conjunto de ensaios (“Consciência da continuidade”, desse livrinho aí na
imagem) em que é tratado o assunto do inactual em arte. Imaginemos, diz o
escritor, que era possível um virtuoso dos nossos dias compor uma sonata tão
perfeita como uma qualquer de Beethoven, de tal forma que melómanos apurados,
ao ouvi-la, arriscariam tratar-se de obra do grande compositor alemão. Ao
saberem, porém, que não era, que fora um extraordinário virtuoso contemporâneo
a criá-la, não deixariam de rir pela inactualidade do trabalho, reconhecendo-o não como obra de valor original, mas como um simples pastiche.
Isto diz respeito
também à poesia. Tenho falado com leitores que não gostam da poesia moderna
(alguns até não gostam de nenhuma poesia) e sentem que os versos rimados de
Augusto Gil ou João de Deus, quando não os de Guerra Junqueiro, é que lhes
enchem a alma.
Não está em causa a
poesia dos clássicos, isto é, daqueles poetas que por valor lograram romper o esquecimento que o
tempo sempre tece. Eles serão sempre os maiores! Ocorrem-me os nomes de Camões,
Sá de Miranda, Bocage, Quental… Poetas
com quem a poesia contemporânea dialoga com plena consciência do fenómeno da continuidade em arte. É o caso deste poema (“Minha
senhora de mim”) de Maria Teresa Horta. Ecoa nele um conhecido verso de Sá
de Miranda e aqui fica, também, em memória da autora:
Comigo me desavim / minha senhora / de mim // sem ser dor ou ser cansaço / nem o corpo que disfarço // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // nunca dizendo comigo / o amigo nos meus braços // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // recusando o que é desfeito / no interior do meu peito.
A questão do ensino da literatura não é assunto
desinteressante para os leitores do género romance, o mais presente nos
programas dos grupos de leitura, chamem-se eles clubes ou comunidades.
Flannery O´Connor
diz-nos que o foco da leitura de um texto de ficção deve ser posto na obra, naquilo que nela está,
fugindo-se às tentações não literárias de interpretação como a biografia ou a
psicologia do autor.
Na escola aprende-se
com o professor, nos grupos de leitura, se a mediação for eficaz, todos
aprendem com todos.
Lembremo-nos do que
Camões diz em Os Lusíadas: quem não
sabe de arte não a estima. Ora a ficção narrativa é a arte que, diferentemente
de outras artes, nos fala dos sentimentos, da vida e do que esperamos dela.
Aquela arte em que nós mesmos estamos metidos e que é forçoso compreender
para a estimar.
Façamos, pois, a nossa educação sentimental de leitores que só teremos a ganhar com isso.
O título O Romancista Ingénuo e o Sentimental corresponde a um conjunto de conferências proferidas por Orhan Pamuk em 2009 na Universidade de Harvard. Li-as há mais de dez anos, pouco depois da sua publicação em Portugal.
Falando de
romancistas, são também os leitores que estão sob o foco analítico do escritor
turco.
Temos assim o leitor
ingénuo e o sentimental, sendo que este é o leitor reflexivo, o que sente a leitura para lá do mero
entretenimento ou da devassa de vidas excepcionais proporcionadas pela arte do
romance.
Enquanto o leitor
ingénuo, desejoso de conhecer o desfecho dos enredos, abomina muitas vezes as
descrições demoradas e atribui menor importância à profundidade psicológica das
personagens, o leitor sentimental-reflexivo procura aquilo a que Pamuk chama o centro do romance, ou seja, a coerência
interna da obra, por vezes dissimulada no subtexto ou na propensão alegórica da
voz narrativa.
Uns e outros (leitores ingénuos e sentimental-reflexivos) partilham da enorme alegria de ler romances. Ambos se aceitam como sinceros e estimáveis, o que não significa que não tentemos fazer alguma coisa para os tornar melhores.
Do sul dos Estados Unidos
chegam-nos estes contos de uma profunda narrativa, de uma tensão permanente,
onde a incógnita do que vai acontecer é uma constante. Há uma oscilação
dramática entre o humor, o caricato e a violência. Flannery O’Connor tem o dom
de nos prender desde a primeira palavra até à última linha…
Data: 10 de janeiro de 2025 | 18h00
Local: Biblioteca Municipal de Sintra
Palavras Silenciadas: Histórias e Censura nos Livros
Proibidos
Uma conversa que explora o universo dos livros censurados
durante o Estado Novo, refletindo sobre o impacto da censura em autores,
leitores e liberdade de expressão a partir da análise das obras de dois
importantes escritores portugueses: Ferreira de Castro e José Régio.
Esta sessão contará com as seguintes comunicações:
∙ Ferreira de Castro, a censura e a autocensura -
Ricardo António Alves;
. José Régio e a censura - Manuel
Matos Nunes
Alguém
escreveu que este livro é uma fábula de "relato violentamente
satírico sobre a figura de Salazar". Vamos ler e perceber a razão desta opinião…
2024
começou com o habitual jantar anual da Comunidade que teve lugar no Dia de
Reis. Celebrámos a chegada de tão emblemáticas majestades e celebrámos,
sobretudo, o nosso amor pelos livros e tudo o que vem no seu caminho.
O primeiro trimestre recebeu o mote “Talvez Romance Histórico” e por conta disso o mês de janeiro começou em grande: “Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde” do escritor Mário de Carvalho fez as delícias de todos e foram muitos os que leram e estiveram presentes nesta sessão: 28 leitores! Numa autêntica jornada pela língua portuguesa, o escritor apresenta-nos o dia a dia da fictícia cidade romana de Tarcisis, mas que mostra toda a estrutura e organização sociopolítica de uma qualquer real cidade romana. Os acontecimentos descritos decorrem no séc II e são-nos expostos pela voz de Lúcio Valério, magistrado da cidade, um homem bom que tenta desenvolver o seu trabalho de forma justa, mas sem deixar de corresponder à ordem emanada de Roma, numa época em que os primeiros grupos de Cristãos se começam a manifestar, colocando em causa tudo o que até aí era norma em termos de Deuses e religiões. Uma imensa riqueza de detalhes, fazem do romance quase que um manual de história sobre a civilização romana.
Logo no início de fevereiro, alguns dos nossos leitores marcaram presença no Supremo Tribunal de Justiça, para a apresentação do romance “Alegações Finais” do nosso conhecido e estimado Carlos Querido. Durante a sua intervenção, o escritor aludiu à nossa Comunidade de Leitores e à nossa participação em anteriores sessões sobre obras suas, nomeadamente as que tiveram lugar na Feira do Livro em torno do romance histórico “A Redenção das Águas” e da coletânea de contos “Habeas Corpus”. Ficou no ar a possibilidade de o convidarmos a participar numa futura sessão, sobre este seu último romance.
O livro do mês remeteu-nos
para a II Guerra Mundial e a participação de um grupo de mergulhadores de
combate da Regina Marina italiana neste conflito. “O Italiano” de Arturo Pérez-Reverte trouxe-nos a história dos Maiali,
autênticos torpedos humanos que detonaram vários navios aliados no
Mediterrâneo. O enredo conta-nos a história da livreira Elena Arbuès e do seu
envolvimento com o oficial Teseo Lombardo e a ação desenrola-se na Baía de
Algeciras e no Rochedo de Gibraltar. Baseado em facto reais esta história
aparece-nos sobre a perspetiva do lado contrário aos aliados, o que não é muito
comum, trazendo à superfície o facto dos bons não estarem todos do lado
ganhador nem os maus do lado perdedor. Um romance muito bem escrito com algumas
descrições quase cinematográficas, deu-nos a conhecer um lado pouco falado da
guerra. 25 pessoas presentes e 5 que não leram.
Março começou bem, logo no dia 1, com a apresentação do livro de poesia “Pó Ético” da
nossa companheira de leituras Marta Meireles. Um momento bonito partilhado
por familiares, amigos, alunos e muitos dos membros desta Comunidade. Ficámos a
conhecer as palavras que escreve de forma interventiva, ora mordaz ora irónica,
divertida, inteligente, acutilante e muito inconformada. Que boa surpresa que
foi!
A meio do mês mais uma atividade fora de portas: manhã de poesia no Cemitério dos Prazeres, onde homenageámos alguns dos poetas, ali eternamente residentes: Mário Cesariny, Jorge de Sena, Cesário Verde, Al Berto, António Ramos Rosa e Alcipe, Marquesa de Alorna. Com um programa bem delineado e coordenado pelo Manuel Nunes e pela Paula Silva, para além de ficarmos a saber um pouco mais da vida daqueles poetas, foram ditos vários dos seus poemas pelos nossos inspirados leitores. Uma bonita manhã de quase Primavera que terminou com mais um salutar almoço convívio.
O autor do mês foi Alves Redol com o livro “Os Reinegros”. Publicado 3 anos depois da sua morte, o romance neorrealista debruça-se mais uma vez sobre as vidas sofridas dos mais desfavorecidos. Um romance urbano, passado nos tempos conturbados e febris da implantação da primeira república, oferece-nos algumas personagens de grande densidade psicológica, nomeadamente Alfredo e Luísa, o casal Reinegros. Uma luta constante, mas algo inglória, contra a miséria, a pobreza e o surgimento do que se pode chamar de consciência política e social, foram os temas centrais da trama. 21 leitores, dos quais 3 não leram, proporcionaram uma discussão bem viva e entusiasmante.
Para o segundo trimestre o mote foi “Nos 50 Anos do 25 de Abril”. Em consonância entrámos em abril com “Portugal, a Flor e a Foice” de J. Rentes de Carvalho. Um mergulho em alguns factos da nossa história, com a desconstrução de mitos e dados tidos como adquiridos e uma visão muito crítica sobre a revolução dos cravos, os seus antecedentes e consequências. Um olhar de fora para dentro, de alguém que vivendo a maior parte da sua vida nos Países Baixos, beneficiou necessariamente de uma aculturação muito própria. Estiveram presentes 18 leitores (3 que não leram o livro), numa sessão muito animada, a qual contou com poemas e uma instalação comemorativa da Liberdade.
Maio trouxe de novo Agustina Bessa-Luís e o seu “Os Meninos de Ouro”. A escritora raramente é consensual e numa avaliação mais radical, está um pouco na onda do “ou se ama ou se odeia”. Mas que a sua escrita é intemporal, ninguém duvida. Com este romance as opiniões voltaram a dividir-se e houve quem gostasse muito e quem se tivesse arrastado na leitura. A história desenrola-se em torno de José Matildes, menino de uma grande e tradicional família do Douro, homem político no pós-revolução e advogado de formação, que enquanto se dedica à sua atividade política, contradizendo a sua carga de homem extremamente rígido nos seus valores morais, acaba por abandonar a sua mulher Rosamaria, juntando-se a Marina, uma mulher sofisticada, em quem José projeta a sua ânsia de libertação dos seus fantasmas. José é facilmente identificado como o malogrado primeiro ministro de Portugal, Sá Carneiro. Estiveram presentes 18 elementos e 7 não leram ou não terminaram a leitura.
Junho, foi mês de feira do livro em Lisboa, com diversas atividades aliciantes para os leitores e também o términus do trimestre comemorativo da revolução, com “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge. Um romance bem recebido por todos, que nos devolveu à memória acontecimentos que não devem ser esquecidos. Através do olhar de três jovens e a partir de uma fotografia de grupo, embarcamos numa viagem evocativa dos caminhos da revolução dos cravos, através de um conjunto de entrevistas às pessoas que nela constam, todos com um papel mais ou menos relevante nos acontecimentos daquela “bela madrugada que tantos esperavam”. Houve quem visse uma visão melancólica da revolução com alguma ambiguidade e ironia. Quem dissesse que trocava a melancolia pelo desencanto. Quem sentisse algum desalento, mas mesmo assim uma esperança. E todos tentaram identificar as personagens ficcionais com as personagens reais dos acontecimentos. Foi uma sessão bonita em que estiveram presente 21 elementos, dos quais 3 não leram o livro.
O 3º Trimestre veio sob o mote - Romance! Romance! Romance! – pelo que, em julho, chegou “Justine” de Lawrence Durrel. Sendo o primeiro dos quatro romances que formam “O Quarteto de Alexandria”, esta foi uma leitura que alguns consideraram de excessos até mesmo a roçar o barroco. Encontros e desencontros de um grupo de pessoas relacionadas entre si sob diferentes formas: amizade; amor; paixão e mesmo ódio, tendo como personagem central a excêntrica e algo decadente cidade de Alexandria. Justine, mulher exótica, linda, rica, misteriosa e judia, com um passado doloroso, é a personagem em torno de quem gravitam homens e mulheres eroticamente obcecados por ela que, por sua vez os usa para saciar os seus próprios demónios. Entre os que gostaram muito e os que nem por isso, apenas 2 dos 19 presentes não leram ou não acabaram.
Agosto é por sinónimo, mês de férias. Talvez por isso, surgiu uma leitura mais leve do que o habitual. “Praça do Rossio, Nº 59” de Jeannine Johnson Maia, trouxe-nos um tema muito sério e importante, mas apresentado de uma forma ligeira. Em 1940, numa cidade de Lisboa, então uma placa giratória para a saída daqueles que fugiam da Guerra, desenrola-se durante 9 dias, uma história romanceada entre os jovens António, português, empregado de mesa no café Chave d’Ouro e carteirista nas horas vagas e Claire uma refugiada franco-americana que chega à estação do Rossio, em trânsito para apanhar um barco para a América. As suas vidas cruzam-se numa intriga de espionagem e política numa Lisboa salazarista, supostamente neutra, mas…onde ninguém está seguro, sobretudo os que estão do lado certo da guerra. 20 leitores presentes, tendo todos lido o romance e considerado uma leitura agradável apesar da sua ligeireza.
Em setembro conhecemos a escrita de Javier Marías e o seu “Berta Isla”. Uma avalanche de reflexões, uma avalanche de parágrafos, uma avalanche de palavras. Uma imensa densidade de escrita, transporta-nos através da vida de Berta Isa e do seu muito ausente marido Tomas Nevinson. Um ambiente de espionagem, de suposições, de mil perguntas e poucas ou quase nenhumas respostas. Aprender a viver com a espera e construirmos o nosso eu através dela. Foi muito do agrado das 25 pessoas presentes, das quais, 4 não conseguiram ler ou acabar de ler o livro.
Entrámos no último trimestre do ano sob o mote “Outros Géneros”. Assim, Outubro trouxe-nos o conto de Karen Blixen “A Festa de Babette”. Parafraseando o nosso coordenador Manuel Nunes este é “…um conto de proveito e exemplo. Proveito por nos instruir sobre tantas coisas da vida, exemplo por nos indicar caminhos a seguir, e isto sem deixar de nos deleitar pelos lances curiosos e engraçados com que nos deparamos ao longo do texto…”. Uma escrita suave e encantadora, uma história que celebra a vida e que reconcilia. Um prazer imenso na leitura, foi a conclusão dos 22 leitores presentes, onde apenas 1 não teve oportunidade de ler.
Em novembro, um pequeno grupo da nossa Comunidade, esteve na Biblioteca Central de Almada, a propósito da programação relativa à comemoração do seu 27º Aniversário, que incluiu o 1º Encontro dos Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. A nossa leitora Maria José Correia (Joca), foi convidada a participar na mesa do encontro. O testemunho da sua participação que também funciona como registo histórico da vida desta Comunidade de Leitores até aos dias de hoje, foi objeto de uma publicação própria neste blogue.
Dezembro chegou de forma poética. O último livro do ano encerrou o mesmo de um jeito bonito e até mesmo encantador. “O Eremita Viajante” de Matsuo Bashô, encantou a Comunidade, com a beleza dos seus haikus, a poesia tradicional japonesa, que num formato curto de apenas 3 versos, capta o instante em que cada palavra assume uma força maior. Falou-se, por exemplo de escassez lexical, de minimalismo, da beleza do pormenor e da plenitude do instante, entre outros. Uma leitura feliz para a maior parte dos 20 leitores presentes, dos quais apenas 5 não leram ou não completaram a leitura.
E terminou assim mais um ano de leituras em comum, em que a partilha de ideias, de conhecimento e de opiniões nos entusiasmou ao longo das diferentes sessões, sempre muito concorridas. Novos leitores foram aparecendo, uns de forma pontual, outros acabando por se tornar “residentes”.
Agradecemos mais uma vez à
Biblioteca de São Domingos de Rana e aos seus responsáveis, pela cedência do
espaço e pela disponibilidade, essenciais para a continuidade desta Comunidade.
Bom Ano 2025
Reading Sibyl - Simone
Cantarini
1º Trimestre - NASCIDOS HÁ 100 ANOS
31 de janeiro - Dinossauro
Excelentíssimo, José Cardoso Pires,
28 de fevereiro - Um
Bom Homem é Difícil de Encontrar, Flannery ’Connor
28 de março - O
Templo Dourado, Yukio Mishima
2º Trimestre - ROMANCE, PARA QUE TE QUERO?
24 de abril – Não há
Morte nem Princípio, Mário Dionísio
30 de maio –
Baumgarter, Paul Auster
27 de junho – A Cidadela
Branca, Orhan Pamuk
3º Trimestre - ROMANCISTAS
PRÉMIO CAMÕES
25 de julho - Leite
Derramado, Chico Buarque
29 de agosto –
Compêndio para Desenterrar Nuvens, Mia Couto
26 de setembro –
Maina Mendes, Maria Velho da Costa
4º Trimestre – OUTROS
GÉNEROS
(teatro, ensaio, poesia, romance gráfico)
31 de outubro – Homem
de Palavra(s), Ruy Belo
28 de novembro –
Ferreira de Castro, Uma Biografia, Ricardo António Alves
19 de dezembro –
Antígona, Sófocles
(Falto eu na foto porque estava atrás da lente 😃)
No passado dia 23 de novembro, um pequeno grupo da nossa
Comunidade, esteve na Biblioteca Central de Almada, a propósito da programação
relativa à comemoração do seu 27º Aniversário. A nossa leitora Maria José
Correia (Joca), foi convidada a participar na mesa do 1º Encontro dos
Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de
Lisboa e deixa-nos aqui o testemunho da sua participação. Ao mesmo tempo o seu
texto funciona como registo histórico da vida desta Comunidade de Leitores,
até aos dias de hoje.
"O Davide Freitas, nosso amigo e colaborador da Biblioteca do Feijó, em Almada, convidou-me para representar a nossa Comunidade de Leitores, no 1º Encontro dos Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. E eu fui.
Este Encontro realizou-se no sábado, dia 23 de novembro,
pelas 16h, com entrada livre, no âmbito do 27º aniversário da Biblioteca
Central de Almada, com a presença da Direção-Geral dos Livros, dos Arquivos e das
Bibliotecas. Antes, realizaram-se as cerimónias de entrega de dois prémios
literários: Prémio Literário Cidade de Almada, Modalidade Romance, 36ª Edição
(atribuído a “A matéria das estrelas”, de Isabel Rio Novo), e Prémio Literário
Maria Rosa Colaço, Literatura juvenil, 19ª Edição (atribuído a “A colina”, de Rui
Cerqueira Coelho).
A sessão do Encontro teve a presença da DGLAB (Bruno
Eiras) e foi moderada por José Mário Silva, jornalista do Expresso.
Participaram na mesa, para além das citadas pessoas, representantes dos Grupos/Comunidades
de Leitores da Biblioteca de S. Domingos de Rana, Cascais; da Biblioteca de
Oeiras; da Bibliotecas das Galveias, Lisboa; e da Biblioteca José Saramago,
Feijó, Almada. Participou também o escritor e cronista do Público João da
Silva.
A minha intervenção desenvolveu-se em três ideias
principais: a história da formação da nossa Comunidade, as nossas principais
características diferenciadoras dos demais grupos de leitores e a nossa forma
de organização e funcionamento.
O histórico das origens da nossa Comunidade pode ser lido
integralmente ao longo dos registos do nosso blog COM OLHOS DE LER. A Biblioteca
de S.D. Rana foi inaugurada em 2005. Em 2006, e no âmbito da promoção da leitura,
do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, foram realizadas algumas
sessões de dinamização, conduzidas pela Profª. Paula Coelho, da Universidade
Aberta. A participação foi reunindo as pessoas que viriam a ser o cerne da
nossa Comunidade, cuja primeira reunião formal ocorreu em 26 de fevereiro de
2007, de onde surgiriam as ideias mestras de funcionamento e o plano de
leituras do ano. A minha primeira participação só viria a acontecer mais tarde,
na sessão de julho de 2009.
Ao longo destes 17 anos, a Comunidade reuniu regularmente
na última sexta-feira de cada mês, sempre à noite, 12 vezes por ano, o que dá
mais de 200 livros lidos e debatidos. A Comunidade de Leitores é uma
organização informal, independente, que utiliza as instalações da Biblioteca de
S.D. Rana. Tem um coordenador, o nosso amigo Manuel Nunes, e agrega pessoas de diversas
origens, formações, profissões (nenhum bibliotecário) e idades, cujo perfil é o
mesmo: gosto por livros e leitura como primeiro passo para uma conversa aberta
e coletiva. O número de presenças tem variado ao longo dos anos, tendo sido
assinalado um máximo de 32 pessoas presentes; atualmente as sessões reúnem
entre 20 a 25 pessoas; os leitores efetivos são habitualmente maioritários no
número de presenças; a larga maioria das presenças é constituída por mulheres.
O plano de leituras é definido nos últimos meses de cada
ano, a partir das sugestões dos participantes, com organização final do coordenador;
habitualmente, os livros são ordenados de forma temática em cada trimestre; o
plano final é divulgado na Agenda Cultural de Cascais, no nosso blog e no nosso
FB. Os livros e as leituras têm sido o pretexto e o móbil, para desenvolvermos
outras atividades de âmbito cultural, sendo de destacar: várias viagens (a
Toledo (D. Quixote, Cervantes), à Madeira (Eternidade, Ferreira de Castro), aos
Açores (Mau tempo no Canal, Vitorino Nemésio), a Portalegre (Davam grandes
passeios ao domingo, José Régio), a Amarante (Espingardas e música clássica,
Alexandre Pinheiro Torres), a Leiria (O crime do Padre Amaro, Eça de Queirós),
a Tormes e S. Miguel de Seide (Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco);
participação em outras Comunidades e Grupos de leitores; passeios e roteiros
temático; idas a cinema, teatro e exposições; apresentação de livros e Feira do
Livro de Lisboa. Na nossa Comunidade de Leitores, todos são bem vindos, todos
têm oportunidade de apresentar os seus pontos de vista, e há sempre espaço para
acrescentar uma cadeira na roda, forma como nos colocamos nas nossas sessões.
Foi-me colocada uma questão pessoal sobre a minha
experiência na Comunidade, que efeitos teve na minha forma de ler, se me
transformou de alguma maneira enquanto leitora. Com efeito, sempre li muito e
tenho o gosto de ler, sendo “filha” das Bibliotecas Itinerantes da Fundação
Calouste Gulbenkian. Com a participação na Comunidade de Leitores, senti
necessidade de ler com mais atenção, de reter passagens e opiniões sobre cada
livro, de pesquisar para melhor compreender e argumentar na análise e no debate
que envolve cada sessão. E como as conversas são como as cerejas…e as leituras
também, atrás de cada livro vêm conversas, histórias, ideias, outros livros,
filmes, teatros, viagens, exposições, passeios, caminhadas, jardins, parques, piqueniques,
ágapes, gastronomia…enfim, uma vida mais enriquecida, do ponto de vista pessoal
e cultural.
Que este 1º Encontro dos Grupos de Leitores seja a
primeira iniciativa no reconhecimento e na visibilidade destas entidades
culturais, enquanto agentes promotores do livro e da leitura. E já que os
preços de mercado não ajudam na aquisição de livros, que as ajude a atualização
dos catálogos e o alargamento de horários das bibliotecas, enquanto serviço
público de acesso e fruição livres."