A LAMENTAÇÃO DE PROCUSTO
I
Reconheço os crimes que cometi, o terror que
espalhei pela Ática, infligindo aos viandantes os suplícios do leito. Via-os
chegar exaustos ao cais do porto onde os esperava, queimados de vento e
pó, as sandálias e as túnicas desfeitas,– de bom grado
aceitavam a miragem de repouso que lhes prometia.
II
Confesso que sofria.
Perturbava-me a impiedade dos deuses, o fogo sombrio da
desigualdade nos olhos dos homens, o rápido fluir da vida sob as pontes
do destino absurdo. Mas o mal que pratiquei nunca me
concedeu a satisfação, nunca tive prazer em ver no rosto das vítimas o reflexo
cruel do pavor sem limites: fiz apenas o que estava destinado
fazer-se desde o princípio dos tempos.
III
Capturou-me Teseu numa vereda que levava a
Elêusis. O dia era uma promessa de luz e havia no ar um cheiro
brando a pinheiros. Eu tinha os olhos rasgados de viandantes e as mãos tolhidas
de sangue.
IV
Morri no suplício do leito, mas os meus membros
decepados, vivos em metáforas, atravessaram o martírio da História
por séculos de luz e de trevas.
V
Bastava o frio castigo de Teseu e a mortalha de
silêncio sobre o meu ser desprezível: a moeda ao barqueiro, o rio
sem regresso. Teria descido em paz ao reino das sombras, aliviado
dos meus crimes e da tirania dos deuses. Teria
descansado, enfim, no leito do olvido.
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