“É contudo
um tempo de contrariedades. Agora sairão as freiras de Santa Mónica em extrema
indignação, insubordinando-se contra as
ordens de el-rei de que só pudessem falar nos conventos aos pais, filhos,
irmãos e parentes até segundo grau, com o que pretende sua majestade pôr cobro
ao escândalo de que são causa os freiráticos, nobres e não nobres, que
frequentam as esposas do Senhor e as deixam grávidas no tempo de uma ave-maria,
que o faça D. João V, só lhe fica bem, mas não um joão-qualquer ou um josé-ninguém.”
JOSÉ
SARAMAGO, Memorial do Convento
Esta passagem do romance – em que
Saramago põe o freirático D. João V a decidir em causa própria – é
possivelmente inspirada no cisma das religiosas de Santa Mónica do convento de
Goa.
Por volta de 1730, tinha aquele
convento cerca de noventa religiosas, sendo possuidor de uma notável riqueza. A
autoridade eclesiástica, arcebispo D. Inácio de Santa Teresa (1682-1751),
determinou então, como resposta a alguma devassidão existente na casa, a
nomeação de confessores e procuradores não agostinhos, decisão que, por ser contrária
ao estatuto do convento, não foi aceite pela maioria das religiosas. Estas,
dirigidas pela prioresa Madalena de Santo Agostinho, quebraram a clausura, o
que foi motivo de grande escândalo.
O conflito arrastou-se por longo
tempo e, ao que parece, o rei até exerceu, a distância, um papel conciliador,
não desautorizando o arcebispo, mas procurando compreender as razões
das desobedientes.
Pesquisa efectuada em:
- "O
Reyno de Deus e sua Justiça", de Ana Maria Mendes Ruas Alves, tese de
doutoramento, Universidade de Coimbra, 2012.
- Inácio
de Santa Teresa-Construção da biografia dum arcebispo, de José Maria
Mendes, dissertação de mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
2012.
Até agora, não encontrei para a época qualquer registo de insubordinação de religiosas de Santa Mónica, quer em Lisboa, quer no restante território metropolitano. Mas pode ser que se tenha verificado. Se alguém
souber, que fale.
2 comentários:
Totalmente a propósito. Em tempo de comemorar saudáveis insubordinações, faz todo o sentido lembrar a das religiosas de Santa Mónica de Goa.
Em boa hora o tempo chuvoso me impediu ocupações hortícolas aqui pela serra. E me convidou a uma vista de olhos pelo "COM OLHOS DE LER".
Para que conste, aqui fica lavrado o testemunho da minha incondicional solidariedade com as freiras. De facto, em tempo de luta pela inclusão, excluir Agostinho da memória da igreja, essencialmente a sua face de mulherengo incorrigível, é coisa de bradar aos céus.
Inspiradas pela vida do santo, que tenham pois curtido grandes bacanais as freiras, em companhia dos seus "frequentadores"; que o céu é o céu e a terra é a terra.
Abraço para o coletivo do blog.
nelson (miranda do corvo)
Amigo Nelson:
É difícil viver entre as fraquezas da carne e a paixão pelo divino amante. Há que perdoar-lhes.
Desejo-lhe a si e a todos os leitores uma boa sessão com "A Brasileira de Prazins".
E que o tempo melhore para os trabalhos hortícolas. :)
Abraço
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