O poema “Liberdade”,
de Fernando Pessoa, datado de 16-3-35 (a 8 meses e meio da sua morte), teve a
1ª publicação no nº 526, de 11-9-37, da Seara
Nova, nessa página cuja imagem aí se reproduz.
Coisas estranhas que
nele se dizem ("Ler é maçada", "Livros são papéis pintados com tinta"), em especial por virem de um homem que se fartou de ler (e
escrever), renunciando aos prazeres da vida vivida e a compromissos do coração.
Uma existência excessiva de engenho e arte em que não houve lugar para outras
coisas.
Talvez passe por aqui
a interpretação (biografista e psicológica, desculpem lá) do poema, se é que é
passível de interpretação. Ainda que na dúvida, achamos que D. Sebastião e
Jesus Cristo estão ali só para atrapalhar o leitor ingénuo. Do que ele queria
falar era das flores, do sol e da música, elementos que se encontram com
facilidade (ou talvez não) na composição do amor.
O homem de carne e
sentidos que nele havia já tinha dado sinais da insatisfação. Veja-se o poema
“Dá a surpresa de ser”, feito sob injunção erótica da jovem namorada do mago ocultista Aleister Crowley que o visitara em 1930:
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro
escuro,
Faz bem só pensar em
ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos
parecem
(Se ela estivesse
deitada)
Dois montinhos que
amanhecem
Sem ter que haver
madrugada.
E a mão do seu braço
branco
Assenta em palmo
espalmado
Sobre a saliência do
flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de
gomo.
Meu Deus, quando é que
eu embarco?
Ó fome, quando é que
eu como?
(Arquivo Pessoa, Obra
Édita, datado de 10-9-30)
E agora, cumpridas estas 10 publicações, vou embarcar para outras paragens. Legentes, por favor, não deixeis de fazer as vossas leituras, salvaguardando, claro, o mais que a vida dá.