01 julho 2025

“Leite Derramado” de Chico Buarque – 25 de julho às 20h00

 


Sinopse 

Neste livro, Chico Buarque constrói uma saga familiar, caracterizada pela decadência social e económica, tendo como pano de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. 

Um homem muito velho espera a morte numa cama de hospital. Membro de uma família tradicional, desfia, num monólogo dirigido a quem quiser ouvir, a história da sua linhagem, desde os antepassados portugueses ao avô que lutou pelo fim da escravatura.

01 junho 2025

“A Cidadela Branca” de Orhan Pamuk - 27 de junho às 20h00


Sinopse

Em pleno século XVII, num mundo misto de fantástica sabedoria e de assustadora barbárie, um jovem estudante italiano viajava tranquilamente de Veneza para Nápoles quando foi capturado por piratas turcos. Após algumas voltas e reviravoltas do destino, torna-se escravo de um estranho cientista turco , conhecido como o Mestre.
Este sábio, ávido pelo conhecimento científico e progressos intelectuais do Oeste, procura, recorrendo ao diferente saber do prisioneiro, conseguir o seu aperfeiçoamento intelectual e científico, e nos anos que se seguiram o escravo ensina ao Mestre o que ele aprendera no velho continente, da medicina à pirotecnia. Mas Hojas, o Mestre quer mais: quer saber o porquê de serem quem são e até que ponto, uma vez desvendados e trocados os seus mais íntimos segredos, as suas identidades não serão confundidas ou trocadas.


01 maio 2025

30 de maio – "Baumgartner" de Paul Auster – às 20h00

 

Sinopse 

Tudo começa com uma panela de água, que Sy Baumgartner – escritor de renome e professor de Filosofia à beira da reforma – acabou de esquecer no fogão.

A vida de Baumgartner fora definida pelo seu profundo amor pela mulher, Anna. Nove anos passaram desde que ela morreu inesperadamente num bizarro acidente de natação, e Baumgartner continua a lutar para sobreviver à sua ausência.

O romance de ambos é-nos então desvendado desde o seu início, em 1968, quando Sy e Anna se conhecem enquanto estudantes falidos em Nova Iorque, e segue a relação apaixonada que mantêm ao longo dos quarenta anos seguintes.

Serão as memórias de Baumgartner coincidentes com as de Anna, cujos textos autobiográficos ele decide agora ler? Porque é que nos lembramos de certos momentos da nossa vida e esquecemos outros por completo? De que são feitas as nossas histórias pessoais?

01 abril 2025

“Não há Morte nem Princípio”, Mário Dionísio – 24 de abril às 20h00


Este é o único romance de Mário Dionísio, autor de contos e poesia e também pintor. Disse o autor em determinado momento: “Este romance é o meu texto mais neo-realista”. Segundo José Cardoso Pires, é “um romance do tempo suspenso. Um romance que se fecha com uma vírgula.” Nada como fazermos a nossa própria apreciação na leitura…

Excecionalmente, este mês a sessão realiza-se na última quinta feira do mês e não na sexta (dia feriado) como é habitual!

01 março 2025

O Templo Dourado de Yukio Mishima – 28 de março às 20h00


 

Sinopse 

De débil constituição física e gago de nascença, Mizoguchi é o único filho de um bonzo Zen. Ao longo de toda a sua vida, sente-se diminuído e complexado por causa da sua gaguez, o que o leva a isolar-se. Quando chega o momento vai estudar para bonzo no Templo Dourado, em Quioto. Desde cedo preocupado com a Beleza, Mizoguchi vem a desenvolver com o templo uma relação de dependência obsessiva, que constitui um outro obstáculo à sua interacção com o mundo exterior. Para ele, O Templo Dourado era a encarnação última e suprema da Beleza, conceito que esmaga toda a sua existência. Com a Segunda Guerra Mundial e o Japão do pós-guerra como cenário, O Templo Dourado é quase um monólogo interior que espelha a repressão e a obsessão de Mizoguchi, das quais se vem a libertar num final perverso.

26 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (10)

O poema “Liberdade”, de Fernando Pessoa, datado de 16-3-35 (a 8 meses e meio da sua morte), teve a 1ª publicação no nº 526, de 11-9-37, da Seara Nova, nessa página cuja imagem aí se reproduz.

Coisas estranhas que nele se dizem ("Ler é maçada", "Livros são papéis pintados com tinta"), em especial por virem de um homem que se fartou de ler (e escrever), renunciando aos prazeres da vida vivida e a compromissos do coração. Uma existência excessiva de engenho e arte em que não houve lugar para outras coisas.

Talvez passe por aqui a interpretação (biografista e psicológica, desculpem lá) do poema, se é que é passível de interpretação. Ainda que na dúvida, achamos que D. Sebastião e Jesus Cristo estão ali só para atrapalhar o leitor ingénuo. Do que ele queria falar era das flores, do sol e da música, elementos que se encontram com facilidade (ou talvez não) na composição do amor.

O homem de carne e sentidos que nele havia já tinha dado sinais da insatisfação. Veja-se o poema “Dá a surpresa de ser”, feito sob injunção erótica da jovem namorada do mago ocultista Aleister Crowley que o visitara em 1930:

 

Dá a surpresa de ser.

É alta, de um louro escuro,

Faz bem só pensar em ver

Seu corpo meio maduro.

 

Seus seios altos parecem

(Se ela estivesse deitada)

Dois montinhos que amanhecem

Sem ter que haver madrugada.

 

E a mão do seu braço branco

Assenta em palmo espalmado

Sobre a saliência do flanco

Do seu relevo tapado.

 

Apetece como um barco.

Tem qualquer coisa de gomo.

Meu Deus, quando é que eu embarco?

Ó fome, quando é que eu como?

 

(Arquivo Pessoa, Obra Édita, datado de 10-9-30)

 

E agora, cumpridas estas 10 publicações, vou embarcar para outras paragens. Legentes, por favor, não deixeis de fazer as vossas leituras, salvaguardando, claro, o mais que a vida dá.

24 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (9)

                              

Confesso com humilde sinceridade ter aprendido imenso com as leituras feitas em comunidades de leitores. Acho que partilho com muitos este sentimento pessoal e transmissível: ler, por sugestão de outros, obras às quais não chegaria com facilidade.

Nem todos pensarão da mesma maneira e ainda bem. Há os que têm a sua própria orientação literária (diria mesmo a sua agenda), sejam ou não como o autodidacta de Sarte no romance A Náusea. Admiro esses espíritos fortes e independentes, admiro a sua superioridade de leitores.

Assim, venho para o computador-máquina-de-escrever martelar estas palavras – que não são interditas, como as do poema de Eugénio de Andrade – sob os efeitos do livro que se apresenta aí no ápice da publicação e que vou lendo esta semana por sugestão de bons confrades ledores. Não fossem eles e convenço-me de que só o leria na eternidade, local, se assim lhe posso chamar, onde se consegue ler tudo sem preocupações de tempo ou distância. É lá, certamente, que ainda conseguirei ler Ulisses, de James Joyce, e A Cidade de Deus, do Bispo de Hipona, livros começados mas nunca acabados.

Até esses instantes supremos (instantes em sentido figurado, claro) é procurar ser feliz tanto quando for possível. Tenho-me sentido feliz, lendo os contos de Flannery O’ Connor.  

21 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (8)

Para certas pessoas, a leitura é uma simples fonte de prazer, enquanto para outras é também formação, autodidactismo. Já os antigos diziam que o fim da leitura seria o de deleitar e instruir. Ora aí está, isso mesmo.

Assim começa esta oitava publicação da “Educação Sentimental dos Legentes”, mas descansai, leitores, que a coisa não passará do número dez. Será um decálogo sem moral nem ética, dez mandamentos de quem não sabe mandar e, graças a Deus, é pouco mais do que um pau mandado.

Hoje falar-se-á de autodidactas em bibliotecas. Conhecemos alguns: o jovem Saramago da Biblioteca Galveias, lendo Ricardo Reis convencido de que era um poeta de carne e osso; ou o Ferreira de Castro, regressado da selva, estudando com afinco na biblioteca pública de Belém do Pará. Cada caso é um caso.

Curioso é o daquele autodidacta da biblioteca pública de Bouville (cidade imaginária) de que nos fala Sartre em A Náusea. Já não me lembro se o homem tinha nome, tão-pouco o que fazia para além de ler. Antoine Roquentin (o historiador protagonista do romance) conheceu-o quando na biblioteca fazia as suas investigações sobre uma qualquer personalidade de séculos passados.

Foi falando com ele e apercebeu-se dos propósitos que o animavam. Fazer a sua formação, que já se iniciara há sete anos, lendo todos os livros da biblioteca. O método era seguir as leituras por ordem alfabética dos nomes dos autores. Começara na letra A e, imagine-se, já ia na L, estudando os mais variados assuntos, da História e da Filosofia à Zoologia e à Física Quântica.

Poderia ter seguido de Z para A que dava o mesmo efeito, mas isso não interessa e aqui fica o caso para vossa meditação.

Avisai-me, ó leitores, se souberdes de algum autodidacta na nossa biblioteca. Teria grande prazer em o conhecer, até de o convidar para se agregar à nossa Comunidade.  


18 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (7)

 O ensaio “O Leitor Incomum”, de George Steiner, encontra-se publicado em Paixão Intacta, edição da Relógio d´Água de 2003, mas o texto pode ser encontrado na Net se for feita a competente pesquisa pelo legente interessado.

Foi redigido tendo como referência a pintura Le Philosophe lisant (1734), de Jean-Baptiste-Siméon Chardin (1699-1779) e é um discurso sobre a importância e a nobreza do acto de leitura.

Tudo o que a pintura nos mostra dá conta disso: o homem que lê vestido tal como se vai para uma cerimónia; o silêncio que se imagina em torno dele, como se estivesse retirado do mundo, entregue ao prazer supremo da leitura; a ampulheta e a pena sobre a mesa com significativas conotações de ordem prática e simbólica.

A ampulheta, medidora do tempo que é escasso para a leitura mas longo para a existência do livro e das suas personagens. Diz-nos Steiner que  «a vida do leitor mede-se em horas e a do livro em milénios». E também que Flaubert teria falado na hora da morte sobre o paradoxo de estar ele a morrer enquanto a “prostituta” Emma Bovary, criatura sua surgida em simples folhas de papel, continuaria a viver.

Depois a pena, hoje a caneta ou o lápis com que o leitor toma as notas da sua leitura. Toda a boa leitura supõe sublinhados, notas à margem, apontamentos em folhas de papel. «Ler bem é estabelecer uma relação de reciprocidade com o livro que está sendo lido, é embarcar em uma troca total», diz o autor do ensaio.

Mas afinal, caros legentes, todos vós procedeis mais ou menos com estes princípios. Claro que há as adaptações aos tempos modernos. Não vos imagino a vestir os melhores fatos quando vos pondes diante dos contos de Flannery O´Connor ou dos romances de Mishima.

E, por favor, nada de riscar ou anotar as páginas dos livros que haveis requisitado na biblioteca. Nem a lápis, que as borrachas são cada vez de pior qualidade e torna-se muito difícil de apagar.

17 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (6)

 “O Leitor” é um conto de Teolinda Gersão coligido em Histórias de Ver e Andar. Li-o há uns dez anos e tem uma história que passo a resumir.

É a história de um fã – como se diz hoje em linguagem informal – de romances policiais. Não lia, devorava os romances, desejoso de chegar ao fim e conhecer o verdadeiro assassino da pobre vítima entre as hipóteses avançadas ao longo do livro.

Tendo como profissão a de maquinista do metropolitano e sendo tão grande a sua paixão pela leitura, começou a levar os livros para o comboio, lendo-os sobre o tablier enquanto efectuava as manobras de condução.

Claro que a coisa deu mau resultado: não houve propriamente um acidente grave, mas falhas na informação que pelos altifalantes deveria ser prestada aos passageiros sobre a passagem pelas diversas estações da linha. Um passageiro percebeu a razão da sua distração, fez queixa, e o bom do leitor-maquinista foi despedido.  

Vem então o mais curioso: absorvido pela necessidade de procurar emprego, passou apenas a ler anúncios de jornal, não sendo capaz de voltar aos seus amados romances.

Moral da história: para ler, temos de ter serenidade, temos de nos sentir bem connosco e com os que nos rodeiam. A leitura não é uma terapia (para ajuda procurem os psicólogos ou os bruxos), antes um exercício de pessoas saudáveis que estão bem com a vida.

Pode haver quem pense o contrário. Há até mediadores de grupos de leitura que ufanamente se autoproclamam biblioterapeutas. Palavra estranha, não é? Mas eles lá saberão porque o dizem.  

15 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (5)

                                       

«Talvez não haja outros dias da nossa infância que tenhamos vivido tão intensamente como esses que cremos ter deixado sem os viver, esses que passámos com um livro preferido».

Esta é a abertura do texto Sobre a Leitura, de Marcel Proust. O autor das memórias de Combray com os passeios pelos lados de Méséglise e Guermantes (Em Busca do Tempo Perdido), expressa-nos neste livrinho de 70 páginas aquilo que a leitura pode dar – de prazer e de renúncia a outros prazeres – a quem, permanecendo neste mundo, quer descobrir os mundos possíveis que se desdobram triunfantes – umas vezes belos, outras aterradores – perante os prodígios da imaginação.

O jovem leitor que associamos a Marcel Proust aproveitava todos os momentos que lhe eram permitidos para se isolar e se entregar à leitura, sendo por vezes admoestado por se fechar no seu quarto, evitando os passeios e os convívios familiares.

A leitura é normalmente um acto de isolamento, de solidão. Por isso admiro os que conseguem ler nos transportes públicos – frequentemente lotados e ruidosos –, demonstrando uma capacidade acrescida de permanecerem sozinhos no meio de tantos. Estes serão talvez uns superleitores adaptados à velocidade e escassez de tempo dos nossos dias. Honra lhes seja feita, bem os conheço!

13 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (4)

Ignorante que sou de tantas e tão belas coisas, há semanas que venho fazendo a minha educação sentimental de legente na cátedra camoniana de Jorge de Sena. Educação sentimental, não sei se já se percebeu, porque a leitura é um sentimento. E Jorge de Sena, engenheiro civil da Junta Autónoma das Estradas até se tornar no scholar de Assis, Araraquara, Madison e Sta. Barbara (uma vida de professor pelo mundo em pedaços repartida) é também, além disto tudo, poeta, contista e romancista, além de espírito de trato difícil, agora só tangível em mediúnicos exercícios que não sei se há quem os faça nem quero saber. Bem, estive no ano passado à beira do seu túmulo no Cemitério dos Prazeres, só isso, e agradeço à companhia sentimental que me lá levou.

A imagem que acima se apresenta é, como se vê, do Salmo 136 (137 segundo o número hebraico), súplicas do povo exilado em Babilónia que Camões glosou nas redondilhas de Babel e Sião, “Sôbolos rios que vão” ou Super Flumina Babylonis (a que Jorge de Sena se referiu num conto de Novas Andanças do Demónio):

Sôbolos rios que vão / por Babilónia m´achei, / onde sentado chorei / as lembranças de Sião / e quanto nela passei. / Ali o rio corrente / de meus olhos foi manado, / e tudo bem comparado, / Babilónia ao mal presente, Sião ao tempo passado. (…)

Um poetastro da nossa praça atreveu-se a brincar com o assunto em poema dum seu livreco. Perdoai-lhe, senhores, porque ele, se calhar, não sabia o que fazia.

E assim vamos andando. Muito tardia mas proveitosa (para mim) esta sessão de educação sentimental.

12 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (3)

Há uns anos, após a leitura de um livro de contos de um amigo (edição da Chiado ou outra qualquer editora do género), exprimi a opinião de que a prosa era boa mas não estava posta em estilo actual, fazendo lembrar os textos de Camilo ou Júlio Dinis. Respondeu-me que sim, podia ser verdade, mas o que queria eu que ele fizesse se havia sido com Camilo e outros do seu século que aprendera?

Milan Kundera tem um conjunto de ensaios (“Consciência da continuidade”, desse livrinho aí na imagem) em que é tratado o assunto do inactual em arte. Imaginemos, diz o escritor, que era possível um virtuoso dos nossos dias compor uma sonata tão perfeita como uma qualquer de Beethoven, de tal forma que melómanos apurados, ao ouvi-la, arriscariam tratar-se de obra do grande compositor alemão. Ao saberem, porém, que não era, que fora um extraordinário virtuoso contemporâneo a criá-la, não deixariam de rir pela inactualidade do trabalho, reconhecendo-o não como obra de valor original, mas como um simples pastiche.

Isto diz respeito também à poesia. Tenho falado com leitores que não gostam da poesia moderna (alguns até não gostam de nenhuma poesia) e sentem que os versos rimados de Augusto Gil ou João de Deus, quando não os de Guerra Junqueiro, é que lhes enchem a alma.

Não está em causa a poesia dos clássicos, isto é, daqueles poetas que  por valor lograram romper o esquecimento que o tempo sempre tece. Eles serão sempre os maiores! Ocorrem-me os nomes de Camões, Sá de Miranda, Bocage, Quental…  Poetas com quem a poesia contemporânea dialoga com plena consciência do fenómeno da continuidade em arte. É o caso deste poema (“Minha senhora de mim”) de Maria Teresa Horta. Ecoa nele um conhecido verso de Sá de Miranda e aqui fica, também, em memória da autora:

Comigo me desavim / minha senhora / de mim // sem ser dor ou ser cansaço / nem o corpo que disfarço // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // nunca dizendo comigo / o amigo nos meus braços // Comigo me desavim / minha senhora / de mim // recusando o que é desfeito / no interior do meu peito.

11 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (2)

Levaram-me no mês passado ao espaço Brotéria, no Bairro Alto, para assistir a uma conferência em torno de um ensaio de Flannery O`Connor – esse cuja foto da primeira página está aí no topo.

A questão do ensino da literatura não é assunto desinteressante para os leitores do género romance, o mais presente nos programas dos grupos de leitura, chamem-se eles clubes ou comunidades.

Flannery O´Connor diz-nos que o foco da leitura de um texto de ficção  deve ser posto na obra, naquilo que nela está, fugindo-se às tentações não literárias de interpretação como a biografia ou a psicologia do autor.

Na escola aprende-se com o professor, nos grupos de leitura, se a mediação for eficaz, todos aprendem com todos.

Lembremo-nos do que Camões diz em Os Lusíadas: quem não sabe de arte não a estima. Ora a ficção narrativa é a arte que, diferentemente de outras artes, nos fala dos sentimentos, da vida e do que esperamos dela. Aquela arte em que nós mesmos estamos metidos e que é forçoso compreender para a estimar.

Façamos, pois, a nossa educação sentimental de leitores que só teremos a ganhar com isso.

09 fevereiro 2025

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS LEGENTES (1)

O título O Romancista Ingénuo e o Sentimental corresponde a um conjunto de conferências proferidas por Orhan Pamuk em 2009 na Universidade de Harvard. Li-as há mais de dez anos, pouco depois da sua publicação em Portugal.

Falando de romancistas, são também os leitores que estão sob o foco analítico do escritor turco.

Temos assim o leitor ingénuo e o sentimental, sendo que este é o leitor reflexivo, o que sente a leitura para lá do mero entretenimento ou da devassa de vidas excepcionais proporcionadas pela arte do romance.

Enquanto o leitor ingénuo, desejoso de conhecer o desfecho dos enredos, abomina muitas vezes as descrições demoradas e atribui menor importância à profundidade psicológica das personagens, o leitor sentimental-reflexivo procura aquilo a que Pamuk chama o centro do romance, ou seja, a coerência interna da obra, por vezes dissimulada no subtexto ou na propensão alegórica da voz narrativa.

Uns e outros (leitores ingénuos e sentimental-reflexivos) partilham da enorme alegria de ler romances. Ambos se aceitam como sinceros e estimáveis, o que não significa que não tentemos fazer alguma coisa para os tornar melhores.  

01 fevereiro 2025

“Um Bom Homem é Difícil de Encontrar” de Flannery O’Connor –28 de fevereiro às 20h00

 


Do sul dos Estados Unidos chegam-nos estes contos de uma profunda narrativa, de uma tensão permanente, onde a incógnita do que vai acontecer é uma constante. Há uma oscilação dramática entre o humor, o caricato e a violência. Flannery O’Connor tem o dom de nos prender desde a primeira palavra até à última linha…

09 janeiro 2025

Palavras Silenciadas: Histórias e Censura nos Livros Proibidos

 


Data: 10 de janeiro de 2025 | 18h00

Local: Biblioteca Municipal de Sintra

Palavras Silenciadas: Histórias e Censura nos Livros Proibidos

Uma conversa que explora o universo dos livros censurados durante o Estado Novo, refletindo sobre o impacto da censura em autores, leitores e liberdade de expressão a partir da análise das obras de dois importantes escritores portugueses: Ferreira de Castro e José Régio. 

Esta sessão contará com as seguintes  comunicações:

∙ Ferreira de Castro, a censura e a autocensura - Ricardo António Alves;

José Régio e a censura - Manuel Matos Nunes  

01 janeiro 2025

31 de janeiro, “Dinossauro Excelentíssimo” de José Cardoso Pires – às 20h00

 


Alguém escreveu que este livro é uma fábula de "relato violentamente satírico sobre a figura de Salazar". Vamos ler e perceber a razão desta opinião…

30 dezembro 2024

Balanço Anual e Feliz 2025

 

2024 começou com o habitual jantar anual da Comunidade que teve lugar no Dia de Reis. Celebrámos a chegada de tão emblemáticas majestades e celebrámos, sobretudo, o nosso amor pelos livros e tudo o que vem no seu caminho.

O primeiro trimestre recebeu o mote “Talvez Romance Histórico” e por conta disso o mês de janeiro começou em grande: “Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde” do escritor Mário de Carvalho fez as delícias de todos e foram muitos os que leram e estiveram presentes nesta sessão: 28 leitores! Numa autêntica jornada pela língua portuguesa, o escritor apresenta-nos o dia a dia da fictícia cidade romana de Tarcisis, mas que mostra toda a estrutura e organização sociopolítica de uma qualquer real cidade romana. Os acontecimentos descritos decorrem no séc II e são-nos expostos pela voz de Lúcio Valério, magistrado da cidade, um homem bom que tenta desenvolver o seu trabalho de forma justa, mas sem deixar de corresponder à ordem emanada de Roma, numa época em que os primeiros grupos de Cristãos se começam a manifestar, colocando em causa tudo o que até aí era norma em termos de Deuses e religiões. Uma imensa riqueza de detalhes, fazem do romance quase que um manual de história sobre a civilização romana.   

Logo no início de fevereiro, alguns dos nossos leitores marcaram presença no Supremo Tribunal de Justiça, para a apresentação do romance “Alegações Finais” do nosso conhecido e estimado Carlos Querido. Durante a sua intervenção, o escritor aludiu à nossa Comunidade de Leitores e à nossa participação em anteriores sessões sobre obras suas, nomeadamente as que tiveram lugar na Feira do Livro em torno do romance histórico “A Redenção das Águas” e da coletânea de contos “Habeas Corpus”. Ficou no ar a possibilidade de o convidarmos a participar numa futura sessão, sobre este seu último romance.

O livro do mês remeteu-nos para a II Guerra Mundial e a participação de um grupo de mergulhadores de combate da Regina Marina italiana neste conflito. “O Italiano” de Arturo Pérez-Reverte trouxe-nos a história dos Maiali, autênticos torpedos humanos que detonaram vários navios aliados no Mediterrâneo. O enredo conta-nos a história da livreira Elena Arbuès e do seu envolvimento com o oficial Teseo Lombardo e a ação desenrola-se na Baía de Algeciras e no Rochedo de Gibraltar. Baseado em facto reais esta história aparece-nos sobre a perspetiva do lado contrário aos aliados, o que não é muito comum, trazendo à superfície o facto dos bons não estarem todos do lado ganhador nem os maus do lado perdedor. Um romance muito bem escrito com algumas descrições quase cinematográficas, deu-nos a conhecer um lado pouco falado da guerra. 25 pessoas presentes e 5 que não leram.

Março começou bem, logo no dia 1, com a apresentação do livro de poesia “Pó Ético” da nossa companheira de leituras Marta Meireles. Um momento bonito partilhado por familiares, amigos, alunos e muitos dos membros desta Comunidade. Ficámos a conhecer as palavras que escreve de forma interventiva, ora mordaz ora irónica, divertida, inteligente, acutilante e muito inconformada. Que boa surpresa que foi!

A meio do mês mais uma atividade fora de portas: manhã de poesia no Cemitério dos Prazeres, onde homenageámos alguns dos poetas, ali eternamente residentes: Mário Cesariny, Jorge de Sena, Cesário Verde, Al Berto, António Ramos Rosa e Alcipe, Marquesa de Alorna. Com um programa bem delineado e coordenado pelo Manuel Nunes e pela Paula Silva, para além de ficarmos a saber um pouco mais da vida daqueles poetas, foram ditos vários dos seus poemas pelos nossos inspirados leitores. Uma bonita manhã de quase Primavera que terminou com mais um salutar almoço convívio.

O autor do mês foi Alves Redol com o livro “Os Reinegros”. Publicado 3 anos depois da sua morte, o romance neorrealista debruça-se mais uma vez sobre as vidas sofridas dos mais desfavorecidos. Um romance urbano, passado nos tempos conturbados e febris da implantação da primeira república, oferece-nos algumas personagens de grande densidade psicológica, nomeadamente Alfredo e Luísa, o casal Reinegros. Uma luta constante, mas algo inglória, contra a miséria, a pobreza e o surgimento do que se pode chamar de consciência política e social, foram os temas centrais da trama. 21 leitores, dos quais 3 não leram, proporcionaram uma discussão bem viva e entusiasmante.

Para o segundo trimestre o mote foi “Nos 50 Anos do 25 de Abril”. Em consonância entrámos em abril com “Portugal, a Flor e a Foice” de J. Rentes de Carvalho. Um mergulho em alguns factos da nossa história, com a desconstrução de mitos e dados tidos como adquiridos e uma visão muito crítica sobre a revolução dos cravos, os seus antecedentes e consequências. Um olhar de fora para dentro, de alguém que vivendo a maior parte da sua vida nos Países Baixos, beneficiou necessariamente de uma aculturação muito própria. Estiveram presentes 18 leitores (3 que não leram o livro), numa sessão muito animada, a qual contou com poemas e uma instalação comemorativa da Liberdade.

Maio trouxe de novo Agustina Bessa-Luís e o seu “Os Meninos de Ouro”. A escritora raramente é consensual e numa avaliação mais radical, está um pouco na onda do “ou se ama ou se odeia”. Mas que a sua escrita é intemporal, ninguém duvida. Com este romance as opiniões voltaram a dividir-se e houve quem gostasse muito e quem se tivesse arrastado na leitura.  A história desenrola-se em torno de José Matildes, menino de uma grande e tradicional família do Douro, homem político no pós-revolução e advogado de formação, que enquanto se dedica à sua atividade política, contradizendo a sua carga de homem extremamente rígido nos seus valores morais, acaba por abandonar a sua mulher Rosamaria, juntando-se a Marina, uma mulher sofisticada, em quem José projeta a sua ânsia de libertação dos seus fantasmas. José é facilmente identificado como o malogrado primeiro ministro de Portugal, Sá Carneiro. Estiveram presentes 18 elementos e 7 não leram ou não terminaram a leitura.

Junho, foi mês de feira do livro em Lisboa, com diversas atividades aliciantes para os leitores e também o términus do trimestre comemorativo da revolução, com “Os Memoráveis”, de Lídia Jorge. Um romance bem recebido por todos, que nos devolveu à memória acontecimentos que não devem ser esquecidos. Através do olhar de três jovens e a partir de uma fotografia de grupo, embarcamos numa viagem evocativa dos caminhos da revolução dos cravos, através de um conjunto de entrevistas às pessoas que nela constam, todos com um papel mais ou menos relevante nos acontecimentos daquela “bela madrugada que tantos esperavam”. Houve quem visse uma visão melancólica da revolução com alguma ambiguidade e ironia. Quem dissesse que trocava a melancolia pelo desencanto. Quem sentisse algum desalento, mas mesmo assim uma esperança. E todos tentaram identificar as personagens ficcionais com as personagens reais dos acontecimentos. Foi uma sessão bonita em que estiveram presente 21 elementos, dos quais 3 não leram o livro.

O 3º Trimestre veio sob o mote - Romance! Romance! Romance! – pelo que, em julho, chegou “Justine” de Lawrence Durrel. Sendo o primeiro dos quatro romances que formam “O Quarteto de Alexandria”, esta foi uma leitura que alguns consideraram de excessos até mesmo a roçar o barroco. Encontros e desencontros de um grupo de pessoas relacionadas entre si sob diferentes formas: amizade; amor; paixão e mesmo ódio, tendo como personagem central a excêntrica e algo decadente cidade de Alexandria. Justine, mulher exótica, linda, rica, misteriosa e judia, com um passado doloroso, é a personagem em torno de quem gravitam homens e mulheres eroticamente obcecados por ela que, por sua vez os usa para saciar os seus próprios demónios. Entre os que gostaram muito e os que nem por isso, apenas 2 dos 19 presentes não leram ou não acabaram.

Agosto é por sinónimo, mês de férias. Talvez por isso, surgiu uma leitura mais leve do que o habitual. “Praça do Rossio, Nº 59” de Jeannine Johnson Maia, trouxe-nos um tema muito sério e importante, mas apresentado de uma forma ligeira. Em 1940, numa cidade de Lisboa, então uma placa giratória para a saída daqueles que fugiam da Guerra, desenrola-se durante 9 dias, uma história romanceada entre os jovens António, português, empregado de mesa no café Chave d’Ouro e carteirista nas horas vagas e Claire uma refugiada franco-americana que chega à estação do Rossio, em trânsito para apanhar um barco para a América. As suas vidas cruzam-se numa intriga de espionagem e política numa Lisboa salazarista, supostamente neutra, mas…onde ninguém está seguro, sobretudo os que estão do lado certo da guerra. 20 leitores presentes, tendo todos lido o romance e considerado uma leitura agradável apesar da sua ligeireza.

Em setembro conhecemos a escrita de Javier Marías e o seu “Berta Isla”. Uma avalanche de reflexões, uma avalanche de parágrafos, uma avalanche de palavras. Uma imensa densidade de escrita, transporta-nos através da vida de Berta Isa e do seu muito ausente marido Tomas Nevinson. Um ambiente de espionagem, de suposições, de mil perguntas e poucas ou quase nenhumas respostas.  Aprender a viver com a espera e construirmos o nosso eu através dela. Foi muito do agrado das 25 pessoas presentes, das quais, 4 não conseguiram ler ou acabar de ler o livro.

Entrámos no último trimestre do ano sob o mote “Outros Géneros”. Assim, Outubro trouxe-nos o conto de Karen Blixen “A Festa de Babette”. Parafraseando o nosso coordenador Manuel Nunes este é “…um conto de proveito e exemplo. Proveito por nos instruir sobre tantas coisas da vida, exemplo por nos indicar caminhos a seguir, e isto sem deixar de nos deleitar pelos lances curiosos e engraçados com que nos deparamos ao longo do texto…”. Uma escrita suave e encantadora, uma história que celebra a vida e que reconcilia. Um prazer imenso na leitura, foi a conclusão dos 22 leitores presentes, onde apenas 1 não teve oportunidade de ler.

Em novembro, um pequeno grupo da nossa Comunidade, esteve na Biblioteca Central de Almada, a propósito da programação relativa à comemoração do seu 27º Aniversário, que incluiu o 1º Encontro dos Grupos de Leitores da Rede de Bibliotecas Municipais da Área Metropolitana de Lisboa. A nossa leitora Maria José Correia (Joca), foi convidada a participar na mesa do encontro. O testemunho da sua participação que também funciona como registo histórico da vida desta Comunidade de Leitores até aos dias de hoje, foi objeto de uma publicação própria neste blogue.


Por sugestão da nossa Biblioteca (BSDR), em novembro acompanhámos as memórias de Emília Amor, relacionadas com a área geográfica do concelho e sobretudo da freguesia de São Domingos de Rana. O livro “Pura Memória”, é uma narrativa biográfica mas também ficcional, que abrange um período de quatro anos – 1952 a 1956 – vividos em Caparide, aldeia do concelho de Cascais, onde a autora residiu até aos dezoito anos. Estiveram 20 leitores presentes, tendo alguns deles feito uma visita a Caparide, para reconhecimento dos locais referidos no livro. Os livros foram gentilmente oferecidos aos leitores desta Comunidade pela Livraria Municipal de Cascais.

Dezembro chegou de forma poética. O último livro do ano encerrou o mesmo de um jeito bonito e até mesmo encantador. “O Eremita Viajante” de Matsuo Bashô, encantou a Comunidade, com a beleza dos seus haikus, a poesia tradicional japonesa, que num formato curto de apenas 3 versos, capta o instante em que cada palavra assume uma força maior. Falou-se, por exemplo de escassez lexical, de minimalismo, da beleza do pormenor e da plenitude do instante, entre outros. Uma leitura feliz para a maior parte dos 20 leitores presentes, dos quais apenas 5 não leram ou não completaram a leitura.

E terminou assim mais um ano de leituras em comum, em que a partilha de ideias, de conhecimento e de opiniões nos entusiasmou ao longo das diferentes sessões, sempre muito concorridas. Novos leitores foram aparecendo, uns de forma pontual, outros acabando por se tornar “residentes”.  

Agradecemos mais uma vez à Biblioteca de São Domingos de Rana e aos seus responsáveis, pela cedência do espaço e pela disponibilidade, essenciais para a continuidade desta Comunidade.

Bom Ano 2025