16 maio 2011

Palavras para que vos quero!

Ler é saber afagar um livro, é saber festejar um livro!

Afagar e festejar, amizade e celebração, ler!

Ler é então entrar em relação com alguma coisa, com alguém e, nessa exacta medida, relacionar-se também consigo mesmo. Quem lê agarra assim a possibilidade de se conhecer melhor a si mesmo, cumprindo um dever, digamos, social. Porque quem se conhece aprende a fazer auto avaliação: sabe quando falar, ouvir, calar ou adiar uma intervenção; torna-se mais capaz de si mesmo e das situações. Mas também se torna melhor ouvinte, porque há sempre um puzzle por completar e ouvir o outro é tão preciso como pensar sozinho.

Lendo aprende-se melhor o valor do silêncio, sobretudo o silêncio interior, que se faz e cultiva para ouvir apenas a voz da leitura pela voz de quem lê.

O hábito, (também apelidado de vício ou compulsão pela reacção), a veneração da leitura, podem conferir saber e conhecimento; mas, sobretudo, podem dar a cada um a ideia da dimensão da sua ignorância, pois quem conhece alguma coisa apercebe do mesmo passo a vastidão do que nunca poderá abarcar, um mundo de livros fantásticos, uma vertigem de conhecimentos, de experiências e aventuras. (Para quem lê, entrar numa biblioteca é ficar doente).

Às vezes tenho pena dos livros, daqueles que atravessaram o tempo sem encontrar espaço — sem terem sido afagados, ou festejados — porque nunca foram editados, ou, tendo-o sido, passaram despercebidos (quem sabe se alguns não seriam obras de arte?).

Alguns livros bailaram por muito tempo na imaginação do escritor, ou do candidato a escritor, mas alguma coisa o impediu de nascer (escrever um livro e vê-lo sair do prelo deve corresponder a uma sensação idêntica à da mãe que dá à luz um filho); o livro é um filho que o escritor põe no mundo e, se os deuses lhe forem propícios, há-de crescer e transformar-se, não de forma material, mas virtual (não menos real por isso), pelas mãos dos intelectos leitores que o afagam, pela festa hermenêutica variada, colorida, desviada, que lhe hão-de dar outras asas, por isso outros voos, outras, desconhecidas e, por vezes insondáveis, ressonâncias... Agora imagine-se o que é na realidade um livro assim, lido, relido por gerações, a diferentes luzes, individuais e de contexto social e histórico, festejado enfim! Digo-vos que já não é um livro, senão um imenso caleidoscópio de livros, que se projecta no infinito do espaço, que ilumina o Além-Livro!

Dedico esta intempestiva prosa (que pretende ser glosa) aos meus queridos amigos, João e Manuel.

Maria Amélia


Este foi o comentário que a Maria Amélia deixou na caixa de comentários do post abaixo.
Vais desculpar-me minha Amiga, mas isto é demasiado precioso para ficar escondido numa caixa de comentários.
Custódia

3 comentários:

Manuel disse...

Concordo com a Custódia. O texto merece sair da bitola estreita dos comentários. Agradeço a dedicatória.

Maria Amélia disse...

Realmente, em maré de agradecimentos, eu é que me vejo obrigada (digamos) a obrigada dizer, à Custódia e a todos os intervenientes, interlocutores ou candidatos a tal, visto que a ideia, julgava eu, era pegarmos neste mote do João, que tantas coisas sugere a nós, leitores mais ou menos inveterados.

Mª José (Zé) disse...

Também este texto magnifico deve ser "afagado" e "festejado".