24 junho 2013

Camões e os Desgovernos do Mundo


Camões, sempre actual foi a conclusão que chegámos, no rescaldo da última parte da nossa maratona de leitura, nos gentis espaços verdejantes da quinta de recreio do Marquês de Pombal em Oeiras

«Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse/
A quem ao bem comum e do seu Rei/
Antepuser o seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei./
Nenhum ambicioso que quisesse/
Subir a grandes cargos, cantarei,/
Só por poder com torpes exercícios/
Usar mais largamente de seus vícios;

Nenhum que use de seu poder bastante/
Para servir a seu desejo feio,/
E que, por comprazer ao vulgo errante,/                            
Se muda em mais figuras que Proteio./
Nem, Camenas, também cuidais que cante/
Quem, com hábito honesto e grave, veio,/
Por contentar o Rei, no ofício novo,/
A despir e roubar o pobre povo!

Nem quem acha que é justo e que é direito/
Guardar-se a lei do Rei severamente,/
E não acha que é justo e bom respeito/
Que se pague o suor da servil gente;/
Nem quem sempre, com pouco experto peito,/
Razões aprende, e cuida que é prudente,/
Para taxar, com mão rapace e escassa,/
Os trabalhos alheios que não passa.»
 (Canto VII, 84-86)

Luís de Camões, Os Lusíadas, Imprensa Nacional, 1971

Díone aos ombros de um Tritão- Columbano Bordalo Pinheiro (Canto II, 21)



Visita do rei de Melinde, Fragonard (Canto II)


Episódio de Inês de Castro, Columbano Bordalo Pinheiro (Canto III, 130)

O Adamastor, Lima de Freitas (Canto V, 39)

A Ilha dos Amores, Malhoa (Canto IX)

Ninfas e Tritões, Carlos Reis (Canto X,143)


9 comentários:

Manuel Nunes disse...

Muito bonito tudo isto. Gostei dos bolinhos, da tarde cálida, dos trinados dos melros, da Ilha dos Amores em voz dulcíssima, do episódio de D. Inês muito bem lido e comentado.
Ideias que já se vão formando sobre a leitura da "Peregrinação", mas porque não o Camões lírico?

Custódia C. disse...

Lindíssimas as imagens proporcionadas pelo poema...
"A pintura deve ser uma poesia muda e a poesia uma pintura que fale ..."

Com a Peregrinação ou com o Camões lírico, vamos repetir decerto!

Manuel Nunes disse...

Continuação da matéria:
-- "A pintura é poesia muda, a poesia é pintura falante" -- máxima atribuída por Plutarco a Simónides de Céos, poeta que viveu entre os séculos VI e V a.C.
Horácio, na "Arte Poética, dirá (v. 361): "Ut pictura poesis", o que quer dizer, segundo a tradução de Rosado Fernandes, "Como a pintura é poesia".
Portanto, isto anda tudo ligado, lá dizia o poeta. :) Para completar, talvez a leitura de "Manual de Pintura e Caligrafia", do exilado de Lanzarote.

Custódia C. disse...

Obrigado Manel, sabia que ias agarrar a minha deixa :)
Quanto ao livro do nosso exilado compatriota, pois porque não ?

Joca disse...

Ora aí está uma boa proposta de livro para 2013!

Manuel Nunes disse...

Já o levei a Sintra. Com gosto lerei pela 3ª (ou 4ª?) vez. Leitores malucos!

Maria Amélia disse...

Pois eu, que também gostei muitíssimo de tudo--o que já gostava, o Jardim e o que redescobri, Camões e Os Lusíadas--julgo que, ler o contributo lírico do mesmo autor, só pode ter um inconveniente para mim, sobretudo se voltarmos ao Jardim: dar-me uma coisinha má com a comoção! A Peregrinação, sim, é tempo de lá voltar, embora possa ter partes um pouco maçadoras (ou era porque o lia aos 15 anos?). Mas vejamos: porque não pensamos num Gil Vicente, uma coisa divertida e na qual todos possam ter voz? E, para lançar a confusão, porque não agendar uma leitura igualmente surpreendente, do Livro de Job ou do Cântico dos Cânticos? Vá lá: quando é a próxima? Agosto espera-nos, com o aborrecimento à espreita!


Paula M. disse...

Acho todas as propostas óptimas: Saramagos, Camões lírico (tão bonito!), a Peregrinação que gostaria de revisitar, o Gil Vicente, os Livros bíblicos (Cântico dos Cânticos no paraíso do belo jardim), enfim o problema é a escolha e para aumentar a confusão e que tal trechos do D. Quixote? A Amélia tem razão: o Agosto espreita com a sua bonança preguiçosa...

Manuel José disse...

Curioso, Paula, a minha primeira ideia foi o Quixote, depois a Odisseia, só depois veio a d' Os Lusíadas - inspiração de Vénus. :D)