25 janeiro 2020

"A Selva" e os "Gaiolas"


 Imagens daqui. Os “Gaiolas” Justo Chermont e Vitória

Os navios “gaiolas”, embarcações típicas da rede fluvial do Amazonas, eram peças fundamentais para o desenvolvimento económico, social e até mesmo político da região Amazónica. Transportavam de tudo, entre passageiros e carga. Uma das suas características era a possibilidade dos passageiros sem recursos, poderem armar a sua rede para dormir, em qualquer parte do convés mais desfavorecido. Navegavam rio acima, rio abaixo, aportando em cidades, vilas, aldeias, povoados ou apenas embarcadouros que serviam os barracões seringueiros, como descrito neste romance de Ferreira de Castro. Aqui, os “gaiolas” são referidos com regularidade e nomes como Justo Chermont, Vitória, Aymoré, Campos Sales ou Sapucaia, tornam-se familiares.
Aquando da viagem de Alberto para o Paraíso no Justo Chermont, há um momento em que este navio e o Vitória protagonizam uma espécie de regata competitiva.

“…
A Parintins, sucedeu Itacoatiara e, na outra margem, indicada pelos braços dos tripulantes, a bocarra do Rio Madeira. De lá saiu, rumando ao centro, em direcção também a Manaus, um novo “gaiola”. E ou porque o Justo Chermont diminuísse a marcha ou porque ele acelerasse a sua, em breve os dois se encontravam lado a lado, para o desafio comum e recreativo naquelas infindáveis viagens.

- É o Vitória! É o Vitória – exclamou-se entre o ruído de satisfação que o prélio causava, quando o adversário esteve perto.

O telégrafo do Justo Chermont retiniu na casa das máquinas e logo à popa aumentou o referver da água em torvelinho.
Dum para o outro barco, faziam-se sinais nervosos, cada qual vaticinando o êxito daquele que o conduzia e procurando amesquinhar a capacidade do rival. A primeira classe, mais moderada, assistia com um sorriso à regata mecânica, mas todos contagiados pelo ambiente de luta, tanto mais que o Comandante Patativa afirmara que havia de dar uma lição ao atrevido, reincidente em lançar-lhe cartel de desafio.
Todavia, o Vitória, intrépido na sua pequenez, manteve o talhamar na mesma linha, durante quase uma hora. Cedeu, por fim, dez metros agora, vinte logo, até que reconhecendo a impossibilidade de competir por mais tempo, silvou ao adversário um irónico “boa viagem”. Pela primeira vez na sua longa carreira, o Comandante Patativa não levou a mão à corda do apito para corresponder àquela saudação da praxe.
…”

Ferreira de Castro, “A Selva", Capítulo III

3 comentários:

Manuel Nunes disse...

No Capítulo XII é referida a imobilização de muitos "gaiolas" durante a vaza das «veias da selva» na estação seca. Encalhados os navios, «a hélice ao léu e o casco a enferrujar até à próxima enchente». Mas não no rio Madeira: « Por muito que descessem as águas, a sonda encontrava sempre, até o porto de Santo António, liberdade para todas as quilhas» - diz o narrador. Grande rio, este Madeira!

Custódia C. disse...

Quando andava a pesquisar, encontrei algumas fotos desses navios encalhados...

Bia disse...

Obrigada Custódia, obrigada Emanuel.
Com toda esta informação, já não vou procurar, sim, eu também fiz uma lista...