15 abril 2020

O CONDE D´ABRANHOS (3)

Nos romances de Eça há recorrências notáveis. Uma delas é o aparecimento de personagens de meninos-prodígios a recitarem poesia. Deveis estar lembrados do Cap. III d´Os Maias, o «tristonho e molengão» Eusebiozinho a mostrar os seus dotes com o poema “A Lua de Londres” do ultra-romântico João de Lemos.
O Conde de Abranhos, a menina Julinha recita o mesmo poema em casa do bestial desembargador Amado, sendo citados quatro versos da primeira estrofe e outros tantos da segunda. Antes, a prodigiosa menina aventurara-se por poesia mais funesta, nada mais, nada menos que “O Noivado do Sepulcro”, de Soares de Passos:
«Vai alta a Lua na mansão da morte,
Já meia-noite com vagar soou…»
É claro que o bom do Eça não refere os títulos dos poemas nem os nomes dos seus autores. Nem tal era preciso, tão conhecidos eram eles dos salões e saraus chiques da época. Os poetas ultra-românticos, os citados e também Bulhão Pato, foram bobos da festa nas narrativas queirosianas. Os portugueses e ainda Lamartine, o criador de Elvira, embora este estivesse uns degraus acima dos românticos serôdios cá do burgo. Cá da «choldra», diria o Eça.

5 comentários:

Custódia C. disse...

Fez-me pena, a Julinha, amarelinha, de olheiras fundas que depois de recitar os poemas era devorada por beijos e passava dos braços de uma para os joelhos de outro...

Paula M. disse...

Também é interessante a ligação do político/literato/jornalista, como início de carreira. Bacharel/jornalista e poeta ou dramaturgo/ deputado/ ministro/ conde...era esta a carreira.
A lírica ou o drama são os ultra-românticos. E as grandes tiradas românticas e de influência clássica que modelam a retórica parlamentar...tão bem parodiada igualmente por Camilo, com o seu Calisto, vindo das «berças» na «Queda de um Anjo».
Por paródia, gostei muito da poesia imprópria e gráfica do Lamartine no salão do desembargador («parece que os estávamos a ver»); e do episódio do prego escondido na almofada da cadeira de que foi vítima o mesmo desembargador.

Manuel J. M. Nunes disse...

A passagem do Lamartine e da D. Laura é fabulosa!
E a amizade com o padre Augusto? Sou capaz de pôr um "post" sobre isso.

Maria Amélia disse...

Sem desprimor dos vossos contributos, sobretudo do Emanuel, claro, venho dizer que os meus outros afazeres, também para-literários (?) me impedem de dedicar a devida e assaz proveitosa atenção a este tema, com exceção do que a certa altura cola com o que ora me retém, a saber, algumas coincidências que (talvez) qualquer estratégia política envolve. Mas não foi para isto que comecei a escrever. É que me fez uma certa confusão a referência do Emanuel ao Eusebiozinho a recitar A lua de Londres n'Os Maias (que eu não releio há que tempos), porque a nossa última referência à mesma situação, mas com o Arturzinho, foi n'A Capital, altura em que se assinalou, é certo, aquela "repetição"do Eça. Pode ser?

Emanuel disse...

Pois é pertinente o comentário da Amélia, embora não seja caso para confusão. Que quereis? Lembro-me mais facilmente das leituras antigas que das recentes. Isto não é prodígio, é distúrbio da memória... Mas é mais um argumento em favor da minha "tese": a de "A Lua de Londres", recitada por criancinhas espertas, ser recorrente nos romances de Eça. Está n´A Capital, diz a Amélia, e n´Os Maias também, digo eu :)