Nos romances de Eça há recorrências
notáveis. Uma delas é o aparecimento de personagens de meninos-prodígios a
recitarem poesia. Deveis estar lembrados do Cap. III d´Os Maias, o «tristonho e molengão» Eusebiozinho a mostrar os seus
dotes com o poema “A Lua de Londres” do ultra-romântico João de Lemos.
N´O
Conde de Abranhos, a menina Julinha recita o mesmo poema em casa do bestial
desembargador Amado, sendo citados quatro versos da primeira estrofe e outros
tantos da segunda. Antes, a prodigiosa menina aventurara-se por poesia mais
funesta, nada mais, nada menos que “O Noivado do Sepulcro”, de Soares de
Passos:
«Vai alta a Lua na mansão da morte,
Já meia-noite com vagar soou…»
É claro que o bom do Eça não refere
os títulos dos poemas nem os nomes dos seus autores. Nem tal era preciso, tão
conhecidos eram eles dos salões e saraus chiques da época. Os poetas
ultra-românticos, os citados e também Bulhão Pato, foram bobos da festa nas
narrativas queirosianas. Os portugueses e ainda Lamartine, o criador de Elvira,
embora este estivesse uns degraus acima dos românticos serôdios cá do burgo. Cá
da «choldra», diria o Eça.
5 comentários:
Fez-me pena, a Julinha, amarelinha, de olheiras fundas que depois de recitar os poemas era devorada por beijos e passava dos braços de uma para os joelhos de outro...
Também é interessante a ligação do político/literato/jornalista, como início de carreira. Bacharel/jornalista e poeta ou dramaturgo/ deputado/ ministro/ conde...era esta a carreira.
A lírica ou o drama são os ultra-românticos. E as grandes tiradas românticas e de influência clássica que modelam a retórica parlamentar...tão bem parodiada igualmente por Camilo, com o seu Calisto, vindo das «berças» na «Queda de um Anjo».
Por paródia, gostei muito da poesia imprópria e gráfica do Lamartine no salão do desembargador («parece que os estávamos a ver»); e do episódio do prego escondido na almofada da cadeira de que foi vítima o mesmo desembargador.
A passagem do Lamartine e da D. Laura é fabulosa!
E a amizade com o padre Augusto? Sou capaz de pôr um "post" sobre isso.
Sem desprimor dos vossos contributos, sobretudo do Emanuel, claro, venho dizer que os meus outros afazeres, também para-literários (?) me impedem de dedicar a devida e assaz proveitosa atenção a este tema, com exceção do que a certa altura cola com o que ora me retém, a saber, algumas coincidências que (talvez) qualquer estratégia política envolve. Mas não foi para isto que comecei a escrever. É que me fez uma certa confusão a referência do Emanuel ao Eusebiozinho a recitar A lua de Londres n'Os Maias (que eu não releio há que tempos), porque a nossa última referência à mesma situação, mas com o Arturzinho, foi n'A Capital, altura em que se assinalou, é certo, aquela "repetição"do Eça. Pode ser?
Pois é pertinente o comentário da Amélia, embora não seja caso para confusão. Que quereis? Lembro-me mais facilmente das leituras antigas que das recentes. Isto não é prodígio, é distúrbio da memória... Mas é mais um argumento em favor da minha "tese": a de "A Lua de Londres", recitada por criancinhas espertas, ser recorrente nos romances de Eça. Está n´A Capital, diz a Amélia, e n´Os Maias também, digo eu :)
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