Lendo O Conde d´Abranhos, podemos identificar o período do Liberalismo em
que se insere a carreira política do protagonista, questionando-nos se sob os
nomes fictícios de partidos, ministérios e agentes políticos ( Reformadores,
Nacionais, ministério Cardoso Torres, o «velho general despeitado» da Revolta
de 20 de Junho, etc.) não estarão nomes reais, historicamente conhecidos, de um
tempo concreto e preciso.
O Conde d´Abranhos foi escrito de um fôlego em 1879, durante uma estadia de Eça em Dinan,
na Bretanha, embora a publicação só postumamente ocorresse, em 1925. À época da
sua escrita, por razões que se adivinham, o editor terá chegado a propor que o
livro saísse sem indicação da autoria.
A carreira política de Alípio
Abranhos desenrola-se no 3º período do Liberalismo (1851 a 1890),
conhecido pelo nome de Regeneração. Trata-se de um período caracterizado por um
conjunto de melhorias materiais – rede viária e ferroviária, faróis, portos,
telégrafo, fornecimento de água e iluminação – com expansão do sector agrícola
mas fraca progressão da indústria. Este programa de desenvolvimento foi
denominado Fontismo, devido a Fontes Pereira de Melo, seu inspirador e
principal impulsionador.
No plano político destacavam-se os
partidos Regenerador, Reformista e Histórico, tendo estes últimos dado origem,
em 1876, ao Partido Progressista. As forças partidárias iam alternando no
poder, tal como os Reformadores e os Nacionais do romance, sem que entre elas
houvesse diferenças significativas, tanto ideológicas como de prática política. Era o rotativismo.
Desconheço a eventual correspondência
histórica do ministério Cardoso Torres, mas tendo a normalidade constitucional da
Regeneração sido perturbada por golpes de estado – a revolução da
Janeirinha em 1867-1868 e o golpe do Marechal Saldanha em 1870 – o livro de Eça
faz eco de tais acontecimentos com o pronunciamento do «velho general despeitado», uma
provável representação do marechal Saldanha, chefe militar prestigiado e
inveterado golpista.
De notar que o período da Regeneração
corresponde no plano cultural ao do segundo Romantismo, execrado e combatido
pela escola realista, sendo notórias, neste e noutros escritos de Eça, as
sátiras em torno de poemas ultra-românticos de João de Lemos, Soares de Passos
e Bulhão Pato.
E assim, temos um romance que ficou
na gaveta por mais de quarenta e cinco anos, ultrapassado em data de publicação
por obras menos acutilantes do autor, um romance inacabado, sem revisão, o que
lhe confere essa característica de peça em bruto, sem rodeios, num registo de
quem fala com “o coração na boca” – fundamentalmente pelo discurso laudatório
do narrador-biógrafo, convencido de que está a pôr nos píncaros o seu mentor e
afinal só lhe descobre as fraquezas, a mediocridade intelectual e as misérias
do seu carreirismo político sem honra nem princípios.
[Fontes: www.feq.pt, sítio da Fundação Eça de Queiroz; JOÃO
MEDINA, História de Portugal
Contemporâneo (político e institucional), Universidade Aberta, 1994.]
4 comentários:
Nunca me debrucei muito sobre este período político da história de Portugal e por isso, fico sempre um pouco perdida (os diferentes partidos, a rotatividade, as inúmeras revoluções). Este texto ajudou-me a melhor perceber o contexto do romance e o triste evoluir político do nosso Conde...
Ainda ontem fazia essa pergunta a um companheiro nosso, em que personagens reais se teria inspirado o Eça?
Também comentei o personagem Zagalo, subserviente e bajulador, que "à pala" de um elogio, põe a descoberto a verdadeira índole de Alípio e, quanto a mim, não o faz inocentemente.
Obrigado pelos comentários, minhas amigas. No país de Zagalo e Alípio Abranhos bem podia acontecer o que se relata no conto A Catástrofe, apenso a algumas edições de O Conde d´Abranhos: a invasão por uma potência estrangeira, a perda da independência.
E eu a pensar que tinha lido toda a obra de Queiroz...
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