22 abril 2020

O CONDE D´ABRANHOS (4)

Lendo O Conde d´Abranhos, podemos identificar o período do Liberalismo em que se insere a carreira política do protagonista, questionando-nos se sob os nomes fictícios de partidos, ministérios e agentes políticos ( Reformadores, Nacionais, ministério Cardoso Torres, o «velho general despeitado» da Revolta de 20 de Junho, etc.) não estarão nomes reais, historicamente conhecidos, de um tempo concreto e preciso. 
O Conde d´Abranhos foi escrito de um fôlego em 1879, durante uma estadia de Eça em Dinan, na Bretanha, embora a publicação só postumamente ocorresse, em 1925. À época da sua escrita, por razões que se adivinham, o editor terá chegado a propor que o livro saísse sem indicação da autoria.
A carreira política de Alípio Abranhos desenrola-se no 3º período do Liberalismo (1851 a 1890), conhecido pelo nome de Regeneração. Trata-se de um período caracterizado por um conjunto de melhorias materiais – rede viária e ferroviária, faróis, portos, telégrafo, fornecimento de água e iluminação – com expansão do sector agrícola mas fraca progressão da indústria. Este programa de desenvolvimento foi denominado Fontismo, devido a Fontes Pereira de Melo, seu inspirador e principal impulsionador.
No plano político destacavam-se os partidos Regenerador, Reformista e Histórico, tendo estes últimos dado origem, em 1876, ao Partido Progressista. As forças partidárias iam alternando no poder, tal como os Reformadores e os Nacionais do romance, sem que entre elas houvesse diferenças significativas, tanto ideológicas  como de prática política. Era o rotativismo.
Desconheço a eventual correspondência histórica do ministério Cardoso Torres, mas tendo a normalidade constitucional da Regeneração sido perturbada por golpes de estado – a revolução da Janeirinha em 1867-1868 e o golpe do Marechal Saldanha em 1870 – o livro de Eça faz eco de tais acontecimentos com o pronunciamento do «velho general despeitado», uma provável representação do marechal Saldanha, chefe militar prestigiado e inveterado golpista.
De notar que o período da Regeneração corresponde no plano cultural ao do segundo Romantismo, execrado e combatido pela escola realista, sendo notórias, neste e noutros escritos de Eça, as sátiras em torno de poemas ultra-românticos de João de Lemos, Soares de Passos e Bulhão Pato.
E assim, temos um romance que ficou na gaveta por mais de quarenta e cinco anos, ultrapassado em data de publicação por obras menos acutilantes do autor, um romance inacabado, sem revisão, o que lhe confere essa característica de peça em bruto, sem rodeios, num registo de quem fala com “o coração na boca” – fundamentalmente pelo discurso laudatório do narrador-biógrafo, convencido de que está a pôr nos píncaros o seu mentor e afinal só lhe descobre as fraquezas, a mediocridade intelectual e as misérias do seu carreirismo político sem honra nem princípios.

[Fontes: www.feq.pt, sítio da Fundação Eça de Queiroz; JOÃO MEDINA, História de Portugal Contemporâneo (político e institucional), Universidade Aberta, 1994.]

4 comentários:

Custódia C. disse...

Nunca me debrucei muito sobre este período político da história de Portugal e por isso, fico sempre um pouco perdida (os diferentes partidos, a rotatividade, as inúmeras revoluções). Este texto ajudou-me a melhor perceber o contexto do romance e o triste evoluir político do nosso Conde...

Bia disse...

Ainda ontem fazia essa pergunta a um companheiro nosso, em que personagens reais se teria inspirado o Eça?
Também comentei o personagem Zagalo, subserviente e bajulador, que "à pala" de um elogio, põe a descoberto a verdadeira índole de Alípio e, quanto a mim, não o faz inocentemente.

Emanuel disse...

Obrigado pelos comentários, minhas amigas. No país de Zagalo e Alípio Abranhos bem podia acontecer o que se relata no conto A Catástrofe, apenso a algumas edições de O Conde d´Abranhos: a invasão por uma potência estrangeira, a perda da independência.

Catarina disse...

E eu a pensar que tinha lido toda a obra de Queiroz...