Embora de
diferentes formas e em extensão variável, todos os grandes escritores reflectiram
e escreveram sobre a literatura. Schiller, Garrett, Eça, T. S. Eliot, Pessoa,
Régio, Pamuk e Kundera estão entre esses poetas e romancistas autores de vários
textos sobre a condição da poesia e a arte do romance.
Júlio Dinis
também não fugiu a tal exercício, o que demonstra ser de facto um grande
romancista, preocupado com o que escrevia e a com a recepção dos seus escritos
por parte do público.
Durante a
sua segunda permanência na città dolente (como
chamou, numa referência a Dante, à cidade do Funchal), entre 17 de Outubro de
1869 e Maio de 1870, foi escrevendo uma série de textos que figuram nas suas “Obras
Completas” com o título “Ideias que me ocorrem”.
Excerto dum
desses textos sobre a arte do romance:
“O romance é
um género de literatura essencialmente popular. É necessário que na leitura
dele as inteligências menos cultas encontrem atractivos, instrução e conselho e
que, ao mesmo tempo, os espíritos cultivados lhe descubram alguns dotes
literários para que se possa dizer que ele satisfez à sua missão.
Romances
exclusivamente apreciados por eruditos não realizam o seu fim, romance que pela
contextura literária revolta a crítica ilustrada, embora fascine o povo por
certas qualidades prestigiosas, é um instrumento perigoso que deprava o gosto e
às vezes a moral.
A verdade
parece-me ser o tributo essencial do romance bem compreendido, verdade nas descrições,
verdade nos caracteres, verdade na evolução das paixões e verdade enfim nos
efeitos que resultam do encontro de determinados caracteres e determinadas
paixões.
Realizados
estes desideratos, pode ter-se a certeza de que, ainda sem grande complicação
de enredo, o romance há-de agradar aos leitores, que a cada momento estão vendo
no livro reflexos de si próprios, de seus pensamentos, de suas paixões e
avivando memórias de passados episódios da sua vida.” *
Estes tópicos
são coerentes com o que percebemos de Uma
Família Inglesa, As Pupilas do Senhor Reitor e demais construções
romanescas do escritor portuense.
*JÚLIO DINIS, Inéditos e Esparsos, 7º volume das “Obras Completas”, Lisboa,
Círculo de Leitores, 1992, p. 11.
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